Por Bernardo Pablo Sukiennik*
Publicado originalmente em 20/02/2019
Quem não gosta de acordar tarde aos domingos e ir almoçar em um restaurante? Por outro lado, quem gosta de trabalhar aos domingos? No Brasil, há aproximadamente dois milhões de pessoas que trabalhariam prazerosamente nesse dia, desde que possam descansar e guardar o sábado. O mesmo ocorre com o Natal, Páscoa e outros feriados cristãos. Muitos brasileiros estão dispostos a trabalhar nesses dias, caso seus feriados religiosos sejam respeitados.
A História mostra que os países que ofereceram liberdade religiosa conseguiram desenvolvimento econômico mais sustentável. Em parte, isso se explica porque restrições à liberdade e intolerância religiosa afastam investimentos estrangeiros. Além disso, jovens talentos podem sentir-se forçados a migrar para outros lugares mais tolerantes. Portanto, resumidamente, o respeito à diversidade religiosa é um dos elementos que geram inovação e crescimento econômico.
Olhando sob essa perspectiva, a diversidade religiosa brasileira é uma riqueza, a qual poderia ser melhor explorada. Para usufruí-la é fundamental respeitar essas diferenças. Voltando ao exemplo dos guardadores do sábado, até hoje muitas pessoas veem as adaptações feitas em vestibulares e concursos públicos como um favor imerecido. Não percebem nesse candidato a solução para o problema dos plantões dominicais.
A legislação nacional reconhece o direito à liberdade de consciência e garante a liberdade de conservar e mudar de crenças, bem como a liberdade de professar e divulgá-las, individual ou coletivamente, tanto em público como em privado. Nesse aspecto, pesquisas apontam que o Brasil é o país com menos restrições à liberdade religiosa entre as vinte e cinco nações mais populosas do mundo. O desafio não está nas leis, mas na mente e no coração das pessoas.
Respeitar o desconhecido é sempre difícil, especialmente, quando se trata de religiões muito diferentes à majoritária. Ninguém é obrigado a concordar com as convicções dos outros, mas deve tolerá-las. Ao Estado, cabe não confessar nenhuma religião, nem colocar empecilhos à liberdade de crença. Segundo o ministro do STF, Gilmar Mendes, “[...] o dever de neutralidade por parte do Estado não se confunde com a idéia de indiferença estatal, devendo o Estado, em alguns casos, adotar comportamentos positivos, com a finalidade de afastar barreiras ou sobrecargas que possam impedir ou dificultar determinadas opções em matéria de fé”.
O princípio da igualdade previsto no sistema jurídico brasileiro contempla tratar isonomicamente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades. No Estado Democrático de Direito, a efetivação de direitos humanos permite a aplicação de discriminações positivas, compensando carências de certos setores da sociedade. Caso o Brasil fosse um país indiferente à religiosidade, o Estado poderia direcionar suas atividades, excluindo parcelas da população, sob a alegação de que ao assumir determinadas convicções, a pessoa sofre restrições impostas pela doutrina própria àquelas. Consequentemente, o Estado não proibiria ninguém de usufruir dos benefícios de suas atividades. Para isso, bastaria “simplesmente” ir contra suas crenças. O Estado brasileiro precisa consolidar esse conceito de neutralidade, afastando qualquer tendência à indiferença.
Caro leitor, quando alguém lhe solicitar alguma adaptação por motivo de convicção religiosa ou filosófica, lembre-se de que está lidando com uma das riquezas nacionais. Viva a diversidade religiosa!
*Bernardo Pablo Sukiennik é advogado e membro colaborador da Comissão Especial de Psicologia e Religiosidade do CRP 01/DF.