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25 DE JULHO: DIA NACIONAL DE TEREZA DE BENGUELA E DA MULHER NEGRA

25 DE JULHO: DIA NACIONAL DE TEREZA DE BENGUELA E DA MULHER NEGRA


Márcia Maria da Silva é Psicóloga, Servidora Pública e Coordenadora da Articulação Nacional de Psicólogas/os Negras/os e Pesquisadoras/es de Relações Raciais e Subjetividades da Região Centro-Oeste

O dia 25 de julho celebra o Dia da Mulher Afro-Latino-Americana e Caribenha. A data foi criada em 1992, pois, naquele ano, foi realizado o Primeiro Encontro de Mulheres Afro-Latino-americanas e Caribenhas marco internacional de luta e resistência das mulheres negras, em Santo Domingo, na República Dominicana.

No Brasil, a data foi ratificada por meio da Lei nº 12.987, de 2 de junho de 2014, que dispõe sobre o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. Cabe elucidar que Tereza de Benguela nasceu no século XVIII e foi uma líder quilombola que assumiu o comando político, econômico e administrativo da comunidade após o falecimento de José Piolho, seu esposo. Desta forma, Tereza de Benguela tornou-se rainha do Quilombo do Quariterê em Mato Grosso. O referido quilombo abrigava mais de cem pessoas, entre negros e indígenas, e todos a chamavam de “Rainha Tereza”. Sob sua liderança, a coletividade resistiu à escravização por duas décadas.

Destaca-se que o Brasil foi o último país do continente a abolir a escravidão em 1888. Isso ocorreu sem que houvesse nenhuma política de integração da população negra na sociedade de classes que emergia, pelo contrário, foram implementadas políticas voltadas para o incentivo aos imigrantes europeus, buscando o branqueamento da população. Portanto, são 131 anos de uma abolição inconclusa em que as pessoas negras continuam excluídas dos postos de visibilidade e poder.

Segundo o psicólogo Lucas Veiga (2018), o sofrimento psíquico da população negra não é da ordem da intimidade, ele é político. A população negra e em especial as mulheres são afetadas constantemente por decisões políticas e administrativas que regem as relações sociais, raciais, intelectuais e afetivas, culminando para que as mulheres negras tenham os piores indicadores econômicos e sociais.

De acordo com o Instituto Ethos, as mulheres negras recebem 59% menos que os homens brancos para desempenhar a mesma função, assim como, entre os diretores das 500 maiores empresas do Brasil, as mulheres negras correspondem a 0,03%, ou seja, duas diretoras em 548 diretores mapeados.

Nessa mesma perspectiva, a bancada federal eleita para mandatos no período de 2019 a 2022 é composta por 71% de homens brancos, sendo que as mulheres pretas e pardas somam 2,2% (1,6% pardas e 0,6% negras). No entanto, o país simplesmente naturalizou o abismo que separa brancos de não-brancos e apontar dados e fatos viraram “mimimi”. Como um Congresso assim representado poderá pensar em políticas que possam beneficiar mulheres e negros? Como sair dessa caixinha?

Esse é o resultado de um Estado que criou mecanismos eficientes para a manutenção de privilégios e exclusão das “minorias”. E são as mulheres negras as maiores vítimas dessa rejeição. A caixinha é complicada, porque dentro dela não cabe nada além de homens brancos que insistem em afirmar a democracia racial, que se renovam em seus mandatos ano após ano, que ditam as regras e que definem, em última instância, quem deve viver e quem deve morrer.

Não, o racismo no Brasil não é coisa rara, infelizmente não. Ele se manifesta na ausência das mulheres negras nos espaços de liderança; ele se manifesta na ausência das mulheres negras em espaços de poder; ele se manifesta nos atendimentos a mulheres negras grávidas que nunca completam um pré-natal; ele se manifesta na ausência do discurso, quando a mulher negra não tem o poder de fala; ele se manifesta quando o corpo da mulher negra é apontado como indesejável; ele se manifesta nos olhares inquisidores de corpos negros em espaços eleitos como sendo da branquitude; enfim, ele esteve presente no período escravocrata quando os corpos negros eram considerados coisas a serem comercializadas e ele está presente agora nas violências físicas e simbólicas, que marcam indelevelmente os corpos negros.

Como desdobramentos, essas pessoas podem apresentar alterações físicas e psicológicas, entre outras adversidades, que terminam com o sentimento de não pertencimento ao lugar, ao país, ao mundo. Assim, cabe reafirmar que o sofrimento psíquico que perpassa as mulheres negras definitivamente não é da ordem da intimidade.

De acordo com Regina Dalcastagnè, no livro “Literatura Brasileira Contemporânea um território contestado”, dos romances publicados pelas principais editoras brasileiras no período de 15 anos (1990 a 2004), 93,9% dos autores eram brancos. E expõe ainda que as personagens desses romances são brancas, pois em 56,6% não há nenhuma personagem não-branca importante, sendo que as mulheres negras, quando representadas, são como empregadas domésticas ou prostitutas, fato que se repete nas novelas, nos livros didáticos e nos meios de comunicação midiáticos, com pequena melhora nos últimos anos. Nesse contexto, expostas constantemente à beleza de padrão europeu e sendo retratadas em ocupações profissionais muito restritas, as mulheres negras não são vislumbradas como objetos de amor e não são pessoas que falam de um lugar de autoridade. Atualmente, por exemplo, há vários textos que analisam a solidão da mulher negra, porque, sim, são elas as que mais têm experimentado a solidão.

No entanto, as mulheres negras não estão passivas frente ao racismo que impera em toda parte e o movimento de mulheres negras, denominados quilombos modernos, sempre serão lugares de negação da opressão e de luta e resistência. Os desafios são de apropriar-se da sua verdadeira condição e recusar-se ser objeto de menor valor e, assim, vencer a barreira do silêncio em torno das agressões das quais são vítimas.

A Resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP) nº 18, de 19 de dezembro de 2002, estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação ao preconceito e à discriminação racial. Nesse sentido, faz-se necessário analisar conhecimentos sobre os efeitos do racismo nas subjetividades negras. Intelectuais como as psicanalistas Virgínia Leone Bicudo, que redigiu a primeira tese sobre relações raciais no Brasil e Neusa Santos Souza, que escreveu o livro “Tornar-se Negro”, além de tantas outras, precisam ser incluídas nos cursos de psicologia do país.

Segundo Souza (1983), por exemplo, não basta nascer negra, considerando que, numa sociedade racista, a pessoa negra é conduzida a rejeitar a si mesma em função das experiências de discriminação que vivencia. Assim, é preciso tornar-se negra e, muitas vezes, o caminho dessa transformação e tomada de consciência é longo e doloroso. Ela expõe que “saber-se negra é viver a experiência de ter sido massacrada em sua identidade, confundida em suas perspectivas, submetida a exigências, compelida a expectativas alienadas”.

Por fim, a política que vem sendo desenvolvida nos Conselhos de Psicologia tem sido a defesa obstinada dos Direitos Humanos e o racismo nada mais é que uma grave violação a esses Direitos.

Márcia Maria da Silva



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