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A EVOLUÇÃO DA FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA

A EVOLUÇÃO DA FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA



No mês de retorno às aulas, o CRP 01/DF conversa com profissionais da área acadêmica sobre as modificações que a graduação vem sofrendo ao longo do tempo           

Historicamente, a Psicologia era uma profissão bastante voltada para a área clínica de consultórios, acessíveis somente pelas elites. Com o tempo, ela se tornou mais ampla no seu campo do saber, bem como de atuação, e mais acessível. Naturalmente, para acompanhar tais avanços, as psicólogas e os psicólogos precisaram se reciclar, se capacitar, de modo que estivessem qualificados e aptos a atender às novas demandas. Assim, os cursos de graduação em Psicologia sofreram diversas modificações, não só em relação à grade curricular, como em diversos aspectos essenciais à formação profissional.

Para saber um pouco mais a respeito dessas mudanças e sobre as várias perspectivas que envolvem a formação de psicólogas e psicólogos no Brasil, o Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal entrevistou duas profissionais ligadas à área acadêmica no Distrito Federal.

Everley Rosane Goetz já trabalhou na Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, e hoje é professora de psicologia no Centro Universitário IESB, onde coordena o serviço-escola, além de atuar como psicóloga clínica, pesquisadora. Possui formação clínica em Psicoterapia Pais-bebê, especialização em Psicopedagogia Clínica e mestrado e doutorado em Saúde e Desenvolvimento Humano.

Por sua vez, Roberta Ladislau é coordenadora do curso de Psicologia do Centro Universitário do Distrito Federal – UDF. Doutora em Ciências do Comportamento, Especialista em Neuropsicologia, também desempenha atividades de Psicologia Clínica e Neuropsicologia em seu consultório.

Por terem anos de ampla atuação na esfera acadêmica, elas puderam dividir conosco suas experiências e fornecer interessantes informações a respeito da evolução da formação universitária em Psicologia. Da mesma forma que compartilham algumas ideias, a bagagem profissional de cada uma embasa também distintas opiniões. Confira e compare as duas visões:

 

1) Como a profissão de psicologia evoluiu ao longo dos anos e como isso afeta a atuação dos profissionais?

Profª. Eve: A Psicologia tinha uma formação de elite e para a elite. Contextualizo da minha própria experiência, há pouco mais de duas décadas, da entrada no curso de psicologia. Tínhamos cursos com custos altíssimos, dois turnos de aulas, restritos a poucos no país. Então não somente era voltado para a elite, como também um curso acessível quase que exclusivamente  à elite. A formação era densa, mas predominava a formação para a clínica privada, individual. Viabilizar essa prática clínica era também de alto custo e muito restrita a quem detinha maior poder aquisitivo. Em alguns cursos havia a possibilidade de fazer uma formação em psicologia organizacional e escolar (como se chamava na época). Se, por um lado, os profissionais obtinham ganhos por essa densa formação clínica, por outro, após a graduação, a maioria ficava deslocado da atividade profissional por não ter os recursos financeiros para a estruturação e manutenção da clínica privada, nem tampouco a possibilidade de inserção em outras áreas que ainda insurgiam timidamente. Além disso, a população em geral tinha pouco ou nenhum acesso ao profissional de Psicologia. A partir da época em que me graduei, vi o crescimento e a consolidação de diversas áreas, entre elas, destaco a psicologia da saúde, que insurge com um arcabouço teórico mais consistente; a jurídica; a esportiva; entre tantas outras subáreas de atuação que aos poucos foram se estruturando por meio de pesquisas e avanços, como novas práticas e formas de atuação do profissional, favorecendo a inserção do(a) psicólogo(a) em distintos âmbitos. Isso permitiu que a Psicologia fosse gradativamente se tornando uma ciência e profissão mais ampla, de maior abrangência, permitindo maior acesso da população em suas diversas áreas de atuação.

