Comprometido com a efetivação da Lei da Reforma Psiquiátrica brasileira, o Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal (CRP 01/DF) esteve presente na última quarta-feira (28/8) no lançamento do Relatório de Inspeções do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) no Distrito Federal e Entorno.
O documento foi apresentado ao público em solenidade realizada no Auditório Freitas Nobre da Câmara dos Deputados, com o apoio da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Reforma Psiquiátrica e Luta Antimanicomial, representada na ocasião pelo deputado Federal Henrique Vieira (PSOL-RJ).
A membra do MNPCT, Carolina Lemos, apresentou um resumo das inspeções realizadas nos dias 5 e 6 de março de 2024 no Hospital Psiquiátrico São Vicente de Paulo (HSVP), localizado em Taguatinga/DF, destacando o longo período de internação das pessoas no local, sem estrutura adequada para moradia, sem preservação de privacidade e com estrutura física que impede a interação comunitária, conforme preconiza a Lei da Reforma Psiquiátrica. Segundo o relatório, foram identificadas 12 pessoas internadas há mais de um ano no Hospital.
Carolina destacou ainda que foram registradas, durante as inspeções, contenções mecânicas como prática disciplinar para as pessoas internadas no HSVP, além da recorrente ausência de informações devidas aos pacientes sobre medicamentos colocados em uso.
Outro ponto que chama atenção no relatório é o viés de idade, raça e classe dos pacientes do HSVP, tendo sido identificado que cerca de 75% das pessoas internadas no período das inspeções eram negras e a maioria tinha até 40 anos de idade, baixo nível de escolaridade formal e histórico de institucionalização em outros locais de privação de liberdade, como unidades de internação socioeducativa, clínicas e comunidades terapêuticas.
Carolina Lemos ressaltou que, enquanto o dinheiro público tem sido destinado a equipamentos asilares, a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) no DF sofre com inúmeras carências, destacando que atualmente só existe um Serviço de Residência Terapêutica na região, inaugurado este ano e voltado apenas para o público feminino. Em sua avaliação, o fechamento do HSVP é uma urgência para mudança do quadro: "A primeira coisa a ser dita é que nós não podemos esperar o fechamento do hospital psiquiátrico para fortalecer a rede. É o fechamento do hospital que vai levar à ampliação da rede", pontuou.
Também integrante do MNPCT, Viviane Martins apresentou os registros feitos pelas inspeções realizadas no mesmo período na Comunidade Terapêutica Salve a Si - Instituto Eu Sou, situada na Cidade Ocidental/GO, pontuando sobre a dificuldade de acesso ao local, ausência de Projeto Terapêutico Singular de base científica, alta taxa de evasão do espaço, condições análogas ao trabalho escravo, controle indevido de benefícios sociais das pessoas internadas pela comunidade terapêutica e perfil de vulnerabilidade semelhante ao encontrado no HSVP, com destaque à ausência de informações sobre o perfil racial: "Nós encontramos um espaço de completo abandono. São estruturas insalubres, que não preservam a segurança e a higiene das pessoas que deveriam estar recebendo tratamento ali", observou. "Chama atenção ainda que essa comunidade recebeu um volumoso financiamento do Estado, que poderia ter ido para equipamentos adequados. É muito preocupante que o Estado esteja financiando espaços onde são observadas essas violações de direitos", completou.
Ativista antimanicomial, Samantha Larroyed compartilhou com os presentes a sua vivência em situações de internação asilar: "O meu fator adoecedor foi o fundamentalismo. Passei por internações, fiquei sem comida, sem dormir, sem tomar banho. Tudo muito traumático. E acho importante que outras pessoas tenham voz para mostrar que esse tipo de violência existe e é sofrida por pessoas", expôs.
