Por Felipe de Baére (CRP 01/19621)*
Publicado em 28/06/2019
Celebrado em junho, o mês do Orgulho LGBTI tem como marco simbólico a Revolta de Stonewall, uma rebelião empreendida por dissidências sexuais e de gênero contra a coerção policial que, na noite do dia 28 de junho de 1969, tentara novamente hostilizar pessoas trans, lésbicas, gays e bissexuais durante uma batida no bar Stonewall Inn, em Nova Iorque. A partir desse ato de resistência, houve o impulsionamento do ativismo pelos direitos LGBTI não apenas nos Estados Unidos, como também em outros países ocidentais. No Brasil, os movimentos em prol dos direitos da população LGBTI ganharam força no período de redemocratização do país, após um longo período de repressão militar, que também teve a população sexo-gênero-diversa como alvo de discriminações e demais tipos de violência.
Tendo em vista que a saúde se encontra entre as principais pautas presentes na luta por direitos da militância LGBTI, é preciso apontar o compromisso que a Psicologia Brasileira tem afirmado em benefício da proteção e do acolhimento das demandas no campo da saúde mental das dissidências sexuais e de gênero. Se em algum momento da história as teorias psicológicas já estiveram amplamente à serviço do agenciamento da normatividade, o que se observa na atualidade é um esforço difuso e articulado do Sistema Conselhos para salvaguardar todas as pessoas LGBTI que se encontram em sofrimento psíquico por não serem cisgêneras e/ou heterossexuais. Compreende-se que tal sofrimento não se funda e se perfaz na insatisfação com a própria sexualidade ou identidade de gênero, mas na impossibilidade de viver a afetividade e a existência de forma plena e respeitosa em uma sociedade estruturalmente patriarcal e sexista.
Nesse sentido, o posicionamento da Psicologia Brasileira em prol da saúde mental da população LGBTI também se configura em suas normativas. Neste ano, a Resolução 01/99, que estabelece regras para a atuação de psicólogas e psicólogos em relação à orientação sexual, completa 20 anos de sua vigência. E conquanto essa resolução, que reafirma a despatologização das homossexualidades, seja constantemente alvo de setores conservadores e fundamentalistas da sociedade, o Sistema Conselhos segue empenhado na recusa de quaisquer retrocessos no campo dos direitos humanos. Por isso, em janeiro de 2018, foi publicada a Resolução 01/18, que cria normas para a categoria na relação profissional com pessoas trans, também na perspectiva da despatologização das identidades travestis e transexuais. Desse modo, a Psicologia Brasileira se colocou na defesa da saúde mental da população trans antes mesmo do posicionamento da Organização Mundial de Saúde, que finalmente atestou a despatologização da transgeneridade em 2019.
Os avanços na Psicologia Brasileira em prol da população LGBTI se coadunam com a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à criminalização da LGBTIfobia, que possui desdobramentos importantes para a população sexo-gênero-diversa, sobretudo entre aquelas pessoas que se encontram em espaços sociais mais ameaçadores e marcados pela violência de gênero. Além disso, essa decisão do STF se faz ainda mais urgente diante da proliferação das comunidades terapêuticas, instituições privadas de caráter asilar, que dissimulam o cuidado com pessoas que apresentam transtornos mentais decorrentes do uso de álcool e outras drogas, em busca da obtenção de recursos financeiros e da realização de doutrinação religiosa.
No Relatório de Inspeção das Comunidades Terapêuticas, resultado da parceria do Conselho Federal de Psicologia com o Ministério Publico Federal, foram denunciadas práticas cruéis e desumanas realizadas nesses espaços, incluindo as restrições sofridas pelos internos LGBT, que denunciaram violências e a impossibilidade de expressarem sua afetividade homossexual e/ou expressarem o gênero com o qual se identificam. Trata-se de uma espécie de aniquilação da subjetividade, um procedimento típico de espaços que não possuem qualquer apreço pelos direitos humanos.
Portanto, a defesa da população LGBTI por parte da Psicologia Brasileira precisa seguir dinâmica e fortalecida. Os princípios que embasam o Código de Ética da Psicologia, fundamentos na Declaração dos Direitos Humanos, continuarão a nos servir de bússolas que orientam nossas ações em direção do cuidado com a humanidade, em toda a sua diversidade. Portanto, celebremos o Mês do Orgulho LGBTI, mas não nos esqueçamos de nossa trajetória e dos desafios que ainda precisamos enfrentar. Que a união de nossa categoria seja o alicerce de nossas lutas.
*Felipe de Baére (CRP 01/19621)
Membro da Comissão Especial LGBT do CRP 01/DF
Doutorando em Psicologia Clínica e Cultura - UnB│PPGPsiCC
Mestre em Psicologia Clínica e Cultura - UnB│PPGPsiCC
Psicologia - Bacharelado, Licenciatura e Habilitação Psicólogo - UnB│IP
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0668779871360817
Leia este e outros artigos clicando aqui.