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CARTA PÚBLICA AO GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL

CARTA PÚBLICA AO GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL


Manifestação da sociedade civil organizada e interessados quanto ao Dec No 40.869/2020 que cria o Sistema Distrital de Prevenção e Combate à Tortura >>> Para ver a lista completa de notícias, clique no botão "VER TODOS"

Diante da grave crise global de saúde pública deflagrada pela pandemia do novo coronavírus que assola o Brasil, destacadamente nos locais de privação de liberdade, dadas as características de transmissão do vírus, urge a estruturação de políticas públicas que enfrentem problemáticas anteriores a este contexto e que foram acirradas pelos impactos da Covid-19.

No dia 08 de junho de 2020, o Governo do Distrito Federal publicou decreto no 40.869/2020 que institui o Sistema Distrital de Prevenção e Combate à Tortura – SDPCT e cria o Comitê Distrital de Prevenção e Combate à Tortura – CDPCT. O referido Decreto localiza sua finalidade em fomentar políticas de prevenção e o combate à tortura nos estabelecimentos
de privação de liberdade do Distrito Federal. Entretanto, em que pese o importante avanço e a justa intenção do ato normativo, a estrutura e procedimentos nele estabelecidos iniviabilizarão tal objetivo à medida em que a estrutura apresentada mitiga a autonomia e condições necessárias para o fim a que se destina.

A Lei 12.487/2013, que institui o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, dispõe sobre sua composição no caput de Art. 2o e inciso I, § 2o do mesmo artigo, prevendo a participação dos comitês e mecanismos estaduais e distrital de prevenção e combate à tortura. Assim, na órbita da política instituída no âmbito federal, entende-se que um Sistema de prevenção e combate à tortura deve ser articulado nacionalmente cabendo aos Estados e Distrito Federal a criação dos comitês e mecanismos, respectivamente, de modo que possam ser integrados ao sistema nacional já existente. Contudo, em que pese o avanço significativo na temática, o GDF equivocou-se em criar um sistema distrital à medida que entrou em descompasso com o sistema nacional e com a política federal já constituída.

De forma que, certo seria a criação de comitê e mecanismo distritais de prevenção e  combate à tortura, embora o referido decreto institua a criação do comitê distrital (Art.11), na sequência estabelece procedimentos e condições que apontam para a inviabilidade de um órgão paritário, funcional e efetivo naquilo que se propõe, como será mais à frente. Antes, porém, ressaltamos nossa total estranheza e grande preocupação com a não criação imediata do mecanismo de prevenção e combate à tortura, pois como a exemplo do que ocorre no âmbito nacional e em outros estados como o Rio de Janeiro, o mecanismo é o órgão que de fato executa a política final cabendo a ele exercer as visitas periódicas de fiscalização, monitoramento e acompanhamento dos estabelecimentos de privação de liberdade. Poderão argumentar que a estrutura criada no decreto atende a finalidade desejada, no entanto, é notório que as fragilidades a seguir apontadas colocam em xeque política tão cara àqueles que encontram-se em tais estabelecimentos, bem como para seus familiares e entes queridos.

Da finalidade ineficaz: No Art. 11 o legislador institui o Comitê Distrital de Prevenção e Combate à Tortura com a com “...as funções de fomentar políticas de prevenção, enfrentamento e combate a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes..”, ao escolher a expressão “fomentar políticas de prevenção” ao invés de “...prevenir e combater a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis...:” a exemplo do art. 6o da lei nacional, o legislador em verdade se desvia da obrigação que é a essência desse sistema, qual seja, prevenir e combater a tortura e tratamentos cruéis e degradantes, criando apenas uma finalidade paliativa que não atenderá o grande objetivo que é urgente e necessário, tonando-se inócua e ineficaz para o fim desejado, além de estar em descompasso com a legislação nacional, convenções e tratados internacionais sobre combate à tortura e demais tratamentos cruéis e degradantes.

Da Composição do Comitê: O art. 15 e seguintes determina composição com participação de representantes de órgãos do Poder Executivo e entidades e movimentos da sociedade civil. Em que pese haja a previsão de participação da sociedade civil organizada, mais precisamente em seu artigo 2o, § 2o, IX, essa participação se mostra inviabilizada na prática, quando no mesmo dispositivo se estabelece a exigência de que as ONGs, movimentos sociais, fóruns e redes tenham uma atuação de no mínimo 3 anos no Distrito Federal, requisito que exclui uma boa parte das organizações e movimentos sociais atualmente constituídas e que desenvolvem um exitoso trabalho no DF. A exemplo de outros Comitês de Prevenção e Combate à Tortura, como o do Estado do Rio de Janeiro, há consenso acerca da margem mínima de 2 anos de atuação, que permite a um só tempo a garantia da experiência e idoneidade das organizações da sociedade civil e uma ampla participação das diversas ONGs, movimentos sociais, fóruns e redes existentes em cada unidade da Federação.

No mesmo sentido, apesar de prever a participação de Conselhos de classe e da sociedade, o Decreto restringe a participação de Conselhos que não constam do rol apresentado pelo artigo 2o, § 2o, VI, impedindo injustamente a contribuição daqueles que não estejam previstos taxativamente pelo inciso mencionado e incorrendo em mais um problema de representação da pluralidade das entidades existentes atualmente no DF.

