Associações das CHSSA querem voltar a participar da elaboração Sistema CEP/Conep
O Fórum de Associações das Ciências Humanas e Sociais iniciou um abaixo-assinado para que seja restabelecida a participação representativa das associações Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas no processo de elaboração da Resolução de Risco, tendo em vista que o atual sistema (CEP/Conep) foi constituído somente no âmbito do Ministério da Saúde e do Conselho Nacional de Saúde - CNS. A realização de pesquisas perpassa o fazer da Psicologia em determinadas áreas, o que requer atenção dos profissionais ao assunto.
Com o objetivo de elucidar melhor o tema e apropriar as psicólogas e os psicólogos de argumentos a respeito da adesão ao referido abaixo-assinado, o Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal conversou com a professora doutora Júlia S. N. F. Bucher-Maluschke, emérita da Universidade de Brasilia e docente na pós-graduação da Universidade Católica de Brasília. A entrevista contou com a colaboração do professor doutor Luiz Fernando Dias Duarte, docente da pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A professora Júlia integrou os Comitês de Ética em Pesquisa da Universidade De Fortaleza e o Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital São José e da Universidade Estadual do Ceará. Participou do Grupo de Trabalho em ética da área das Ciências Humanas e Sociais na preparação da Resolução CHS para a CONEP.
O professor Luiz Fernando coordenou o GT de Ética em Pesquisa do Fórum de Associações das Ciências Humanas e Sociais e integrou o Grupo de Trabalho em ética da área das Ciências Humanas e Sociais na preparação da Resolução CHS para a CONEP.
Confira a entrevista:
1) Em que consiste a regulamentação da ética em pesquisa?
A regulamentação formal da ética em pesquisa foi iniciada por inspiração da bioética para controlar os procedimentos de pesquisa clínica que pudessem interferir na condição física dos participantes, sem seu conhecimento e autorização – como foi comum em todo o mundo na área biomédica. No Brasil, o processo foi desencadeado com a aprovação da Resolução 196/1996, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que criou o Sistema CEP/Conep, e passou a controlar todas as pesquisas realizadas “com seres humanos”.
2) Por que motivo o sistema necessitou passar por uma reestruturação?
O sistema, concebido originalmente para aplicação às pesquisas biomédicas, passou a ser aplicado também às pesquisas das ciências humanas e sociais, criando graves distorções no funcionamento destas últimas, em função das profundas diferenças nos procedimentos de cada um desses grandes grupos de ciências. A resolução 466/2012, do CNS, que substituiu a 196/96, previu, como resultado de intensa pressão das sociedades de ciências humanas e sociais, a elaboração de outra resolução, que atendesse às especificidades das ciências humanas e sociais. Isso ocorreu finalmente em 2016, com a aprovação, pelo CNS, da resolução 510, após uma longa luta com a estreiteza mental e os interesses corporativos da Conep.
3) Quais são as especificidades das CHSSA e o que mudou com a reestruturação do sistema?
As especificidades das CHSSA são numerosas e profundas, em comparação com as ciências biomédicas. As principais são o caráter processual e dialogal da relação dos pesquisadores com seus interlocutores, sem a imposição de intervenções corporais e sem a intimidação que a relação com as instituições médicas impõe normalmente aos sujeitos sociais comuns. A formalização das autorizações de autorização para a pesquisa sob a forma dos Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), escritos e assinados, pode ser um impedimento ao estabelecimento de uma relação de confiança com muitos tipos de sujeitos sociais, tornando inviáveis diversas modalidades de pesquisa.
Por ocasião da aprovação da resolução 510, os representantes das sociedades científicas que participaram do trabalho de sua elaboração listaram os seguintes ganhos:
. adoção de um sistema de avaliação com gradação da gravidade dos riscos (em quatro níveis), e consequente tramitação diferencial dos projetos no sistema (art. 21);
. reconhecimento da diferença entre avaliação ética e avaliação teórica e metodológica; e consequente restrição da avaliação do sistema apenas às dimensões éticas dos projetos (art. 25);
. exigência de composição equânime entre os dois grandes grupos de ciências nos colegiados do sistema CEP/Conep: seja na própria Conep, seja nos CEP que pretenderem avaliar projetos de CHS (art. 26 e 33);
. exigência de que a relatoria de projetos de CHS nesses CEP incumba a membros com competência nessa área (art. 26);
. criação de uma instância dentro da Conep dedicada à implementação da nova sistemática de avaliação nas CHS com a participação das sociedades científicas; incluindo-se aí a elaboração do novo formulário de registro na Plataforma Brasil (art. 29);
. possibilidade de promover a informação sobre a proteção dos participantes por meio de um "processo de esclarecimento" que não passe necessariamente por um "termo" formal (art. 5º.);
. possibilidade de comprovação do consentimento / assentimento dos participantes por outros meios que não o escrito (arts. 15 a 17);
. manutenção da possibilidade de realização de "pesquisa encoberta" nos casos justificados ao sistema (art.14);
. manutenção da possibilidade de realização de pesquisas sem processo prévio de autorização, nos casos justificados ao sistema (art. 16);
. afastamento de uma noção reificada de "vulnerabilidade"; e consequente adoção de um critério de situação de vulnerabilidade (arts. 2º., 3º. e 20);
. retirada do processo de registro de uma série de tipos de pesquisa (de opinião pública, censitária, decorrente de experiência profissional etc.) (art. 1º.);
. retirada do processo de registro das "etapas preliminares da pesquisa" (art. 24);
. eliminação da referência à "relevância social da pesquisa" como critério de avaliação da ética em pesquisa nas CHS;
. eliminação da referência à bioética como pertinente na avaliação da ética em pesquisa nas CHS.
4) Qual é o impacto das mudanças das exigências para a Psicologia?
A Psicologia é uma área de conhecimento muito ampla e diversificada. Abrange ramos mais próximos das ciências biomédicas e outros inteiramente característicos das ciências humanas. O impacto é muito variável, em função dessa diversidade, sendo particularmente importante para as últimas. Isso pode ser aquilatado pela leitura da resposta à questão anterior.
5) Por que fazer um abaixo assinado? Por que é recomendável que as psicólogas e os psicólogos o assinem?
O atual abaixo-assinado, dirigido ao CNS e à Conep, visa fazer com que esta recue de sua decisão de proceder sozinha a elaboração da resolução sobre riscos, originalmente parte da responsabilidade do Grupo de Trabalho que elaborou a minuta da resolução 510, composto com a participação de representantes de cerca de 20 sociedades de CHSSA. Há um grave risco de que essa nova resolução emascule a resolução 510, impondo novamente às CHSSA princípios específicos das ciências biomédicas. De um modo geral, as sociedades que compõem o Fórum das CHSSA têm os mais fortes motivos para não confiar na Conep, cuja ideologia biomédica e bioética busca manter um controle político de todas as pesquisas em CHSSA, sem a menor disposição em compreender e acolher as diferenças legítimas e profundas que constituem o campo científico contemporâneo, particularmente no que toca as CHSSA.