Psi. Roberta: Na minha visão, a Psicologia hoje é mais ampla e tem se tornado mais acessível, seja por iniciativas de atendimentos sociais, seja pelo surgimento de novas áreas, como a Psicologia Comunitária, ou pela conquista de novos espaços para a inserção do psicólogo. Historicamente, sempre houve um debate sobre a Psicologia Clínica, especificamente, ser elitista. Sabemos que as condições socioeconômicas desfavoráveis podem ser fatores de risco para a saúde mental do indivíduo. A psicoterapia, ao ser considerada elitista, impediria o acesso a essa parcela da população que precisaria de atendimento. Contudo, há de se pensar em questões políticas que garantam o acesso da população à saúde. O profissional psicólogo, assim como ocorre com outros profissionais, como os da saúde, está prestando um serviço e deve ser remunerado de forma adequada por ele. Nesse sentido, podemos pensar em uma formação cidadã para o psicólogo. Ao mesmo tempo em que presta o serviço para a população e é remunerado por isso, pode separar alguns horários para o atendimento social, se perceber que deve atuar com responsabilidade social. Outra forma de democratizar o acesso aos atendimentos para saúde mental seria por meio de grupos terapêuticos, tanto no setor privado quanto no público. A evolução da Psicologia está ocorrendo por meio da introdução e/ou fortalecimento de novas áreas de atuação do psicólogo. Algumas áreas vêm crescendo e se fortalecendo, como a Psicologia do Trânsito, a Psicologia Jurídica, a Psicologia Forense e a Neuropsicologia, por exemplo. À medida que as demandas vão surgindo e os profissionais da área se especializando, conseguimos conquistar novos espaços, ampliando, portanto, a atuação do profissional. E ainda há muito a conquistar.

 

2) Que mudanças a graduação precisou sofrer para acompanhar o desenvolvimento da profissão e das novas demandas da Psicologia?

Profª. Eve: Penso que a graduação teve que passar por uma grande reestruturação – que abrangia a própria estrutura curricular, tornando-a mais enxuta em quantidade de horas de formação, para diminuir custos e ser mais acessível – e pela inserção de diversas áreas emergentes na psicologia. Algumas delas foram se constituindo, outras se consolidando pelo aprimoramento de seus fundamentos e passaram a fazer parte do cotidiano de um número maior de pessoas, com maior abrangência para a população. Outro aspecto a destacar, foi a própria formação/capacitação dos professores e profissionais. A Psicologia cresceu e se desenvolveu em diversos âmbitos, saberes e fazeres, exigindo que os profissionais mais antigos, também se reciclassem para acompanhar as mudanças. Novas áreas, novos termos, novos saberes, novas posturas foram sendo constituídas: um novo paradigma de atuação!

Psi. Roberta: Ao longo da história da Psicologia no Brasil, algumas disciplinas e campos de estágio foram sendo acrescentados diante das demandas trazidas pela sociedade e pelos alunos.  Por exemplo, a Neuropsicologia foi regulamentada em 2004 pelo Conselho Federal de Psicologia. A partir de então, aos poucos, foram sendo acrescentadas disciplinas e estágios relacionados à área para os discentes. Isso foi possível de ser feito com a revisão das matrizes curriculares nos cursos de graduação. Além disso, a formação dos professores também interfere nesse processo. Se eu colocar um corpo docente que trabalha essencialmente com a clínica, eu vou fomentar uma formação pautada na clínica. Se eu tiver formadores com atuações diversas na Psicologia, eu posso ampliar o contato do aluno com as várias áreas da Psicologia. Dessa forma, o desenvolvimento de pesquisas e as práticas dos professores  podem contribuir para a ampliação e com o fortalecimento dos novos espaços para a Psicologia.

 

3) Na sua opinião, a atual grade curricular atende as demandas que o mercado de trabalho exige dos profissionais de Psicologia hoje em dia, tanto em se tratando da iniciativa pública, quanto da privada?

