Por Isabelle Patriciá Freitas Soares Chariglione (CRP 01/10771)*
Publicado em 08/08/2018
A Psicologia cada vez mais tem contribuído para a sociedade e para a ciência de maneira geral, e mais especificamente nos últimos anos para as Neurociências e para a Gerontologia. Na verdade, a Psicologia tem influenciado o nosso dia a dia de maneira pontual, fazendo com que a sociedade reflita sobre temas em destaque, em um dado momento sócio-histórico-cultural.
Com o advento da Cognição e das Neurociências desde a década de 50 do século passado, concomitantemente ao surgimento dos primeiros computadores e ao desenvolvimento da tecnologia, a Psicologia começou a analisar o ser humano em uma perspectiva diferente. Ao psicólogo foi permitido ter conclusões baseadas em um maior rigor metodológico, trazendo uma maior confiabilidade para as suas explicações. Assim, a Psicologia enquanto ciência, nesse momento bem distante do seu início filosófico, foi instigada a apresentar respostas para os anseios e as dúvidas da sociedade e dos demais cientistas das mais diversas áreas.
Que paralelo podemos fazer com os dias de hoje? De fato, nessas últimas décadas, a Psicologia tem cada vez mais contribuído para essa importante díade sociedade-ciência, permitindo que os questionamentos possam ser repensados, e mais do que isso, verificados, avaliados e, na maioria das vezes, até mensurados. Poderíamos falar da Psicologia sob diferentes perspectivas, tais como a Psicologia do Trânsito, a Psicologia do Esporte, a Psicologia do Consumidor, que surgem por necessidades dessa díade sociedade-ciência, porém falaremos sobre a perspectiva do envelhecimento e das contribuições das neurociências para com o processo de envelhecer.
É notório o crescente envelhecimento populacional e o aumento da expectativa de vida, tanto numa esfera mundial quanto nacional. E não podemos deixar de destacar que esse crescimento se deve a uma melhora substancial dos parâmetros de saúde da população, ainda que essa conquista esteja longe de se distribuir de forma equitativa nos diferentes países e contextos socioeconômicos. Chegar à velhice, que antes era privilégio de poucos, passa a ser uma realidade mesmo nos países mais pobres.
Segundo Veras e Oliveira (2018), e como já discutido por outros autores, o prolongamento do tempo de vida ocorreu inicialmente em países desenvolvidos, porém, mais recentemente, é nos países em desenvolvimento que o envelhecimento da população tem ocorrido de forma mais acentuada. No Brasil, o número de idosos (≥ 60 anos de idade) passou de 3 milhões em 1960 para 7 milhões em 1975, 14 milhões em 2002 (um aumento de 500% em quarenta anos) e deverá alcançar 32 milhões em 2020. Em países como a Bélgica, por exemplo, foram necessários quase cem anos para que a população idosa dobrasse de tamanho.
Se pensarmos na população do Distrito Federal, segundo o IBGE (2018) a proporção entre idosos e jovens em 2060 será a segunda maior entre as 27 unidades da Federação, com cerca de dois idosos para cada jovem. Então, o que precisamos nesse momento? De profissionais capacitados para as novas demandas que surgirão entre as mais diversas áreas de atuação.
A Gerontologia, como uma área científica dedicada ao estudo do envelhecimento humano, muito tem se beneficiado da Psicologia e das Neurociências. Por ser a Gerontologia uma ciência de atuação interdisciplinar (formada por gerontólogos, psicólogos, odontólogos, fisioterapeutas, médicos, etc.) surge outra pergunta: Como a Psicologia pode auxiliar nessa nova demanda social?
A Psicologia encontra-se em um momento de adequação e reestruturação para lidar com essa ‘nova demanda’, seja nas áreas de políticas públicas, educação ou saúde, apresentando novas reflexões, campos de atuação e intervenções para os profissionais que pretendem trabalhar com esse público.
No que se refere às intervenções, os estudos atuais têm se destacado quanto às intervenções voltadas para os idosos. Na verdade, sabe-se que esse movimento já vem se apresentando há algumas décadas, especialmente fora do Brasil, mas esse novo panorama que se apresenta para a população brasileira pede mais atenção, sejam para avaliações neuropsicológicas, para intervenções em idosos normais, com declínio cognitivo ou dentro de diversas alterações neurológicas, cognitivas ou comportamentais.
