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CRP 01/DF ENTREVISTA DRA. TANIA RESENDE
CRP 01/DF ENTREVISTA DRA. TANIA RESENDE
13/06/2017 16h32
- Atualizado em aproximadamente 6 anos
Professora e pesquisadora fala sobre saúde mental e luta antimanicomial no DF
O Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal (CRP 01/DF) compartilha entrevista realizada com a professora Tania Inessa Martins de Resende. Doutora pelo Programa de Pós Graduação de Psicologia Clínica e Cultura na Universidade de Brasília, tendo desenvolvido projeto de pesquisa no campo da saúde mental. Possui Mestrado em Psicologia pela Universidade de Brasília (2001) e graduação em Psicologia pela Universidade de Brasília (1997). Atualmente é psicóloga clínica (consultório particular), coordenadora do projeto de extensão PRISME - projeto interdisciplinar em Saúde Mental - do Centro Universitário de Brasília, supervisora de estágio em Saúde Mental do Centro Universitário de Brasília e professora do Centro Universitário de Brasília nos cursos de graduação de Psicologia, Enfermagem e Medicina, e líder do grupo de pesquisa Convivência e Saúde Mental. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicanálise, atuando principalmente nos seguintes temas: saúde mental, reforma psiquiátrica e clínica do sofrimento psíquico grave.
O seu histórico profissional com a luta antimanicomial é algo que vem sendo construído já há alguns anos. Como vem sendo essa experiência?
Meu primeiro contato com a saúde mental foi no estágio, no ISM [Instituto de Saúde Mental]. De uma maneira curiosa, o estágio foi tão intenso, tão mobilizador, que eu saí de lá dizendo que nunca mais iria trabalhar com saúde mental. No semestre seguinte, quando comecei os estágio na [área] clínica, nós fazíamos a primeira consulta em dupla e eu fiz essa consulta com uma amiga. Ela tinha acabado de fazer também esse estágio em saúde mental e dizia "meu estágio ainda não acabou, eu não quero". E eu disse: Pode deixar que eu fico. E então começou o meu trabalho na saúde mental. Assim que eu assumi no Uniceub em 2002, eu já comecei um trabalho de levar os meus alunos para esse mesmo espaço onde eu tinha feito estágio antes e a gente fez uma parceria com a [ONG] Inverso, que foi criada em 2001 e era a sede do Movimento Pró-Saúde Mental, que é o nosso braço aqui no Distrito Federal da luta antimanicomial. Trabalhando com o Movimento, em parceria com a Inverso, orientando alunos em diferentes instituições, a gente foi ajudando a compor cada CAPS [Centro de Atenção Psicossocial] que foi sendo criado, porque o nosso primeiro CAPS aqui só foi criado em 2006, com um atraso de quase 20 anos do primeiro CAPS criado em São Paulo em 1987. Nosso primeiro foi AD [Álcool e Drogas], em 2005, de saúde mental do Paranoá em 2005/2006.
E hoje, que desafios e perspectivas você vê para a saúde mental na região?
A gente tem uma situação muito delicada aqui no Distrito Federal. Tivemos um atraso muito grande no início da Reforma [Psiquiátrica]. Não havia interesse político em conversar. Tanto que o primeiro CAPS criado aqui foi fruto de uma intervenção do Movimento [Pró-Saúde Mental]. Foi um 18 de maio [Dia da Luta Antimanicomial] em que tivemos uma semana de reportagens [em grandes emissoras locais] sobre a saúde mental. Em uma reportagem, conseguiram entrar com uma câmera escondida no Hospital São Vicente de Paula e isso teve uma grande repercussão. No dia 18 de maio, a Eva Faleiros, que era a diretora do Movimento Pró-Saúde Mental, junto com o coordenador de Saúde da época, foram para uma entrevista ao vivo e esse coordenador de Saúde nem sabia que a gente tinha direito a CAPS, que todas as propostas tinham sido engavetadas, e ele se sensibilizou com a situação em que estávamos e se comprometeu publicamente a construir os CAPS. Depois disso houve uma mudança de gestão e, aos poucos, os CAPS foram sendo construídos, mas a gente ainda tem um déficit muito grande. Em 2010, o Movimento fez um relatório para apresentar a situação da saúde mental e chamou para uma audiência pública. Por esse levantamento e pela nossa população, tínhamos direito a 38 CAPS, e nós temos 17 hoje. Não temos nenhuma residência terapêutica. Houve uma tentativa de implementar a residência terapêutica, mas não deu certo. Por questões administrativas. É nosso direito, mas a gente não tem. É bem verdade que não temos uma demanda para muitas residências terapêuticas porque a gente nunca teve um manicômio grande. O nosso único hospital psiquiátrico é um hospital de pequeno porte. Mas para que teríamos demanda? A gente tem um grupo de pessoas que vive em uma enfermaria no Instituto de Saúde Mental que eram de uma clínica que foi fechada em Planaltina pela própria vigilância por situações de maus tratos, uma coisa assustadora. Então para essas pessoas haveria demanda. Aquelas pessoas que tinham família e conseguiram recuperar seus laços familiares saíram, mas há pessoas que continuam lá. Há também algumas pessoas na ATP, a Ala de Atendimento Psiquiátrico da Papuda, que não deveriam estar. Ou na Colméia, mas não têm para onde ir. E também pessoas em situação de rua em sofrimento psíquico grave, que poderiam se beneficiar dessas residências. É um momento difícil o que estamos vivendo. Nacionalmente, eu diria. A despeito de tudo o que vem acontecendo, desde 1987 a gente tinha uma Coordenação de Saúde Mental preocupada com a situação da saúde mental, mas agora as coisas estão um tanto incertas.
