Bem-Vinda(o)!

O CRP 01/DF está de cara nova!

Mas se você quiser ainda é possível acessar o site antigo no menu acima


PSICOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: ENTREVISTA COM O PSICÓLOGO VINICIUS DIAS CUNHA

PSICOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: ENTREVISTA COM O PSICÓLOGO VINICIUS DIAS CUNHA


Leia aqui

No último dia 21 de março, celebramos o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial e, no Brasil, o recentemente instituído Dia Nacional das Tradições das Raízes Africanas e Nações do Candomblé. A data busca, entre outros objetivos, conscientizar sobre os temas racismo e racismo religioso, questões estruturais e muitas vezes invisibilizadas no Brasil.

Para refletir sobre o tema, convidamos para uma breve entrevista o psicólogo Vinicius Dias Cunha (CRP 01/15816), especialista em políticas públicas em Gênero e Raça e mestrando do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional da UnB.

1) Como psicólogo, como avalia a importância do debate sobre relações étnico-raciais no âmbito profissional e, sobretudo, no exercício da Psicologia?

A Psicologia como uma ciência que se propõe a tratar das questões subjetivas tem um papel enorme nas relações raciais, pois são condições que foram sendo escamoteadas na história brasileira. Apesar de todo esforço do movimento negro e de tantas frentes de luta para chamar a atenção sobre esses fenômenos, ainda estamos disputando narrativas. Então se há disputa, ainda não conseguimos a vitória. A Psicologia pode - e deve - se atentar para os escamoteamentos da forma racista que a sociedade brasileira desenvolve, que se dá principalmente pela negação. Ou seja, somos um país racista sem racistas. E aí entram as ciências que se debruçam para além da fala, para além do óbvio, e neste campo a Psicologia tem um arcabouço privilegiado pra demonstrar que esta recusa da admissão do racismo é traumática e sintomática ao mesmo tempo. Comemorações como o dia 21 de março são importantíssimas, pois jogam luzes nisso que insiste em se ocultar.

2) Seus estudos e atuação profissional são permeados pelas perspectivas de gênero e raça, mais recentemente voltados às questões relativas à saúde de homens negros. Poderia compartilhar um pouco dessas experiências?

Sim. O desejo de estudar homens negros surgiu a partir de minha análise pessoal, do trabalho com populações vulnerabilizadas de Brasília e entorno, e também do gosto musical pelo rap e pelo samba. Em todos esses lugares, eu me perguntava o que tinha de produção sobre homens negros, e o que a Psicologia tinha a dizer. Para simplificar, eu precisava de um objeto pra pensar todas essas dúvidas. Enquanto psicólogo, achei pertinente pensar a intersecção homens negros e saúde, e estou terminando uma pesquisa que analisa a “Roda de Conversa de Homens Negros de Brasília”, que é um espaço tocado por diversos homens negros há 5 anos. 

Diante de todas as dúvidas, o rap era o que me dava mais respostas. Por meio de letras de grupos como Racionais Mc's, DMN e GOG, fui formando um quebra cabeça que falava de minha história, da história de meu pai, meus tios, vizinhos, e comecei a perceber que a relação do Estado brasileiro com esses caras é um desastre da nossa construção social, pois este é o recorte populacional que mais se mata, morre de violência, pedrada, facada, sozinho em instituições de repouso, e quando acessa o SUS é pela via da alta complexidade, onerando o sistema, inclusive.

Desde então, me dedico a chamar atenção para esta estrutura de poder que inviabiliza a vida de muitos homens negros. O olhar pra essa situação pela via da saúde pode ser uma saída institucional. Ao mesmo tempo, não me furto de chamar atenção para arranjos que possibilitaram a manifestação de vida desses homens, pois desde que o primeiro navio negreiro aportou por aqui teve resistência e mandinga. Eu falo dos campeonatos de futebol de várzea, dos bailes black, do candomblé e umbanda, da imensa produção de pagode romântico e diversas manifestações de arte onde os homens negros de alguma forma driblaram a zombaria, a mendicância, o descarte e a morte.

3) Que desafios você elencaria atualmente sobre o direito à saúde no Brasil, considerando o disposto nas políticas nacionais de atenção à saúde do homem e de saúde da população negra?

Diminuir a mortalidade masculina negra é urgente, assim como estancar o aprisionamento desses homens. Sem isso fica difícil discutir avanços na economia, educação, segurança pública, pois não faz sentido discutir essas bases da cidadania em um país que mata brutalmente quase 40 mil pessoas por ano. Essa conta não bate!