Assim, a Neuropsicologia do envelhecimento tem um campo de atuação constante e um aumento significativo de demanda por parte da população e de diversos profissionais. Dentro dessa expectativa, ratifica-se a importância da Psicologia enquanto ciência e campo de atuação, destacando as suas diversas possibilidades de intervenções para atender as necessidades da sociedade e das mudanças por esta apresentada.
Por essa reflexão, podemos compreender que a Psicologia desde os seus primórdios filosóficos, passando pelo seu advento científico, assim como, na atualidade, tem se mostrado de extrema importância para a discussão dos mais variados temas e anseios da sociedade e das ciências de maneira geral. A cada novo momento histórico, a Psicologia se apropria das necessidades e reflexões de cada época e auxilia o homem a refletir, posicionar-se e agir dentro de uma compreensão macro, sempre pautada em práticas e reflexões éticas. Afinal, de acordo com os princípios fundamentais do Código de Ética do Psicólogo, este jamais deve se abdicar dos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos, promovendo saúde e qualidade de vida às pessoas e às coletividades, atuando com responsabilidade social em cada momento sócio-histórico-cultural.
Talvez essa seja a maior contribuição da Psicologia para a ciência e para a sociedade, encarar as problemáticas cotidianas e buscar soluções. A Psicologia é constantemente solicitada a dar sua parcela de contribuição à abordagem destes problemas, e é imperativo que os seus diversos campos de atuação sejam capazes de responder a esses pedidos, e que a Psicologia se organize, cada vez mais, para que o seu saber/fazer seja cada vez mais eficiente e reconhecido.
Assim, a Psicologia foi (e continua sendo) de suma importância para diferentes momentos e contextos sociais, permitindo à própria sociedade refletir sobre as diferentes atuações e compreensões, como realiza nesse momento junto a Gerontologia, pois o idoso já não pode mais ser compreendido como um ser de perdas (biológicas, físicas, cognitivas e comportamentais). Ao contrário, o idoso deve ser potencializado aos ganhos, ao aprimoramento e às adequações dentro de um novo modelo de envelhecer, pois o processo de envelhecer passa a ter uma nova definição e uma nova forma de ser vivida na atualidade.
Referências:
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – Projeção da População 2018: número de habitantes do país deve parar de crescer em 2047. 2018, 6 [Acessado 27 Julho 2018]. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/21837-projecao-da-populacao-2018-numero-de-habitantes-do-pais-deve-parar-de-crescer-em-2047>.
Veras, Renato Peixoto e Oliveira, Martha. Envelhecer no Brasil: a construção de um modelo de cuidado. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2018, v. 23, n. 6 [Acessado 27 Julho 2018], pp. 1929-1936. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.04722018>. ISSN 1678-4561. https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.04722018.
* Isabelle Patriciá Freitas Soares Chariglione (CRP01/10771)
Doutora em Cognição e Neurociências do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Comportamento da Universidade de Brasília (2014). Realizou seu estágio sanduiche do doutorado no “Centre de Recherche D´InstitutUniversitaire de Gériatrie de Montréal” na Université de Montréal, CANADÁ. Mestre em Cognição e Neurociências do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Comportamento da Universidade de Brasília (2010). Especialista em Neuropsicologia pelo IPAF (2007). Possui graduação em Licenciatura Plena (2004) e Formação em Psicologia (2005) pela Universidade Federal da Paraíba. Atualmente é Professora do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Gerontologia e da Graduação em Psicologia na Universidade Católica de Brasília,líder do grupo Neurociências e Cognição em idosos – NeuroCog-Idoso, membro do grupo de Pesquisa CNPq Cognição e Neurociências do Comportamento pela UnB, do grupo de Pesquisa CNPq Envelhecimento Ativo e Qualidade de Vida – EQUAVI pela UCB e participante do GT ‘Memória: Modelos, Pesquisa Básica e Aplicações’ da ANPEPP. Atua na área da Neuropsicologia, com ênfase em técnicas de intervenção cognitiva e temas correlatos ao envelhecimento.