Por outro lado, ao prever expressamente no caput do § 2o do art. 2o que as entidades listadas (incluídas as da sociedade civil) “poderão” integrar o Comitê, o Decreto abre margem para a sobreposição de interesses governamentais específicos ao objetivo fundamental do comitê, que é a gestão autônoma e independente e paritária. Gestão essa exercida de forma
representativa e diversa do mecanismo de prevenção e combate à tortura, ao passo que gera uma temerária margem para a exclusão de entidades da sociedade civil da composição do Comitê. Nessa esteira, o mesmo dispositivo prevê que as entidades e órgãos serão inseridos na composição do Comitê por meio de “manifestação de interesse, indicação, convite ou subscrição de instrumento específico”, o que certamente corrobora com a ausência de princípios democráticos e transparência nos processos de composição do Comitê.

Ressalta-se ainda que a participação da sociedade civil organizada está condicionada a ato posterior a ser editado pelo Poder Executivo com a publicação do edital onde serão estabelecidos critérios de seleção (Art. 11, XV), no entanto, o prazo de 90 (noventa) dias (art. 27) para tal publicação, coloca as organizações da sociedade civil em condição desigual em relação as representações dos órgãos do Poder Executivo, vez que para estes basta apenas a indicação de suas representações no prazo de 15 (quinze) dias, conforme § 2o do Art. 17. Isto é, na prática, o Comitê inicia pelas representações de órgãos do Executivo com participação garantida deixando as organizações da sociedade civil para um segundo momento sob a condição de publicação de ato do Poder Executivo.

Por fim, a participação da sociedade civil está severamente mitigada à medida que o parágrafo único do Art. 4, dispõe que Os órgãos, entidades, colegiados, movimentos, aos quais se refere o § 2o do artigo 2o, ainda que não integrados ao SDPCT, poderão ser convidados a participar da reunião ordinária”. O verbo “poderão” não cria a obrigatoriedade e garantia de participação da sociedade civil em reunião de planejamento, afrontando assim, princípio democrático como da transparência dos serviços públicos.

Da não criação do mecanismo distrital e inexistência dos serviços de perícia remunerados: Para alcançar a finalidade desejada de fiscalizar, monitorar e prevenir a tortura e tratamentos cruéis e degradantes em locais de privação de liberdade, a figura de mecanismo composta por peritos qualificados, independentes e autônomos é imprescindível, haja vista a natureza de sua atividade. Porém, o referido decreto apesar de prever sua criação não o fez de imediato, mas o postergou para Lei futura (art. 12), fragilizando, assim, a atividade essencial para a efetiva prevenção e combate à tortura. Ressalta-se que, ainda que haja a previsão do exercício de atos fiscalizatórios por meio de visitas periódicas realizadas por membros do Comitê (art.13, inciso I), frisa-se que tal dispositivo não garante autonomia, independência e tampouco recursos humanos e financeiros uma vez que atribui aos serviços prestados caráter não remuneratório (art. 5o) e também torna-se inócuo já que a constituição de um Comitê paritário com participação da sociedade civil está vinculada à posterior ato do Poder Executivo.

Preocupa-nos em demasia estabelecer caráter não remuneratório à atividade que requer autonomia, segurança e independência. Ademais, os mecanismos de prevenção e combate à tortura nacional e do Estado do Rio de Janeiro atuam com peritos remunerados e integralmente dedicados aos serviços que prestam, a fim de garantir autonomia, independência e estabilidade financeira aos profissionais para que possam dedicar-se exclusivamente aos serviços que prestam. Soma-se a isso as características pessoais e profissionais exigidas dos indivíduos que se habilitam para prestação de tais serviços, quais sejam, reputação ilibada, notório conhecimento e formação de nível superior, atuação e experiência na área de prevenção e combate à tortura. Justo é que haja valorização remuneratória de tais profissionais a fim de lhes garantir dignidade perante a sociedade e autonomia para desempenhar suas funções.

Além disso, dada a natureza de monitoramento e fiscalização dos estabelecimentos de privação de liberdade, a não remuneração dos serviços prestados automaticamente cria condição aviltante de trabalho conflitando com direitos fundamentais constitucionalmente garantidos, tal como a dignidade da pessoa humana. Importa registar ainda, que no contexto de crise econômica que deve estender-se para além da pandemia, a estrutura criada, cuja a ausência dos cargos de peritos remunerados salta aos olhos e estão na centralidade para efetivação da finalidade proposta, aponta para o desmonte de uma política nacionalmente instituída, fruto de luta social e prevista na Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, incorporada ao ordenamento jurídico pela decreto n. 40/1991.

Assim, as organizações, movimentos, entidades e demais interessados abaixo assinados se manifestam no sentido de exigir a criação de um Sistema Distrital de Prevenção e Combate
à Tortura que tenha condições de funcionar de maneira efetiva e autônoma. Demandamos do Governo do Distrito Federal, da Câmara Legislativa do Distrito Federal e demais instituições do Estado, que apresentem soluções aos problemas aqui identificados no Decreto para que tenhamos um mecanismo que realmente funcione em seus importantes e urgentes objetivos de prevenção e combate à tortura no Distrito Federal.

Assinaturas:


Associação de Especialistas do Sistema Socioeducativo do Distrito Federal
Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Distrito Federal -
CEDECA/DF
Comissão de Direitos Humanos - OAB/DF
Comissão de Direitos Humanos - CLDF
Conselho Regional de Serviço Social - 8° Região DF
Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal - CRP 01/DF
Frente Distrital pelo Desencarceramento
Fórum de Justiça Juvenil
Fórum dos Direitos da criança e adolescentes
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCrim
Instituto de Defesa do Direito de Defesa – IDDD
Instituto Prios de Políticas Públicas e Direitos Humanos
Justiça Global
Sociedade Maranhense de Direitos Humanos
Rede Justiça Criminal



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