Bem-Vinda(o)!

O CRP 01/DF está de cara nova!

Mas se você quiser ainda é possível acessar o site antigo no menu acima


18 DE FEVEREIRO - DIA NACIONAL DE COMBATE AO ALCOOLISMO: ENTREVISTA COM A PSICÓLOGA JANETE KRISSAK

18 DE FEVEREIRO - DIA NACIONAL DE COMBATE AO ALCOOLISMO: ENTREVISTA COM A PSICÓLOGA JANETE KRISSAK



Celebrado em 18 de fevereiro, o Dia Nacional de Combate ao Alcoolismo reforça a importância da conscientização sobre os perigos do consumo excessivo de álcool.

Segundo dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o consumo da bebida no Brasil aumentou 43,5% em dez anos e agora supera a média internacional. Se em 2006 cada brasileiro com 15 anos ou mais bebia o equivalente a 6,2 litros de álcool por ano, em 2016 a taxa chegou a 8,9 litros, colocando o país na 49ª posição no ranking que conta com 193 países.

O levantamento da OMS destaca ainda que um total de 3,3 milhões de mortes por ano estão relacionadas ao consumo de álcool, o que representa 5,9% de todas as mortes de pessoas no mundo. Quando se considera apenas o grupo de pessoas entre 20 e 39 anos de idade, a taxa de mortes que têm relação direta com a bebida chega a 25%.

Como um depressor do sistema nervoso central, o álcool afeta gradualmente as funções cerebrais, provocando mudanças de humor, da capacidade de julgamento, do controle sobre habilidades motoras e do tempo de reação, além de respostas do organismo a questões relacionadas ao sono, concentração e  raciocínio.

A ação da bebida é o que motiva a intensificação de campanhas de órgãos de trânsito contra a interação do consumo de álcool com a direção de veículos. No Distrito Federal, segundo dados divulgados pelo Departamento de Trânsito (Detran), as autuações de condutores flagrados dirigindo sob o efeito do álcool cresceram 59,9% no ano passado, com cerca de 24,5 mil infrações registradas.

O conselheiro regional e chefe do Núcleo de Psicologia de Trânsito do Detran-DF, Luis Fernando Arantes, destaca que as leis relacionadas à concentração de álcool no sangue durante a condução veicular têm contribuído para a redução no número de acidentes no trânsito, convergindo às orientações da OMS.

"Considerando os custos das lesões por acidentes de trânsito para reabilitação de acidentados, gastos previdenciários e perda de população economicamente ativa, bem como esforços internacionais para redução de acidentes, o Congresso Nacional tem se mobilizado para a elaboração de leis que tornam mais rígidas as punições para a direção sob influência de álcool", observa. "A integração das políticas é fundamental para a prevenção de acidentes e suporte aos usuários que necessitam de tratamento psicológico e psiquiátrico. O envolvimento da comunidade científica é essencial para a produção de conhecimento e orientação das políticas públicas, resultando em maior eficácia das estratégias de enfrentamento", ressalta.

Com o objetivo de aprofundar as reflexões sobre o tema, convidamos a psicóloga Janete Krissak para uma entrevista ao Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal (CRP 01/DF). A psicóloga atua no tratamento da dependência de álcool e drogas no Distrito Federal há 39 anos. Psicanalista e especialista em dependência química, ela abordou as principais dúvidas sobre o alcoolismo, formas de tratamento, atuação da Psicologia e cenário das políticas públicas no Brasil. Confira:

O que caracteriza o alcoolismo e o diferencia do simples consumo de álcool?

