O Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal (CRP 01/DF), no uso de suas atribuições como autarquia de fiscalização e orientação de profissionais de Psicologia e que presta serviço de proteção e acolhimento à sociedade para casos de condutas ilegais de seus inscritos, vem a público informar que está apurando às informações lançadas pela obra “O Outro Lado do Paraíso”, da emissora Rede Globo de Televisão, e seus desdobramentos nas mídias sobre a atuação de coaching por não psicólogos em temas e casos de competência do psicólogo e outros profissionais de saúde.
Informamos à sociedade que, em casos de suspeita ou abusos intrafamiliares comprovados, a Psicologia é a ciência referendada pelos profissionais de Justiça- promotores e juízes da Infância e Juventude- bem como profissionais de Assistência Social, para ajudá-los em tais contextos. Utilizamos critérios científicos respaldados por pesquisas e métodos construídos e regulamentados pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), como a escuta qualificada de crianças e adolescentes envolvidos em casos de violências, tendo em vista os danos que podem causar ao sujeito em desenvolvimento ao relembrar ou realizar de forma despreparada inquéritos e/ou perguntas que envolvem contextos de grande sofrimento psíquico.
O fenômeno de abuso e violência sexual contra crianças e adolescentes demanda conhecimentos de sexualidade humana, Psicopatologia, Psicofarmacologia, Psicologia Familiar, Psicologia de Casais, abordagem sistêmica, Psicanálise, Direito Penal, Vitimologia, Criminologia, relações de gênero, Psiquiatria, entre outros assuntos que são privativos de algumas carreiras e, em geral, são compartilhados dentro de condutas éticas para proteção e cuidado da vítima, do suspeito e de suas relações. Impacta em inúmeras instituições como Conselho Tutelar, Ministério Público, delegacias, Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), consultórios, entre outras instâncias.
Esclarecemos que os profissionais de coaching formados no Brasil ora são psicólogos com registro, formados ou pós-graduados em coaching, ora são profissionais de outras carreiras e que, pelo fato desses profissionais terem uma formação superior diversa, podem não estar preparados para lidar com contextos psicológicos como depressão, ansiedade, violências, problemas na aprendizagem, luto, entre outros fenômenos que podem interferir na sua condução ou limitar sua atuação.
Informamos que não há órgão fiscalizador e de orientação profissional para proteger a sociedade de possíveis danos causados pela atuação profissional de coaches e aqueles que são registrados em conselhos profissionais diversos, ao utilizar conhecimentos e técnicas de coaching em seus atendimentos, não poderão ser orientados ou fiscalizados por seus conselhos profissionais porque estão realizando serviços com recursos desconhecidos de sua ciência e profissão de origem.
Consideramos que, embora a Rede Globo de Televisão e seu núcleo de dramaturgia tenham divulgado em nota que “as novelas são obras de ficção, sem compromisso algum com a realidade” e que reconhece a importância de todos os seus programas para discussões e reflexões sobre assuntos de interesse da sociedade, sua nota demonstra que a emissora reconhece que existem outras maneiras de abordar o tema de forma mais ampla e responsável. Muito embora uma obra de ficção não tenha compromisso com a realidade, sabe-se que muitos conteúdos ficcionais são baseados em histórias reais ou pretendem alertar para situações da realidade, principalmente em uma temática tão complexa quanto o abuso sexual.
Inferimos que o discurso da personagem coach na trama faz referências diretas à realidade quando cita instituto de coaching brasileiro, referendando, inclusive, o nome de seu idealizador. Sabe-se que artistas partem de recursos e fontes da realidade para criar e recriar a fantasia e vice-versa. Por fim, a própria dramaturgia da rede de televisão citada teve grande influência com suas histórias ficcionais na luta contra violência de idosos em outra obra de ficção, Mulheres Apaixonadas (2003), que relatava violência sofrida por avós por parte de sua neta. “O drama de Leopoldo (Oswaldo Louzada) e Flora (Carmem Silva), um casal de idosos que era maltratado pela neta Dóris (Regiane Alves), comoveu não só a população, como também as autoridades”, afirma o site da própria emissora, demonstrando que sua obra teve influência na aprovação mais célebre do Estatuto do Idoso em 2003, isso para não citar outras repercussões importantes da própria emissora na luta contra outras violências no país.
Vale ressaltar ainda que o papel da Comunicação Social está descrito na Constituição Federal do Brasil no seu artigo 220, e embora a “manifestação do pensamento, a criação, a expressão e informação, sob qualquer forma não sofrerão restrição”, a liberdade de informação e criação não pode ser irresponsável e sem qualquer critério, pois existem meios legítimos de fiscalizar, principalmente quando esse direito vai ao encontro de outros. O próprio artigo 220 trata de que compete à Lei Federal regular entre outros § 4º A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso. No caso da trama, a personagem coach se apresenta com certificação e experiência, explica que o que ela pode realizar em uma terceira pessoa não é psicoterapia porque não é psicóloga, mas afirma que o coaching usa “ferramentas mais rápidas”.
A emissora é uma concessão pública e sua produção e programação deve dar:
I – preferências a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Uma pessoa que sofre abuso pode procurar um profissional de coaching, de fato, pois não há proibição legal para ninguém em sofrimento ou dúvida pedir orientação de qualquer profissional. Na trama “O Outro Lado do Paraíso”, a personagem supostamente abusada é indicada por uma amiga a procurar a advogada coach para ajudá-la nesse contexto. Entretanto, embora não haja conselho profissional de fiscalização da profissão, existe um código de ética do coach que diz que sua formação e certificação o capacita para atuar apenas em atendimento aos clientes de coaching, ou seja, as técnicas e métodos não podem ser aplicadas de forma indiscriminada e sem contexto.
Por fim, o CRP 01/DF considera que há profissionais competentes em várias carreiras, mas alerta para os limites teóricos, técnicos e éticos de cada profissão. Orienta a sociedade para o que considera uso indevido de teorias e técnicas psicológicas por profissionais sem formação na área, pois para cada técnica ou recurso psicológico existe um método e uma teoria que o embasa e é necessária sua compreensão e complexidade de sua relação com áreas correlatas como Desenvolvimento Humano, Psicopatologia, Neuropsicologia entre outras, ou seja,usar teorias como Psicologia Positiva, a técnica da hipnose e outras abordagens para diversos fins de forma recortadas de sua base científica e metodologias originais podem configurar em danos para aqueles que não conhecem e se aprofundam em um campo tão complexo do saber como o psicológico.
Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal (CRP 01/DF)