Por Ana Maria Albuquerque*
Publicado em 25/04/2017
Como psicóloga especializada em vida digital, tenho me deparado com um aumento do interesse das pessoas sobre jogos na internet ou situações de cyberbullying veiculadas pela mídia que, por sua vez, vêm também gerando alguns pânicos morais na rede mundial de computadores. E o meu desafio profissional tem sido falar dessas questões midiáticas de uma forma ponderada e, ao mesmo tempo, crítica e pragmática, de forma a ajudar psicólogos, educadores e famílias a compreender o problema e não a piorar a situação.
A recente série “13 Reasons Why?”, veiculada no serviço de compartilhamento de mídia digital Netflix, aborda uma história de bullying vivida por uma adolescente que acaba terminando em suicídio, e ela mostra os porquês de ter tomado aquela decisão. Por mais que seja interessante essa série chamar atenção sobre o bullying, tendo um forte apelo principalmente entre os jovens, por outro lado, tem aspectos que me preocupam, pois por mais que existam na história da humanidade casos de bullying que terminem em suicídio, estudos na área indicam que isso ocorre apenas com uma minoria das vítimas.
Na maior parte dos casos, mesmo quando ocorre o adoecimento psíquico, como por exemplo, a depressão, muitos conseguem superar esse drama pessoal e familiar e voltam a levar vidas saudáveis e felizes quando procuram e têm a possibilidade de ter acesso a um tratamento especializado envolvendo psicólogos e outros especialistas.
Devemos ressaltar que temos casos de resiliência, como o do jovem canadense Ghyslain Raza (2013), mais conhecido como “Star Wars Kid”, e que é considerado um dos mais complexos da humanidade, pois essa ciberviolência envolveu mais de 7 países na época e foi o vídeo mais baixado do YouTube, em 2004. Com ajuda especializada, o jovem canadense da província de Quebec não somente sobreviveu a esse drama, como se formou em direito dez anos depois numa prestigiosa universidade canadense. Contudo, como psicólogos, devemos também ficar atentos ao efeito Werther e agir de forma ponderada e crítica diante de séries de TV como essa do Netflix.
Outro jogo que vem gerando um pânico moral na internet, preocupando especialistas e pais é o jogo Baleia Azul. Contudo, é importante ressaltar que, segundo um especialista da Safernet, o jogo baleia azul foi originado por um boato na internet na Rússia, em 2015. Essa mensagem falsa de internet se espalhou de forma viral no mundo inteiro chamando atenção primeiramente da mídia russa e depois da mídia de outros países.
Apesar da origem do jogo Baleia Azul ser uma mensagem falsa, isso gerou um problema real, levando em alguns casos a mortes de pessoas deprimidas e vulneráveis não só na Rússia, mas no Brasil e no mundo inteiro. Contudo, é interessante ressaltar que houve reações criativas da indústrias de games, como a criação do game politicamente correto Baleia Rosa. Esse jogo amplamente disseminado nas redes sociais e WhatsApp, sugere desafios aos jovens como, por exemplo que “todos os dias escrevam em um papel uma boa ação que fez naquele dia e coloquem num cofre” ou “façam algo generoso e alguém sorrir” (2017).
Por mais que devamos ficar atentos ao efeito Werther gerado pela série 13 Reasons Why e pelo jogo Baleia Azul, é crucial que, ao analisarmos uma tecnologia, levemos em consideração alguns conceitos científicos da área, como a primeira lei de Kranzberg, que por sua vez, afirma que “a tecnologia não é boa nem má, mas também não é neutra”. Outro conceito tecnológico importante é debatido pelo psicólogo de vida digital da Safernet Rodrigo Nejm, que define a net como sendo “uma rede de pessoas que se conectam umas às outras por meio das tecnologias digitais”. Dessa forma, diante desses desafios tecnológicos, esses são assuntos que muitas vezes emergem pelos pacientes, em especial pelos jovens. É muito importante que os psicólogos façam uma parceria com os pais das crianças e adolescentes e que não enfoquem o diálogo que enfatize a cultura do medo.