O alcoolismo tem uma classificação na Organização Mundial de Saúde (CID-10). Então ele é reconhecido como uma doença, ou seja, é uma relação que o sujeito começa a fazer com o álcool em um crescente e a partir da qual ele desenvolve uma dependência física, química e psíquica, passando por alguns quadros um pouco mais severos, como a síndrome de abstinência. Ele compromete o organismo dele, desenvolve problemas gástricos, úlceras, problemas cardiológicos. Então existe uma ramificação no organismo também, comprometendo esse sujeito. Como sabemos que uma pessoa está sofrendo com o alcoolismo? Quase todo mundo bebe e todo mundo diz que bebe socialmente. Mas uma coisa é você ir para uma festa e, de repente, beber um pouco e ir embora. Outra coisa é você querer ir a uma festa para beber um pouco. E a terceira coisa é você querer beber e, por isso, procurar uma festa. Os valores da intenção em relação à bebida começam a mudar. Você começa a se fazer provocações para estar bebendo. Psiquicamente falando, nós desenvolvemos mecanismos de defesa. O alcoolista desenvolve três e compromete esses três, que é a negação, a projeção e a racionalização. Para a bebida, ele sempre tem uma explicação. Para a culpa, ele sempre tem uma pessoa e, se você diz que ele está bebendo muito, ele sempre nega. Então isso fica evidente no discurso dele. O repertório dele é pequeno, é curto. Ele não tem muita verbalização e, em termos gerais, o alcoolista é como diz o termo alcoólatra: ele idolatra o álcool. O alcoolista desenvolve uma dependência e a manifestação física acontece. Ele entra em uma crise severa e a parte mais forte dela é um delírio intenso que, se não tratado, leva a óbito. O álcool é uma droga depressora, então ela vai deprimir o sistema nervoso central, fazendo com que esse sujeito relaxe as suas defesas, a sua racionalidade. Então ele não é um depressor no sentido de beber e cair. Isso é no final.  Mas ele é um depressor no sentido de poder falar qualquer coisa e diminuir as suas censuras. Por isso é que o alcoolista fica uma pessoa chata, inconveniente, todo mundo sabe que o sujeito chegou. Esse é o perfil do alcoólatra.

Além dos sintomas característicos, o alcoolismo está ligado a outros tipos de sofrimento psíquico?

Normalmente o alcoolista acaba desenvolvendo a posteriori ou inicialmente algo comparece como facilitador. Por isso que a gente toma o sujeito como um todo, a experiência de vida dele, a forma como ele se relaciona, os sentimentos que ele tem. O álcool às vezes entra nesse eixo de aliviar ou alegrar. Eu sou uma pessoa mais triste ou mais inibida e o álcool tem esse potencial de ir mudando o meu humor. Isso pode ser um facilitador para desenvolver a dependência. Por isso que você tem que avaliar cada sujeito na sua singularidade, apesar dos sintomas serem muito semelhantes de um paciente para o outro. Mas o eixo que fez com ele desenvolvesse o alcoolismo é que é diferente. Não é só porque ele tem um negocinho no organismo dele.

Existe predisposição para o alcoolismo? É possível falar em prevenção?

Uma boa educação e uma boa orientação são formas de prevenção para qualquer tipo de distúrbio psíquico. Afetividade, família. Isso tudo são elementos imprescindíveis no desenvolvimento do sujeito. Uma criança esclarecida, uma criança que convive com a história da bebida, mas não de uma forma exagerada, exorbitante, que a família é mais saudável, que conversa com a criança, que explica, essa criança tenderá a ter menos possibilidade de desenvolver uma doença assim do que uma criança que está, por exemplo, no meio da marginalidade. É muito facilitador. Uma criança sente fome e ela descobre que, se ela roubar uma maçã, ela vai comer. Daí ela rouba uma maçã, daqui a pouco ela rouba duas. Daqui a pouco ela faz a feira. Daqui a pouco ela rouba uma casa. Então falamos de predisposição ou facilitação? Eu acho que é muito mais uma questão de meio social, educação e saúde. Esse tipo de prevenção é imprescindível para qualquer patologia, não só álcool e drogas.

Quando procurar tratamento? Há algum tipo de situação que a própria pessoa, um amigo ou um familiar pode identificar como sendo a hora de procurar ajuda profissional?