Profª. Eve: Em diversos aspectos, penso que a formação atende às demandas do mercado, fornecendo diretrizes teórico-técnicas para a prática, ainda que, para a atuação em certas áreas mais específicas, o(a) psicólogo(a) necessite de um aprofundamento, formação ou especialização. O curso tem um número de horas restrito em relação ao aprimoramento que se exige em algumas áreas e acerca das demandas para as diversas possibilidades de atuação, o que exigirá que o(a) egresso(a) busque maior capacitação.  A graduação é, certamente, um tempo longo e profícuo de formação, do qual os alunos saem aptos para a atuação no mercado de trabalho, mas como sempre enfatizo em aula: aptos sim, prontos não! Para uma atuação pautada na ciência e na ética, é imprescindível que se continue sempre em formação, estudando, buscando se desenvolver e se aprimorar.

Psi. Roberta:A grade curricular atual, seguindo as Diretrizes Curriculares Nacionais, nos direciona para as áreas clínica, organizacional, social, da saúde e escolar. Nesse sentido, para as demandas mais tradicionais, o currículo atende as necessidades do setor privado, em especial. Contudo, são poucos os currículos que abordam Psicologia do Trânsito, Psicologia Jurídica e Psicologia Forense, cuja interface maior é com o setor público. Geralmente, são citadas em disciplinas iniciais, como Psicologia: Ciência e Profissão. O espaço da Psicologia nos Fóruns e Tribunais, por exemplo, está crescendo cada vez mais e poderia ter uma abertura maior nas grades curriculares para essas áreas.

 

4) Quais são os desafios de uma instituição de ensino para que ela forme profissionais de Psicologia mais qualificados?

Profª. Eve: A reflexão contínua sobre a ciência, a ética e a formação oferecida é algo que deve ocorrer de forma contínua. As instituições de ensino precisam estar com seus núcleos/colegiados em constante reflexão para suprir as demandas de formação e qualificação dos alunos, é preciso estar em constante transformação pelas próprias mudanças e dinâmicas exigidas no cuidado do outro. Nesse sentido, a capacitação dos professores também é uma questão que enfatizo. Acredito que os professores que têm experiências práticas, para além de seus diplomas, parecem suprir de uma forma mais satisfatória as demandas de qualificação de seus alunos, por fornecerem um modelo profissional mais vívido e consistente para a atuação destes. Quanto à estrutura física, me parece importante também, que possa oferecer locais adequados de aprendizado, laboratórios, serviços articulados à comunidade, ainda que a excelência na formação não se restrinja ao ótimo espaço, no sentido material. Livros, pesquisas, produções acadêmicas são outros aspectos de relevância à qualificação profissional, precisamos nos atualizar e produzir conhecimentos também, pois ainda carecemos de relatos de práticas e fazeres em diversas áreas de atuação.

Psi. Roberta: Os principais desafios se relacionam à leitura, ao autocuidado e ao empreendedorismo. O curso de Psicologia tem uma carga de leitura alta e sempre incentivamos leituras complementares. A leitura fortalece o pensamento e o desenvolvimento do raciocínio, é fundamental para a nossa atuação. Nosso trabalho é essencialmente intelectual e relacional. O outro desafio é o autocuidado. Sempre devemos incentivar o aluno a desenvolver seu autocuidado. Ele precisa se conhecer e estar em equilíbrio para estar preparado para lidar com as demandas que vai receber na atuação profissional. Desenvolver uma visão empreendedora pode agregar à formação também. O empreendedorismo é mais que abrir empresas, é estar aberto às inovações. A Psicologia é uma área com um potencial de crescimento enorme. Formar psicólogos empreendedores pode contribuir ainda mais com o desenvolvimento da Psicologia. Começou-se, por exemplo, a perceber que havia muitos grupos terapêuticos para gestantes, mas pouca atenção à mulher no puerpério [período pós-parto]. A partir da identificação dessa realidade, uma psicóloga e professora universitária começou a desenvolver um projeto de grupos para mulheres no puerpério. Esse é um momento de muitas mudanças e no qual a mulher fica muito vulnerável. Foi uma visão empreendedora que acrescentou à Psicologia. O psicólogo empreendedor, portanto, terá mais espaço no mercado de trabalho.

 

5) Na sua opinião, é possível formar um(a) psicólogo(a) por educação à distância (EAD) ou semipresencial?

