Apesar de a abolição formal da escravização da população negra ter ocorrido em 13 maio de 1888, novembro foi o mês eleito para dar visibilidade à luta pela liberdade e às conquistas alcançadas pelo movimento negro no pós-abolição. A data foi escolhida em referência à morte de Zumbi dos Palmares, símbolo de luta e resistência quilombola*(2).
Ano a ano temos indagado sobre os reais motivos para celebrarmos o 20 de novembro. Estamos certos das conquistas recém-alcançadas que tocam a garantia de direitos para a população negra, tais como ampliação do acesso aos serviços de saúde, à proteção social, à educação de qualidade, à segurança alimentar, à moradia e a tantos outros direitos. Contudo, ainda não fomos capazes de garantir o essencial direito à vida. Assistimos nos últimos anos o crescimento dramático da morte de jovens negros, vítimas da violência provocada pelo racismo estrutural e naturalizada pela sociedade. Dupla morte. Morrem os jovens e suas mães negras que buscam se levantar na luta por justiça em nome de seus filhos assassinados. Exemplo disso são os movimentos de mães surgidos no lamento da dor, como “Mães de Maio” em São Paulo e “Mães do Cabula” na Bahia.
“Tentaram nos enterrar, mas não sabiam que éramos sementes”. As cicatrizes causadas pelas tentativas de silenciamento e de eliminação de nossas vidas também nos fazem lembrar as histórias de luta e resistência de quem nos precedeu: os pretos velhos e as pretas velhas que na afirmação da vida do povo negro abriram caminhos e espaços que hoje ocupamos. Nossos passos vêm de longe e irão ainda mais longe. Fomos, somos e seremos sementes, mas luta e resistência não se confundem com ausência de dor e sofrimento. Ser mulher e homem negros no Brasil e na diáspora é um viver reaprendendo a lidar com o racismo dinâmico no tempo e no espaço, como afirmou o professor Kabengele Munanga*(3). E por ser dinâmico se atualiza e se sofistica, opera com novas roupagens, inventa novas formas de se fazer presente.
Com isso, à luz da história e da Resolução CFP 018/2002*(4) que estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação ao preconceito e à discriminação racial, apresentam-se muitos desafios para a Psicologia. O principal deles trata-se da adoção de uma postura antirracista atenta à dinâmica do racismo e das relações étnico-raciais. Essa atitude nos convida a um processo de desalienação própria que, por efeito, oportuniza a emancipação do sujeito quem nos procura. Para ser antirracista não é preciso ser pessoa negra, basta lembrar que não nos constituímos da mesma forma, tampouco habitamos o mesmo mundo. Porém, cada um a seu modo deve ter o direito de existir livremente sem que a sua cor ou práticas culturais, bem como suas demais características, transformem-se em obstáculos para uma vida com dignidade.
Reafirmamos a urgência de tornar nossos saberes e práticas psicológicas efetivamente antirracistas e com consciência negra. Isso nos convida a romper com o silêncio, com a suposta neutralidade e com os universalismos. Não há falta ética em nomear todo racismo, todas as formas de violências e injustiças, sejam quais forem os espaços de atuação. Isso é compromisso social da Psicologia. É cuidar para que nossa profissão seja exercida com rigor ético, em direção a defesa radical da igualdade racial e dos direitos humanos.
(1) Instituído pela Lei Nº 12.519, de 10 de novembro de 2011.
(2) http://www.seppir.gov.br/…/20-de-novembro-dia-de-luta-e-ref…
(3) Antropólogo e professor titular da Universidade de São Paulo (USP)
(4) https://site.cfp.org.br/tag/resolucao-cfp-18-2002/
Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal (CRP 01/DF)
Comissão Especial de Psicologia e Diversidade Étnico-Racial (CEPDER)