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SÉRIE PREVENÇÃO DO SUICÍDIO: DIFERENÇAS NO COMPORTAMENTO SUICIDA DE MULHERES E HOMENS - A IMPORTÂNCIA DE REFLETIRMOS E DIALOGARMOS SOBRE O SUICÍDIO A PARTIR DOS MARCADORES SOCIAIS

SÉRIE PREVENÇÃO DO SUICÍDIO: DIFERENÇAS NO COMPORTAMENTO SUICIDA DE MULHERES E HOMENS - A IMPORTÂNCIA DE REFLETIRMOS E DIALOGARMOS SOBRE O SUICÍDIO A PARTIR DOS MARCADORES SOCIAIS


Confira o artigo do psicólogo Felipe de Baére

Em alusão ao Dia Mundial da Prevenção do Suicídio, celebrado em 10 de setembro, o Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal (CRP 01/DF) convidou autores do guia “Orientações para a atuação profissional frente a situações de suicídio e automutilação", publicado pelo Conselho em 2020 (disponível aqui), para compartilharem reflexões sobre o tema a partir de seus locais de atuação profissional, vivências e linhas de pesquisa atuais.

Abrimos esta série com o artigo do psicólogo clínico e psicanalista, Felipe de Baére (CRP 01/19621). Conselheiro regional de Psicologia do 17º Plenário do CRP 01/DF e doutor em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília (UnB), Baére analisa diferenças no comportamento suicida de mulheres e homens, propondo um diálogo sobre o suicídio a partir dos marcadores sociais.

Confira:

Nas últimas décadas, pesquisas epidemiológicas têm evidenciado uma diferença na manifestação do comportamento suicida de homens e mulheres. Enquanto o número de óbitos por suicídio é maior entre os homens, a frequência de tentativas de autoextermínio é superior entre as mulheres. Esse fenômeno, que ocorre na maioria dos países do mundo, incluindo o Brasil, foi denominado “paradoxo de gênero no comportamento suicida” e apresenta diferentes hipóteses que buscam explicá-lo, como a “Teoria da Letalidade”*.

Conforme assinala a Teoria da Letalidade, o número maior de mortes entre os homens seria devido ao fato de eles empregarem métodos com maior potencial letal em suas tentativas. Leituras de gênero nos auxiliam a compreender essa hipótese. Considerando a construção das masculinidades em nossa cultura, os homens, desde cedo, são ensinados a nunca falharem ou demonstrarem sinais de fragilidade em suas ações. Logo, essa exigência também estaria presente no momento de suas investidas. Um homem não se autoriza a “fracassar” até na hora de tirar a própria vida.

Ademais, também é importante ressaltar que, nesta pedagogia de gênero que ensina os meninos a não demonstrarem fraquezas e emoções, salvo pela agressividade, os garotos são instruídos a resistirem bravamente quaisquer acometimentos no campo da saúde (incluindo a saúde mental), pois “homens de verdade” precisam ser fortes e não devem se deixar abater por meras enfermidades. Logo, observa-se a grande relutância que os homens em nossa cultura possuem em cuidar preventivamente da própria saúde. Em geral, eles apenas se dirigem a locais de atendimento quando se encontram em quadros mais graves de suas doenças e/ou em intenso sofrimento psíquico**.

Por outro lado, conjectura-se que as mulheres, por estarem submetidas aos rigorosos padrões estéticos desde a infância, terão a preocupação em utilizar métodos que, de algum modo, possam preservar as suas aparências, ou seja, que sejam visivelmente menos agressivos e, consequentemente, acabam por apresentar menor potencial letal. Isso não significa, de modo algum, que as mulheres se encontrem em menor estado de sofrimento em comparação aos homens, tampouco que estejam mais hesitantes em suas tentativas. Toda e qualquer tentativa de tirar a própria vida demanda atenção e cuidado***.

Aqui, também se faz relevante considerar outro aspecto epidemiológico: estima-se que, para cada óbito por suicídio, haja 20 tentativas. Considerando que as mulheres apresentam maior frequência de investidas, tal fato nos revela o quanto as mulheres se encontram em sofrimento psíquico, sobretudo em culturas machistas e sexistas como a brasileira. Contudo, no que concerne ao comportamento suicida, devido ao fato de o número de mortes ser maior entre os homens, comumente, ao se falar sobre o gênero no comportamento suicida nos espaços de discussão, o enfoque está na morte dos homens e pouco se fala sobre a alta frequência de tentativas entre as mulheres, invisibilizando um fato importante, que tem grande repercussão no campo da saúde pública.

Falar sobre o gênero no comportamento suicida é considerar que, no que concerne ao campo da suicidologia, marcadores sociais são imprescindíveis para compreendermos como aspectos sócio-histórico-culturais atravessam o fenômeno do suicídio. Até o presente momento, observa-se que os discursos hegemônicos relacionados ao suicídio o inscrevem na óptica da patologização, através da singularização do sofrimento. Em outras palavras, ao relacionar unicamente o ato suicida a uma doença, os aspectos conjunturais são desconsiderados ou diminuídos em sua relevância. 

Por isso, é essencial refletirmos sobre o suicídio sob a perspectiva do sofrimento psíquico ao invés do enfoque nos transtornos mentais. Isso porque o sofrimento não se manifesta apartado do contexto social do sofrente. Nesse sentido, a epidemiologia nos auxilia a constatarmos quais são os grupos que têm apresentado maiores índices de comportamento suicida. Quem são e onde se situam essas pessoas em nossa sociedade, em nossa cultura? O que, em suas conjunturas sociais, tem impedido a continuidade de suas existências? Quando nos debruçamos sobre aspectos relacionados à raça, etnia, gênero, orientação sexual, classe social, dentre outros marcadores, certamente estará nítido que tais existências têm sido “suicidadas” pela cultura da negligência e da invisibilização das dores. Em outras palavras, são pessoas que costumam perder o direito à própria vida antes mesmo de partirem. 

>>> Caso se encontre em um momento de intenso sofrimento psíquico, é recomendado que não se isole em suas dores. Busque compartilhar o que está passando com profissionais que estejam capacitados para auxiliá-la(o).

>>> Um dos locais de escuta disponíveis gratuitamente em todo o Brasil é o Centro de Valorização da Vida (CVV). O atendimento do CVV é realizado pelo telefone 188 (24 horas por dia e sem custo de ligação), chat, e-mail e pessoalmente em alguns endereços. Saiba mais em: https://cvv.org.br/

Consulte referências:

* Canetto, S., & Sakinofsky, I. (1998). The gender paradox in suicide. Suicide Life Threatening Behavior, 28(1), 1-23.

** Baére, F., & Zanello, V. (2020). Suicídio e masculinidades: uma análise através do gênero e das sexualidades. Psicologia Em Estudo, 25. https://doi.org/10.4025/psicolestud.v25i0.44147

*** Baére, F., & Zanello, V. (2020). Suicidal behavior in women of diverse sexualities: silenced violence. Revista Psicologia Clínica, 32(2), 335-353

#DescreviParaVocê: cards coloridos, predominantemente nas cores lilás e amarelo, destacam o dia 10 de setembro como data em que se chama a atenção para a prevenção do suicídio. Na primeira imagem, há uma ilustração de duas mãos suportando um coração dentro de uma representação de um cérebro humano. Na segunda imagem, é destacado um trecho do artigo e a foto do autor, além de constar a marca gráfica do CRP 01/DF nas duas imagens.



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