Profª. Eve: Os cursos EaD e semi-presenciais são uma realidade no nosso contexto que permite muitos avanços, inclusive acesso de pessoas que não o teriam, sem tal condição. É inquestionável a qualidade de formação que alguns deles oferecem. No entanto, na Psicologia, penso que é necessário estar atento à formação para a prática profissional, para que os acadêmicos possam vivenciar experiências imprescindíveis à adequada qualificação profissional. Assim, garantida essa condição, penso que algumas disciplinas teóricas possam ser oferecidas na modalidade a distância ou semi-presencial, sem prejuízos à formação, desde que o saber-fazer e as práticas possam ser acompanhadas e demonstradas com excelência.

Psi. Roberta: Acima de tudo, o sucesso da formação de um profissional está na dedicação que o aluno tem com a sua formação, nas oportunidades de desenvolvimento que ele busca independente de curso ou área de atuação, e que o papel do professor é ajudar e alimentar esse elo, de forma a orientar e instigar a busca pelo conhecimento, com apoio de um projeto pedagógico estruturado e de todas as ferramentas pedagógicas disponíveis para auxiliá-lo nessa caminhada.

 

6) Quais desafios os profissionais recém-formados encontram ao entrar no mercado de trabalho? O que você poderia sugerir aos próximos formandos para minimizar receios e medos que comumente surgem nessa etapa?

Profª. Eve: Os medos e receios são inerentes ao processo de perda da qualidade de estudante na transição para o papel profissional. Costumo falar das angústias e inseguranças como forças motoras que devem impulsionar os formandos a buscar seu espaço, não imobilizá-los. Minha opinião é que ele se prepare bem desde o início da graduação, busque aprender e se constituir da melhor maneira como profissional, abrindo-se aos conhecimentos de maneira indistinta, sem preceitos ou preconceitos em relação ao que aprender. Por vezes, vemos alunos que se fecham em uma abordagem ou área porque não pretendem atuar  em nenhuma outra além daquela eleita. Entretanto, o mercado de trabalho, nem sempre permite tal escolha! Então, estar aberto a tudo que for possível aprender é um bom começo! Também considero importante gostar do que se faz: quando gostamos de nosso trabalho, desempenhamos nossas tarefas com mais competência, prazer e leveza. E, por fim, costumo dizer aos acadêmicos que é importante "poder assinar embaixo do que faz, porque sabe o que faz!". Isso exige muito estudo, seriedade, ética... se debruçar sobre o que faz e produz.

Psi. Roberta: Um ponto importante que sempre enfatizo é que nossa imagem profissional é construída na faculdade. Nossa primeira rede profissional, via de regra, acontece na faculdade. O aluno que percebe isso e se preocupa com sua formação e com as relações profissionais se destaca. Isso porque ele chegará ao mercado de trabalho como referência para sua rede. A probabilidade de recomendarem-no a algum trabalho aumenta. Outro desafio é a decisão de como se pretende iniciar no mercado de trabalho. Alguns são contratados em empresas nas quais fizeram estágio, o que é um ótimo cenário. Outros vão desejar abrir uma clínica ou uma empresa – e  então voltamos ao empreendedorismo. Se a visão empreendedora não estiver trabalhada no recém-formado que almeja esse caminho, ele terá mais dificuldades. Alguns questionam se estão preparados para o mercado de trabalho. Confesso que fico muito feliz com esse questionamento, pois traduz a responsabilidade que temos com nossa profissão. É muita responsabilidade intervir na vida das pessoas. E para esses que questionam, eu acredito que estão no caminho certo, pois se dedicarão e atuarão de forma responsável e competente. Os demais desafios não se restringem à Psicologia, mas aos recém-formados no geral, sobretudo a busca por empregos em um momento de crise, no qual vivemos. Penso que cada etapa da vida que passamos nos exige reflexão e adaptação. Recomendo atuar naquilo que gostam, sem se desesperar. Se estiver difícil conseguir o primeiro emprego, continuem tentando, se aperfeiçoando e pensando em soluções, seguindo o objetivo que traçaram para si. Trabalhar com o que se gosta contribui para a realização pessoal. Tenham foco e perseverança!



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