A conselheira presidenta do CRP 01/DF, Thessa Guimarães, que atuou como especialista convidada para produção do relatório, apresentou suas observações com a leitura de um cordel, no qual destacou algumas das preocupantes situações identificadas e teceu recomendações em relação à atuação da comunidade terapêutica e do hospital. Em relação à comunidade terapêutica, ressaltou:
“Por isso se recomenda
Ao Ministério do Desenvolvimento Social
Que permita fiscalização
De quem recebe fundo Federal
Que o Ministério da Saúde
Reveja a portaria inglória
Que inscreve CTs
No rol de residências transitórias
Que ANVISA aprimore normativas
Para dirimir audácias tremendas
E vede uso da mão de obra escrava
Na manutenção dessas fazendas
Que sejam investigadas
Irregularidade trabalhistas
E violações de direito à saúde
Das pessoas ‘acolhidas’
Que o Conselho Distrital de Drogas
Observe o princípio da impessoalidade
E vede a participação em seus quadros
De representantes de comunidades
E que vede que seus representantes
Em explícito conflito de interesses
Concorram ao Fundo Antidrogas
Já que lhes cabe a fiscalização deste”
Sobre o HSVP, a psicóloga destacou:
“Por isso se recomenda
Para além dessas paredes
Capacitação e gratificação
Para todos profissionais da rede
Concurso para especialistas
Do Serviço Social, de Psicologia
De Terapia Ocupacional
e de Fisioterapia
Expansão da cobertura
Da Rede de Atenção Psicossocial
Que no DF é menor do Brasil
(Real e oficial!)
Expansão e implementação
Do Programa De Volta Pra Casa
Sem prioridade pra Saúde Mental
A Secretaria de Saúde nos atrasa!
Ampliação do número de leitos
Em hospitais gerais
E construção dos CAPS do PAC
Além de serviços residenciais
Recomendamos, exigimos
Fechar a porta de entrada
Do Hospital São Vicente de Paulo
E isso é antes de mais nada!”
A conselheira presidenta encerrou sua fala fazendo uma convite para a luta: "Nem um passo atrás. Manicômio nunca mais!", concluiu, sendo repetida pelo público presente.
Representante da (ABRASME), Ana Paula Guljor participou do lançamento de forma on-line, destacando as inúmeras normativas e tratados nacionais e internacionais que vem sendo desconsiderados nas práticas identificadas nas inspeções realizadas na região: "A realidade do DF é gritante e algo precisa acontecer. Nós não podemos mais ficar gritando ao vento sem que as autoridades competentes atuem no sentido da garantia de direitos", salientou, destacando que o financiamento público deve ser pautado pelo embasamento científico, fiscalização do Estado e atenção às diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), especialmente no que se refere à participação social.
Representante do Grupo de Saúde Mental e Militância no Distrito Federal, Pedro Costa chamou atenção para altos valores que têm sido empregados pelo poder público em comunidades terapêuticas, assim como os interesses que competem para definir a destinação do orçamento público no Distrito Federal e Entorno. O pesquisador reconheceu o compromisso do CRP 01/DF nas inúmeras lutas necessárias, em sua opinião, para reverter o quadro: "O CRP 01/DF tem sido vanguarda na luta antimanicomial e na luta anticapitalista que estão profundamente ligadas a todos esses enfrentamentos que precisamos fazer diante do que foi apresentado e do que o relatório recomenda", observou.
Na ocasião, a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Reforma Psiquiátrica e Luta Antimanicomial se comprometeu a apoiar encaminhamentos necessários para ampliar a visibilidade do relatório junto à sociedade e ao poder público, com incidência por meio de solicitação de agenda com diversos ministérios, dentre eles Casa Civil, Direitos Humanos, Saúde e Desenvolvimento Social.
Acesse o relatório completo em:
https://mnpctbrasil.wordpress.com/2024/08/26/mnpct-publica-relatorio-de-inspecoes-no-df-e-entorno/
Assista à gravação do lançamento em:
https://www.youtube.com/live/bh1QyIPDLB8?si=1egCt35xkaLCvOd1
#DescreviParaVocê: carrossel composto por cinco imagens com registros fotográficos do evento. Aparece uma chamada para leitura da matéria e a marca gráfica do CRP 01/DF.