*Fotos de Vinícius Borba
O Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal (CRP 01/DF), em parceria com o Café Objeto Encontrado, realizou na última sexta-feira (8) um debate presencial com transmissão ao vivo pelas redes sociais da autarquia sobre teoria queer e clínica, baseado no livro “Psicanálise Antropofágica”, da ensaísta, psicanalista e professora universitária, Tania Rivera.
Tania iniciou a discussão destacando a importância do desenvolvimento de novos estudos e reflexões sobre o tema: “A questão de gênero e sexualidade hoje é central, fundamental para a nossa clínica de todo dia, e também para a nossa vida política, como cidadãos. No livro, tento abordar de forma mais frontal a necessidade de pensarmos, a partir da psicanálise, lógicas não fálicas”, expõe a autora. “É um primeiro momento de um pensamento que vem se dando desde então, tenho outros textos mais recentes, pois acredito que é uma tarefa de nós, clínicos, clínicas e clíniques [refletir sobre o tema], especialmente porque a questão de gênero envolve também muita violência”, observa.
Na ocasião, a psicanalista compartilhou o caminho de construção do livro e das ideias que foram se mobilizando a partir dele, fazendo uma provocação: “Eu queria propor que a gente fizesse, com a psicanálise, uma reflexão erótica sobre gênero e sexualidade que não deixasse de considerar esse lugar do prazer, do gozo e da possibilidade também de abjeção, desprazer a ser negociado entre nós, e não simplesmente esvaziado por teorias”, sugere. “Eu acho que a psicanálise implica uma certa performatividade, assim como as questões de gênero, na medida em que ela chama atenção para o fato de que ninguém escreve, pensa ou atua na clínica de forma neutra, desencarnada, mas sempre com o seu corpo e a sua posição no mundo. A sua posição de gozo, inclusive. Eu acho que é muito importante a gente poder perceber isso não só para tentar dar palavras ao gozo e não deixá-lo se transformar em violência direta, como as redes sociais costumam convidar a que se faça, mas também para que possa, talvez, numa visada decolonial ou descolonial, como costumo chamar, perceber que os nossos mestres encarnam certo ponto de vista. E Freud era sim um homem branco, de meia idade, judeu, europeu, num dado momento na sociedade vitoriana, e isso não significa, na minha opinião, que ele não possa falar de outras posições, mas lhe dá um ponto de vista desde o qual ele pode pensar a sua própria posição e a de outros”, argumenta.
O debate contou com a mediação do conselheiro e coordenador da Comissão Especial de Terapias, Clínica e Psicologia no Contexto Jurídico, Juliano Lagoas, além das participações do psicólogo clínico e integrante da Comissão Especial LGBTQIA+, Ernesto Nunes, e da professora de Psicologia e coordenadora do grupo “Psicanálise, Filosofia e Interseccionalidades”, Lívia Campos que, na oportunidade, compartilhou uma resenha do livro Psicanálise Antropofágica” com as/os presentes: “Esse livro produz efeitos performativos, na medida em que as ideias aqui colocadas instauram uma nova realidade discursiva no debate psicanalítico brasileiro”, pontuou a professora Lívia Campos, ao oferecer um resgate sobre o termo utilizado pela autora e cunhado pela filósofa Judith Butler.
Em discurso emocionante de um anarcodissidente, como se identifica, e que orgulharia o poeta Manoel de Barros, pela capacidade de “administrar o inútil”, o psicólogo Ernesto Nunes falou de seu lugar enquanto homem trans ao ler a obra da professora Tania Rivera: “A coletânea de ensaios absolutamente atuais e politicamente muito bem situados de Tania traz as provocações e, eventualmente, incômodos que percorrem meu corpo. Vão compor um pouco dessa reflexão aqui rabiscada com o intuito de inutilidade”, observou o psicólogo. “Enquanto lia, eu fazia anotações e escrevi assim: ainda que a psicanálise questione e desloque as definições rígidas e genitalizantes de gênero, do que é ser homem e do que é ser mulher, é sobre esta mesma base que ela constitui sua teoria e sua prática. Escrevi sobre o ensaio ‘Subversões feministas sobre a lógica fálica’. Agoniado, irritado, lia com meu corpo que registra nos meus ovários, no pulmão, no peito sem mama, no canal vaginal de um homem sem falo, sem dildo e sem prótese, por escolha política. Lia com esse corpo que há 22 anos pariu um filho e até hoje não sabe se é pai ou se é mãe, apesar da profunda e cotidiana relação com ele, tanto com o filho quanto com o corpo. Parei. Disforia. Fechei o livro. Fechei por alguns segundos e abracei o da J. e da Abigail Campos Leal, das epistemiologias travestis. Abri no sumário: pulsão de morte é meu cu! Eu ri. Acalmei meu corpo, seus órgãos, sem órgãos, retomei meu livro da Tania: acho que ela é uma artista porque faz os escritos, ao menos neste corpo sem descanso consciente, ora ficar confuso, ora encontrar aconchego, bem coisa que a arte faz na gente”, analisa Nunes.
O debate se seguiu com intervenções do público e perguntas à autora. Você pode assistir ao evento na íntegra no canal do CRP 01/DF no YouTube: