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NOVEMBRO NEGRO: CRP 01/DF ENTREVISTA A PSICÓLOGA E ATIVISTA NEGRA ANA LUÍSA COELHO MOREIRA

NOVEMBRO NEGRO: CRP 01/DF ENTREVISTA A PSICÓLOGA E ATIVISTA NEGRA ANA LUÍSA COELHO MOREIRA


| NOVEMBRO NEGRO |

 

CRP 01/DF entrevista a psicóloga e ativista negra Ana Luísa Coelho Moreira

 

Desigualdade, racismo e desafios raciais contemporâneos são alguns destaques na entrevista com a doutora em Psicologia Clínica e Cultura

 

Para evidenciar a resistência do povo negro e avançar nos diálogos sobre o papel da Psicologia na luta por uma sociedade livre de racismo e toda forma de opressão, o Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal conversou com a psicóloga Ana Luísa Coelho Moreira.

 

Além de doutora pela Universidade de Brasília, Ana Luísa é mestra em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional pelo Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da UnB, especialista em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça, também pela UnB, além de diversos outros títulos direta e indiretamente ligados à Psicologia, cuja graduação concluiu na PUC Minas. A pesquisadora é servidora pública em Políticas Sociais do Ministério dos Direitos Humanos e atua como membra da Articulação Nacional de Psicólogas(os) Negras(os) e Pesquisadoras(es) do núcleo do Distrito Federal (Anpsinep/DF). Ana recebeu Menção Honrosa no Prêmio CAPES de Tese – Edição 2023, da área de PSICOLOGIA, pela tese “O LADO DE DENTRO DA RUA: O CORPO MORADA NAS NARRATIVAS DE MULHERES NEGRAS EM SITUAÇÃO DE RUA”, sobre a qual ela comenta no diálogo com o Conselho. 

 

Confira a entrevista, curta, compartilhe e comente, para continuarmos o debate nas redes sociais:

 

CRP 01/DF: Bem, para iniciar, o que você chama de "corpo-morada" nas narrativas de mulheres negras em situação de rua? Como se dá o processo de protagonização de suas próprias histórias por meio desse corpo e de suas subjetividades?

 

ANA: O conceito corpo-morada nasce da minha experiência como psicóloga e pesquisadora diante da escuta de mulheres negras em situação de rua que, por muitos momentos, se viam muito solitárias, onde o único lugar possível de moradia era senão o próprio corpo delas mesmas. A partir do mapa corporal, metodologia que utilizei no doutorado, as mulheres com quem conversei puderam entrar em contato com dimensões subjetivas e as memórias que percorrem a história de vida delas, de modo a ressignificar lugares de dor, angústia e outros sentimentos. Assim, foi possível perceber o percurso de cada uma, à sua maneira e em seu tempo, entrar em contato com dimensões muito profundas da vida, por meio do corpo desenhado em tamanho real e preenchido com gravuras, desenhos, músicas, pinturas e palavras. O mapa corporal se mostra como uma metodologia acessível para trabalhar com populações vulnerabilizadas – aqui, especificamente, com as mulheres em situação de rua −, por instigar a reflexão crítica acerca dos processos subjetivos de ser mulher e de vivenciar as ruas. Além disso, não é necessário nenhum conhecimento prévio, e sim a disponibilidade interna de construção conjunta, uma vez que o conhecimento é a bagagem que o sujeito traz consigo como narrativa de si. 



CRP 01/DF: De que forma foi desenvolvida sua pesquisa? Por que foi preciso formar vínculo com as mulheres negras em situação de rua, além de um espaço com privacidade?

ANA: A minha pesquisa foi desenvolvida no Distrito Federal em áreas com maior concentração da população em situação de rua. Espaços como rodoviárias, centros comerciais, praças, parques e equipamentos públicos de saúde e de assistência social que priorizam o atendimento a essas pessoas foram os principais locais que frequentei sistematicamente, de modo a estabelecer contatos e formar vínculos com as mulheres negras que ali se encontravam. Dentre diversas atenções e cuidados com o desenvolvimento da pesquisa, compreendi que a minha presença em campo deveria similarmente ser considerada como um corpo negro feminino que também tem uma história, e não ser entendida como uma pessoa "neutra". Para tanto, compreendi que a aproximação foi ocorrendo paulatinamente e a interação com os espaços se deu de forma respeitosa, para que os vínculos pudessem ser estabelecidos aos poucos. Apenas após algumas relações de trocas e de confiança se iniciarem é que, posteriormente, as mulheres foram convidadas a participarem dos encontros do mapa corporal, de forma individual.



