Por André Felix*
Publicado em 13/07/2018
No dia 13 de Julho o Estatuto do Adolescente faz 28 anos. Falo adolescente porque, no momento, pretendo dar o foco para eles. Esses jovens que não são levados a sério, como já diria o poeta Chorão, que também não era levado a sério, como também é pouco levado a sério esse ECA jovem velho.
Trabalhei por alguns anos em unidades de liberdade assistida. O que acontece é que você até consegue achar diversos projetos e programas para as crianças, mas para os adolescentes é bem mais difícil. Até por isso, prefiro escrever este artigo falando de adolescência mais do que de infância.
No momento, os adolescentes estão em um contato muito maior com a violência cotidiana e com a violência simbólica. Toda a densidade da vida e da morte está mais próxima. Os adolescentes, apesar de todos os apetrechos nas vestimentas, nos gestos e na fala, estão mais próximos de um self verdadeiro e detestam a falsidade burocrática. As instituições se assustam. Muito temor envolvido.
A psicanalista francesa Françoise Dolto falava de uma noção no que diz respeito aos adolescentes. Dizia que eles tinham uma “causa” própria. Quando ela fala causa, está trabalhando com a ambiguidade da palavra. A um só tempo quer dizer causa como se diz em política e causa como aquilo que causa o adolescente, essa pessoa em desenvolvimento de sua adulteza. A causa do adolescente, para ela, era “tornar-se si mesmo”.
O adolescente hoje padece de uma necessidade de se fazer ouvido, até seus gestos falam. Temos muito ainda a completar nesse percurso. Não só do lado dos pais, mas também do Estado. O Estatuto da Criança e do Adolescente não é uma lei apenas para os cidadãos seguirem, dizendo o que é certo e o que é errado. É também uma lei para o Estado. Determina direitos e tudo aquilo que o Estado precisa fazer para que esses direitos sejam preservados. Uma dessas diretrizes é a absoluta prioridade no que diz respeito aos serviços e políticas de Estado.
No entanto, o que vemos é um Estado que parece hoje mais preocupado em garantir a segurança do que “tornar-se si mesmo”. As políticas para adolescentes são escassas e a nossa juventude não é levada a sério. Proliferam políticas de extermínio, armas, encarceramento. Esse extermínio é também o extermínio das singularidades, vistas muito mais como problema do que como solução para os atendimentos. O paradigma é da massa. A Psicologia, por sua relação privilegiada com a diversidade, é um dos meios para sair da massificação.
Outra coisa que Dolto dizia dos adolescentes é sobre essa dificuldade dos adultos. Todos nós aprendemos a viver numa vida de gado, nos submeter a autoridades que exigem padronização de tudo, dos cabelos à alma. Isso explica um pouco das nossas dificuldades com os adolescentes. Nós já tivemos que saber esconder nossas particularidades. Nós já aprendemos a saber que um sentimento como a revolta, por exemplo, não cabe em qualquer lugar e com qualquer um. Enfim, nossas instituições entendem a universalidade como o mesmo para todos, e não como a progressiva inclusão das diferenças. Não que estejamos satisfeitos com isso, mas a gente se conforma. O adolescente, por sua condição de desenvolvimento, dificilmente faz o mesmo. Pode chegar às raias da violência se percebe sua vida como sendo de um destino já escrito desde que nasceu. Adultos costumam ter dificuldades com essa atitude, precisamente porque o adolescente quer algo que lhe foi negado.
O Estatuto da Criança e do Adolescente prega nos seus primeiros artigos o direito à liberdade, conceito difícil, que é precisamente o que o adolescente põe em questão com seu comportamento. Está escrito no Estatuto e na Constituição, mas como uma instituição pode pensar este conceito?
*André Felix é psicólogo e psicanalista. Trabalha na Secretaria de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude e é membro do coletivo Psicanálise na Rua.