Por meio de uma parceria entre a Comissão Especial de Raça e Povos Tradicionais e a Comissão Especial de Terapias e Clínica, o Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal (CRP 01/DF) promoveu, no último sábado (06), debate ao vivo para discutir possibilidades de contribuição da Psicologia no enfrentamento às crises agravadas pela pandemia de Covid-19 no Brasil.
Pela manhã, o tema “Neoliberalismo e gestão da barbárie brasileira” dominou os canais de comunicação do CRP 01/DF, com a participação do professor da UFSJ, Roberto Calazans; da psicanalista Christiane Matozinho; da psicóloga membra da Comissão de Raça e Povos Tradicionais do CRP 01/DF, Joyce Avelar; do coordenador da Comissão de Terapias e Clínica do CRP 01/DF, Juliano Lagoas; e da conselheira presidenta do CRP 01/DF, Thessa Guimarães.
Lembrando as mais recentes mortes da juventude negra no País, Thessa Guimarães iniciou o debate com o questionamento de qual é o papel da Psicologia no atual cenário: “Já se tornou lugar-comum pensarmos que estamos diante de uma crise sanitária, humanitária e econômica sem precedentes. Parece que, além da pandemia do coronavírus, que já levou mais de 35 mil brasileiras e brasileiros, muitos dos quais foram enterrados em valas comuns, em cemitérios improvisados no Brasil, a cada semana vemos também diminuir a idade das crianças mortas pelo racismo brasileiro”, lamentou.
Referindo-se ao texto “Pandemia, paranóia e política” (disponível em: https://n-1edicoes.org/054), que serviu de base ao debate, o autor e professor Roberto Calazans convidou profissionais de Psicologia a pensarem sobre a “normalização do mundo pós-pandemia”: “É complicado falarmos de um ‘novo normal’ quando não paramos para analisar o velho normal ou mesmo se ele está acabando ou se expandindo. Longe de estarmos vencendo o neoliberalismo, ele encontra na pandemia uma janela de oportunidade para intensificar a exploração”, observou.
A psicanalista Christiane Matozinho e co-autora do texto seguiu a provocação de Calazans, discorrendo sobre como a lógica neoliberal tem intensificado a violência sobre as populações mais vulneráveis: “Se o Estado se retrai nas suas funções de bem-estar, ao mesmo tempo ele tem que expandir seu poder penal, que de alguma forma faz guardar a sociedade dos bens privados”, destacou.
A psicóloga e membra da Comissão Especial de Raça e Povos Tradicionais, Joyce Avelar, abordou questões levantadas em seu estudo intitulado “Entre a melancolia e o banzo: impactos psicossociais do racismo” (disponível em https://bit.ly/2XC7qyn), observando reflexos da lógica neoliberal na saúde mental da população brasileira: “É a população negra e a população periférica que são mais vulnerabilizadas, nossos corpos são vistos como descartáveis. A [Judith] Butler vai dizer que nem toda vida é considerada vida, que algumas vidas não são consideradas passíveis de luto, e é isso que a gente vê com a população negra e periférica. Nem sempre nossos corpos são enlutados, a gente precisa ficar gritando o tempo inteiro e como isso leva a um desgaste, um genocídio que não cessa, um genocídio que tem início no período da escravidão e que não acabou completamente e concretamente para a comunidade negra, nos deixando sempre nesse estado de esgotamento emocional”, pontuou.
O conselheiro e coordenador da Comissão Especial de Terapias e Clínica, Juliano Lagoas, fez a mediação dos questionamentos do público aos convidados, salientando as contribuições da psicanálise na compreensão do cenário brasileiro: “Um aspecto que atravessa a fala dos participantes é algo de ‘não novo’ nessa situação, ao mesmo tempo em que há essa insistência no significante do novo, como pontuou o Roberto, essa insistência em adjetivar o vírus como novo, adjetivar a normalidade como nova. Nesse sentido, lembrando as lições que aprendemos com Freud, vemos que aquilo que a gente não elabora, costumamos repetir”, provocou, abrindo o espaço para perguntas.
No fim da tarde, o convite foi ao professor da PUC-SP Pedro Ambra, acompanhado pelos conselheiros Juliano Lagoas e Thessa Guimarães, a dialogar sobre “O corpo no Brasil: real, simbólico e imaginário”, ocasião em que o professor fez uma análise de cenário, destacando as peculiaridades da macropolítica brasileira, com reflexos sobre os corpos de parte significativa da população: “Estamos falando de uma pandemia, situação em que estamos confinados, e na qual temos um grau de globalização, de suspensão das diferenças para circulação de mercadorias; estamos inseridos em um contexto que eu chamaria até de necroneoliberal”, pontuou, e salientou: “Essas mortes não são o efeito de um governo inepto. Elas são um projeto”, concluiu.
Você confere os vídeos completos dos debates no canal do CRP 01/DF no YouTube: www.youtube.com/user/CRP01DF. Inscreva-se e ative o sino para receber as notificações!