Normalmente quem está perto desse sujeito identifica bem mais rápido do que ele, exatamente por aquelas defesas que tratamos anteriormente. Mas a família também resiste em admitir, começa com planos mágicos do tipo "vamos parar de beber um pouco em casa", "não vamos ter muita bebida em casa", "não vamos muito a lugares que têm bebida", "não vamos deixá-lo sozinho" e uma série de ginásticas que não vão adiantar porque, se ele já tem essa manifestação, já revela esse comportamento quando as pessoas vêem, ele já desenvolveu o alcoolismo. Então ele já está bebendo na surdina, já está bebendo escondido. Quando as pessoas enxergam, é porque já está instalado. Então a dificuldade é a família admitir e, uma vez admitindo, buscar a ajuda de um profissional. Lá ela vai receber orientação. Se essa pessoa é mais maleável e preocupada com ela mesma, porque existem pessoas que são mais conscientes, ela acaba pedindo ajuda de um profissional também. Dependendo da avaliação desse momento que ele está passando ou ele é passível de tratamento em consultório ou ele precisa se internar, fazer uma desintoxicação porque o tratamento implica abstinência, pois como chegamos no sujeito se ele está entorpecido? Então às vezes é preciso uma desintoxicação breve e, nos casos mais severos, uma internação mesmo para tratamento em regime de internação.

Em que consiste o trabalho do profissional de Psicologia no tratamento do alcoolismo?

Existem diferentes metodologias de acesso. Na clínica onde atuo, como somos psicanalistas, esperamos que o primeiro passo seja o indivíduo desejar saber o que acontece com ele. Então a primeira coisa que a gente vai trabalhar no sujeito é suscitar o desejo de descobrir o que ele não sabe, uma vez que ele perdeu a referência. Ele está fazendo coisas que ele diz que não quer fazer. Você pode ver que uma frase muito comum do alcoolista é "quando eu vi...". Como assim "quando eu vi"? Onde estavam os seus olhos antes disso? Então a gente quer ajudá-lo a enxergar antes.  Eu estou vendo que eu preciso beber. Por que eu preciso beber? Por que eu não consigo parar de beber? Por que eu tenho que beber diante de tal situação? O que a bebida faz comigo? O que eu procuro com a bebida? O que ela fala em mim? Esse discurso todo a gente procura explorar. Diferente de um trabalho mais behaviorista, que é um condicionamento em função da abstinência. Você tem que parar de beber. O Alcoólicos Anônimos (AA) também ajuda muitas pessoas. Há um grupo de Narcóticos Anônimos que vem aqui porque muitas pessoas têm inclusive prejuízo cognitivo e eles precisam parar de beber para não morrer. Então existem linhas mais diretivas que visam a isso, uma abstinência. O nosso trabalho se dedica a uma vida mais prazerosa, não necessariamente bebendo, onde você possa conseguir superar suas dificuldades, ter prazer e entender por que você desenvolveu isso tudo, por que você precisou fazer isso com você. Nesse sentido, a abrangência do questionamento é maior.

Como é feito esse trabalho?

Alguns pacientes chegam aqui porque foram encaminhados, quer seja pelo seu trabalho ou porque a família trouxe. E eles vêm assim: "eu não sei por que eles mandaram eu vir pra cá". É a negação. "Eu não quero, eu não vou." Outros vêm em internação compulsória, involuntária. E esses são os mais resistentes. Tanto os mais resistentes como aqueles que vêm deliberadamente por vontade própria passam por uma avaliação clínica, psíquica, de enfermagem, fazemos todo um monitoramento, monitoramos soro, vemos se precisa de alguma medicação e vamos acolhendo esse sujeito. Temos uma equipe multidisciplinar de psicanalistas, psiquiatra, médico clínico, enfermeiro e terapeuta ocupacional. À medida que esse paciente vai ficando aqui, que os outros pacientes chegam perto dele, começam a conversar e ele fica um pouco mais à vontade, a gente faz um trabalho intenso individual. Todo dia, uma ou duas vezes por dia, ele é chamado para conversar com um profissional. E nessa conversa a gente vai se atrevendo a uma investigação. Ele faz uma empatia maior com um profissional e menor com outro. Quando se descobre isso, esse profissional com quem ele simpatizou começa a atendê-lo sistematicamente e individualmente. Para além disso, ele participa de dois grupos durante o dia, todos os dias da semana. Dois grupos de terapia. O que ele vê lá? Ele vê pacientes que acabaram de chegar e pacientes que já estão em um trabalho dinâmico. Então aquela pessoa que ele acha super legal também está contando os horrores que ele passou na vida dele, que são coisas que ele também viveu. E começa um processo de identificação. Ele diminui as defesas até que ele possa se vincular à clínica, se vincular ao profissional e abrir o jogo. E aí ele começa a se tratar. Nos primeiros dias é pura resistência. Alguns demoram mais, pedem alta antes do fim do tratamento. Mas as pessoas que conseguem seguir a proposta de trabalho, mesmo quando saem e recaem, ou seja, bebem de novo, eles voltam sozinhos. E eles não ficam lá fora bebendo por muito tempo. Eles bebem um ou dois dias e voltam para não retornar àquela espiral novamente. Então são pessoas que estão marchando, caminhando pra frente.