CRP 01/DF: Como as intersecções de raça, gênero, classe, sexualidade e outras se relacionam e afetam a vida de mulheres em situação de rua? Quais marcadores sociais devem ser levados em consideração e por quê?

 

ANA: Acredito que considerar os marcadores interseccionais para exercer uma escuta cuidadosa com essas mulheres é algo extremamente importante, uma vez que cada elemento permite adentrar na história de cada uma delas e contribuir para ressignificar os caminhos. Embora a sociedade ainda insista em invisibilizar as mulheres em situação de rua, por meio de comportamentos calcados no patriarcado, racismo e outras violências, considero primordial  compreender as interfaces dessas interseccionalidades, inclusive para desconstruir a ideia de mulher como uma categoria universalizante. A saudosa Luiza Bairros defende a necessidade de se olhar para as opressões vivenciadas pelas mulheres negras como um mosaico concebido em sua multidimensionalidade, isto é, ela faz uma contraposição a uma identidade única atribuída ao conceito de mulher na nossa sociedade. 



CRP 01/DF: Quais efeitos psíquicos, emocionais e de outras ordens a vivência do racismo pode provocar em mulheres em situação de rua?

 

ANA: Essa pergunta é bastante complexa, pois refletir sobre os efeitos psíquicos e emocionais que possam advir de sujeitos marcados pelo racismo não está na ordem da delimitação. Entretanto, ao longo da minha pesquisa, ao escutar as narrativas presentes por meio do mapa corporal, pude perceber como as vivências estão imbricadas em um somatório de violações, que nem sempre são perceptíveis de forma imediata. Por outro lado, algo que se revelou muito interessante, foi o fato de que, na medida em que elas entravam em contato com dores, sofrimentos e memórias da experiência nas ruas, lembranças vinham à tona em forma de manifestação de emoções e, então, possibilidades de nomear o não dito emergiam. Tudo isso, aos poucos, foi se tecendo em fios do emaranhado de cada uma delas o que podemos chamar de histórias de vida.



CRP 01/DF: De que forma o feminismo negro e as discussões antirracistas podem contribuir com o propósito de uma Psicologia mais socialmente preocupada com a população em situação de rua, em especial, mulheres pretas? 

 

ANA: A Psicologia precisa estar aberta para dialogar com diferentes olhares que complementam a práxis psi. Entendo que trazer a história das mulheres negras como foco, bem como o enfrentamento contra o racismo e o patriarcado, torna-se uma maneira de evidenciar a mulher negra como produtora da sua própria história, de modo a compreender as múltiplas opressões vivenciadas e reconquistar a voz coletiva das mulheres negras, como um ato político. Os sucessivos anos do período colonial e escravocrata geraram severas consequências para a população negra, de modo geral. Para as mulheres negras, uma série de especificidades que se intercruzam nas dimensões de gênero, raça, classe, sexualidade, entre outras, denotam a necessidade de autorrecuperação diante da resistência e da ressignificação do ser mulher e negra na nossa sociedade.



CRP 01/DF: Na sua opinião, qual é o papel da Psicologia nessa discussão?

 

ANA: A Psicologia, com o seu compromisso social e político, necessita urgentemente se debruçar nos artifícios perversos do racismo que incidem diretamente sobre o corpo negro, com vistas a produzir pensamentos, escutas e intervenções endereçadas às mulheres negras em suas inúmeras complexidades. Acredito que a Psicologia possa contribuir para desconstruir aquilo que muitas vezes já está posto como algo determinado, visto que pode convocar o sujeito a pensar sobre si e suas relações no campo social e subjetivo. Por isso, na minha pesquisa de doutorado em Psicologia Clínica, busquei provocar esse lugar crítico de reflexão acerca do nosso fazer psi. Mergulhei na metodologia do mapa corporal, criado na África do Sul no final dos anos 1990, e procurei aprofundar, considerando os aspectos interseccionais para pensar a subjetividade das mulheres negras em situação de rua. As diferentes possibilidades que o mapa corporal produz − por ser uma metodologia criativa e participativa − provocam a maneira de se fazer pesquisa na Psicologia Clínica, ao permitirem aprofundamento e autonomia das participantes em relação às próprias narrativas de vida, ressignificando vivências, edificando memórias e situando o corpo em meio aos atravessamentos sociais e políticos que percorrem cada uma delas.







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