Com o caso da Cracolândia, em São Paulo, voltamos recentemente à discussão sobre propostas de internação compulsória. Como você avalia essa discussão no nível em que ela está hoje?
Para ser muito franca, é criminoso o que está acontecendo, um retrocesso enorme e contrário a toda a Política de Saúde Mental, implementada desde 1987 e que é uma política premiada. A Organização Mundial de Saúde [OMS] premiou a nossa política. Com essa discussão, voltamos a um processo de higienização moral, um descaso com políticas importantes e com serviços já implementados e que estavam surtindo efeito. Até mesmo do ponto de vista da legislação há uma discordância. É uma interpretação equivocada da internação compulsória. Pela Lei nº 10.216, uma pessoa portadora de transtorno mental (é assim que a lei nomeia) comete um crime, é julgada, entra em medida de segurança e uma das indicações pode ser a internação compulsória. Não é uma limpeza das ruas de tirar todo mundo e levar para um outro espaço. Não é esse o objetivo da internação compulsória.
O que pode ser feito para evitar que essas interpretações continuem a ser difundidas e defendidas por parcelas da população? Há perspectivas?
Resistir. Esse é o momento de resistir. Não só para a saúde mental, mas para várias políticas está havendo um retrocesso. É hora dos movimentos sociais e das instituições de ensino estarem se posicionando. Estamos todos muito assustados com o que está acontecendo. Políticas que nos pareciam garantidas, direitos que pareciam garantidos agora não mais estão.
Como o profissional de Psicologia se insere nesse contexto?
Em especial na ideia de resistência, a qualidade do nosso trabalho com os serviços de saúde mental, mostrando a potência dos CAPS, na parceria com as instituições de ensino e ajudando a formar psicólogos que dialoguem com a realidade brasileira, com as nossas questões sociais, que não achem que a Psicologia é só estudar teorias psicológicas, que trabalhem junto com os profissionais, que façam parte do movimento. É uma forma de contribuir.
No artigo "A patologia como possibilidade estruturante do sujeito" você traz uma reflexão de que a patologia pode ser observada por um prisma que não necessariamente esteja vinculado à doença. Você poderia falar um pouco mais a respeito?
Escrevi esse artigo em parceria com um aluno, da minha primeira turma de trabalho no ISM. A nossa política nacional é inspirada na política italiana, de desinstitucionalização. E esse é dos conceitos básicos. Ao invés de trabalhar com a noção de doença, a gente vai pensar em sujeitos cujo sofrimento foi construído na sua história, na sua existência, e que esse sofrimento está vinculado ao contexto social. Então a gente passa dessa ideia de doença para pensar em sofrimento existencial e sua relação com o campo social. Essa é a base da nossa política de saúde mental. Nós não estamos trabalhando com doentes, incapazes, potencialmente perigosos que precisam estar isolados e excluídos da sociedade. É desconstruir essa ideia, não apenas os manicômios. Todos nós podemos passar por situações e não termos estratégias para lidar com esse sofrimento. Então precisamos de serviços abertos, comunitários, que ajudem a enfrentar esse momento da nossa vida. A política de desinstitucionalização não é apenas "Ninguém mais vai morar em hospitais psiquiátricos", o que já não é pouco de violência, mas é, para além disso, mudar a relação. O Basaglia [Franco Basaglia, psiquiatra precursor da reforma psiquiátrica italiana] vai dizer para colocar a doença entre parênteses para encontrar o sujeito que está sofrendo. Isso faz muita diferença no modo de construirmos os serviços para além de estabilizar sintomas, mas ajudar a construir projetos de vida, viver, encontrar espaços para todo mundo e para as diferenças. Uma sociedade menos alérgica à diferença. É a isso que a saúde mental visa. A saúde mental está junto com vários outros grupos que estão lutando por direitos humanos. Temos isso em comum. Só que nos outros espaços tem uma coisa de valorizar e ter orgulho. Ter orgulho de ser negro, ter orgulho de ser mulher, ter orgulho de ser trans e assim por diante. Na saúde mental não é exatamente isso. Não tem nada a ver com vergonha, mas também não é para ele se orgulhar de um sofrimento. A gente só está querendo que esse sofrimento não seja entendido como incapacidade, algo que me inviabiliza como ser humano ou no trato com os outros. Na minha tese eu falo sobre isso. Acho que a forma que temos de desconstruir tudo isso é convivendo. Quando a gente faz uma atividade aberta em um CAPS, por exemplo, a gente nem sabe quem é o usuário do serviço, quem é o profissional. Mais do que grandes campanhas, precisamos de um esforço de convivência.