Em relação a Política Nacional de Atenção Integral a Saúde do Homem - PNAISH, ela seria o principal instrumento para pensar na saúde dos homens negros, porém seus apontamentos em relação a esse recorte racial são tímidos e acabam transferido para a sensibilidade do município ou do estado. As organizações da sociedade civil estão a frente do estado nesse sentido, e promovem relatórios, rodas de conversa e acolhimento aos homens. Temos a obrigatoriedade de participação de grupos reflexivos para homens enquadrados na Lei Maria da Penha, que vem diminuindo significativamente a reincidência desses homens em relação à violência contra a mulher, mas precisamos de mais ações preventivas.

Em relação a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra – PNSIPN, que deve ressuscitar agora no Governo Lula, precisamos evidenciá-la mais e mais, pois ela é uma grande conquista dos movimentos negros do Brasil. Apesar dessa política fazer apontamentos ao gênero, em especial as mulheres negras e as mazelas que insistem em acometê-las; não foi uma politica pensada a partir do gênero, e sim no combate ao racismo institucional na saúde.

Ainda sim, penso que uma forma de fazer política transversal tem condições de analisar sob esses dois instrumentos estatais (a política de saúde dos homens e da população negra), juntamente com a segurança pública, as situações complexas que acometem os homens negros e sua saúde.

4) Quais as perspectivas sobre o direito à saúde no Brasil, considerando a recente mudança no comando do Ministério da Saúde, as experiências até aqui e as intenções já anunciadas pelo atual governo?

A perspectiva sobre o direito à saúde no Brasil com a chegada do Presidente Lula e da Ministra Nisia Trindade deve ser a que está na constituição: um direito de todos e dever do Estado. A meu ver, é uma gestão que deverá reestabelecer políticas públicas de saúde que foram sucateadas, junto com o deboche em relação ao que é científico. Não é um trabalho fácil diante da complexidade que é o Brasil, mas a ministra escolhida é uma pessoa que já provou sua capacidade para isso. É a primeira mulher nesse cargo, não podemos deixar de evidenciar isso. Foi também a primeira mulher a frente da Fiocruz. Estamos falando de alguém com experiência e capacitação. A postura dela em uma entrevista à revista Radis me deixou esperançoso, pois mostrou sensibilidade em relação á população negra e indígena, falando de ações transversais com outros ministérios. Estou esperançoso!

5) Nesta data e ao longo dos demais dias do ano, que ações e reflexões considera importantes para serem compartilhadas entre a categoria, entidades formadoras e conselho profissional?

O Brasil que conhecemos é uma criação com base na desumanização de pessoas negras. Esse modelo permanece atual, com reformulações perspicazes. Precisamos pensar nisso todos os dias, pois este modo operativo continua a matar e desumanizar os negros, todos os dias. Não iremos avançar em nenhum campo se a raça não for uma prioridade nacional. Por isso a gente precisa de ações que mobilizem a atenção da sociedade durante todo o ano, e não só no dia 21 de março ou 20 de novembro. 

Uma outra coisa que penso ser importante para a reflexão de profissionais da Psicologia é que raça é uma construção humana, e portanto o ser branco também é racializado. Pensar sobre as configurações da branquitude faz parte da luta antirracista. Se o branco se pensa apenas como ser humano, temos o indicativo de um sintoma social que não permite perceber as discrepâncias de nosso país. A miséria tem cor. A população em situação de rua tem cor. Os presos do Brasil têm cor. Olhar para essa cor é importante, pois indica uma repetição agonizante. Se perceber detentor de privilégios e se envolver nessa luta é um grande passo pra quebra dessas configurações que têm estrutura colonial. É uma constatação óbvia, mas que é preciso dizer: a Psicologia ainda é muito elitista e branca. Ouvir as ruas, as gírias, o "português errado" do povo faz parte de um fazer político, e nós somos os/as principais profissionais desta escuta.

#DescreviParaVocê: além da chamada com retranca, título e subtítulo para a entrevista, o card colorido apresenta uma foto do psicólogo Vinicius Dias Cunha. Na parte inferior, aparecem ícones de curtir, comentar, salvar e compartilhar, além da marca gráfica do CRP 01/DF.



<< Ver Anterior Ver Próximo >>