No que se refere ao alcoolismo, não se costuma falar em cura, mas há casos de internação, por exemplo, que chegam à alta. O que configura a alta? Quando a pessoa está pronta para ter alta?

Não se fala em cura justamente porque a cura que se prega é a abstinência, ou seja, o sujeito não pode beber mais. Na nossa visão, no entanto, existe uma cura sim porque é uma mudança de lugar. Se nós estamos em uma sala observando o que está ao nosso redor e nós trocamos de lugar, nós estaremos na mesma sala, mas vendo de uma perspectiva diferente. No ambiente, nada mudou, a gente é que mudou. Isso seria a cura do alcoolista. Ele vai ver o álcool de forma diferente. Então ele não precisa ficar brigando para não beber. Talvez ele não queira mais beber, talvez ele não sinta mais que precise daquilo. O álcool pode ser descartado. Então a diferença da abstinência que ele mantém não é porque ele não pode beber, mas porque ele não quer mais. E, nesse sentido, ele está curado. Algumas pessoas que eu acompanhei inclusive voltaram a beber socialmente depois de 10, 15 anos de abstinência. Mas é uma longa jornada porque você precisa saber o que está fazendo, ter uma consciência senão você fica assim "ah, daqui a 2, 3 anos eu vou poder beber!". Isso não tem nada a ver com cura. Tem a ver com expectativa. E não é nada disso. É outra história. É uma mudança subjetiva.

Como você avalia as políticas públicas para combate ao alcoolismo no Brasil hoje?

Acho que estamos voltando a uma política pública muito mais repressora. Há um tempo fizeram um trabalho voltado para os dependentes químicos a partir da redução de danos, onde tivemos um resultado que considero muito bom, mas infelizmente não existe educação. O país quer trabalhar com metodologia que funciona lá fora, mas as pessoas não recebem educação antes disso, entende? Então as pessoas não têm informação, não têm educação. Eu acho que a política pública tem que começar com um trabalho dentro das escolas, visando a terceira geração. Só que é um investimento assim: você faz isso, o político que vem na sequência tem que continuar e o outro também tem que continuar. Não dá para cada um querer erguer a sua própria bandeira. Eu acho que o eixo norteador de um trabalho com resultado positivo na política pública teria que ser educação e saúde. Saúde tanto no eixo da prevenção como da assistência porque você não vai deixar as pessoas piorarem. E a educação deveria ser pensada a partir da prevenção. Acho que precisamos falar sobre isso, levar à mídia, que esse caos que às vezes vemos nos sirva de informativo. O problema muitas vezes também é que a política pública é feita por políticos e ela precisa também do profissional de saúde. É preciso que os políticos consigam se unir ao técnico para dizer "Olha, eu tenho mil reais. O que posso fazer com isso?". A gente tem que fazer esses mil reais virarem cinco mil.  Tem que ter gente muita séria lá na frente para fazer a coisa andar. O país é muito grande e o povo precisa e merece ter respeito. Os técnicos precisam ser ouvidos porque não adianta fazer qualquer coisa só para dizer que fez.

Saiba mais

O Distrito Federal possui diversos psicólogos e psicólogas capacitados para o tratamento da dependência do álcool, atuando em colaboração com outros profissionais da área de saúde. Além dos grupos de apoio e serviços particulares de clínicas, consultórios e casas de acolhimento, nos Centros de Atenção Psicossocial com foco em álcool e drogas (CAPS-AD) é possível ter acesso público a uma rede de serviços. Você pode obter mais informações na página eletrônica da Diretoria de Saúde Mental (DISAM) da Secretaria de Saúde do DF: http://www.saude.df.gov.br/programas/536-diretoria-de-saude-mental-disam.html.



<< Ver Anterior Ver Próximo >>