Segundo a pesquisadora Sônia Livinstone, é crucial levar em consideração qual a percepção de crianças e adolescentes sobre os principais riscos online, levando em consideração também as oportunidades digitais. É comum que uma situação na internet possa ser considerada como uma oportunidade digital para um jovem – como o ato de adicionar nas suas redes sociais amigos virtuais – e, ao mesmo tempo, essa mesma situação possa ser considerada um fator de risco para adultos e especialistas da área, gerando um conflito geracional (Livingstone, 2017).
Contudo, como psicóloga cognitiva sugiro aos meus colegas de profissão ter o hábito de buscar literatura especializada sobre vida digital e também utilizar as tecnologias digitais no seu dia a dia, pois como orientar um paciente e seus familiares sobre oportunidades e riscos online se a internet é um universo desconhecido para você? E no tratamento de crianças e adolescentes é essencial a parceria com a família, incentivando os jovens e seus pais a dialogarem sobre vida digital no cotidiano e não apenas em momento como o atual quando surgem certos pânicos morais na internet, com os descritos neste artigo. Contudo, caso ocorra algum incidente virtual é importante informar a família sobre onde buscar ajuda especializada, como as indicadas pelo site Internet Segura do Comitê Gestor da Internet: http://www.internetsegura.br/ajuda/.
Caso queira mais informações especializadas sobre este assunto ou dialogar comigo, acesse o meu portal Família Conectada, que está disponível em: .
* Ana Maria de Albuquerque Lima é psicóloga formada pela Universidade de Brasília (UnB) e especializada em vida digital. Possui curso de especialização em Psicologia do Desenvolvimento pela UFRGS. É mestre em Educação e Currículo pela PUC São Paulo. Presta serviços de consultoria em prevenção aos riscos online. Realiza palestras e oficinas sobre prevenção ao bullying, uso compulsivo das tecnologias digitais, sexting e uso seguro das tecnologias digitais nas escolas. Autora do livro “Cyberbullying e outros riscos na internet: despertando a atenção de pais e professores”, publicado em 2011 pela editora Wak. É também criadora do portal de prevenção a riscos online e inclusão digital da familia: Família Conectada, disponível em: http://familiaconectada.com. Autora do e-book gratuito e em licenças abertas “Familia Conectada: prevenindo riscos e promovendo o uso seguro da internet”. Disponível em: http://bit.ly/2kmN8DN.
Referências:
ALBUQUERQUE-LIMA, Ana Maria. Família Conectada: prevenindo riscos e promovendo o uso seguro da internet, disponível em: http://bit.ly/2kmN8DN. Acesso em: 20 de abril de 2017.
ALBUQUERQUE-LIMA, Ana Maria. Portal Família Conectada. Disponível em: http://familiaconectada.com.br/Acesso em: 20 de abril de 2017.
KRANZBERG. Melvin. Lei de Kranzberg. Disponível em: https://sites.google.com/a/milip.org/et/leis-de-kranzberg. Acesso em: 20 de abril de 2017.
LIVINGSTONE, Sonia. Seminário crianças e adolescentes na era digital: novas perspectivas para políticas públicas. Disponível em:
http://cetic.br/seminario-crianca-adolescentes/. Acesso em: 20 de abril de 2017.
Matéria Ten years later, ‘Star Wars Kid’ speaks out. Disponível em: http://www.macleans.ca/news/canada/10-years-later-the-star-wars-kid-speaks-out/. Publicada em 9 de maio de 2013.
NEJM. Rodrigo. Dia da internet segura 2017. Disponível em: http://www.safernet.org.br/site/sid2017/. Acesso em: 20 de abril de 2017.
Portal Baleia Rosa. Disponível em: https://www.facebook.com/eusoubaleiarosa/. Acesso em: 20 de abril de 2017.
Portal Internet Segura. Disponível em: http://www.internetsegura.br/ajuda/. Acesso em: 20 de abril de 2017.