Por Renan Lopes de Lyra (CRP 01/19579)*
Publicado originalmente em 12/08/2019
Sempre que falei para as pessoas sobre o meu tema de pesquisa a primeira pergunta sempre foi, “mas suicídio em idosos...isso é tão comum assim?”. Muitas vezes, eu tinha de explicar todas as estatísticas envolvidas e, ao acessar os relatórios da Organização Mundial da Saúde (OMS), eu pude ter dados concretos sobre essa afirmação: “é mais comum do que eu e você podemos imaginar”. Os dados publicados pela OMS em 2018 mostram que os casos de suicídio têm maior prevalência nas faixas-etárias dos 14 aos 20 anos e dos 60 anos em diante. Estima-se que um suicídio é consumado a cada 20 casos de tentativa. Na população idosa, esse número cai para um em cada quatro casos de tentativas.
Idosos de maneira geral apresentam agravantes para o risco de suicídio, como o fato de não comunicarem sobre sua ideação suicida ou terem suas queixas invalidadas. Quantas vezes não ouvimos que “velho só reclama” ou “tal pessoa reclama como um velho”. Essa invalidação emocional gera, entre outros problemas, o isolamento social. O isolamento do convívio social, além de não favorecer o auxílio psicológico preventivo – aquele antes que o quadro de ideação e planejamento suicida se instale –, dificulta o pronto atendimento nos momentos de crise. Além disso, há a tendência de se considerar sintomas depressivos como parte natural do envelhecimento.
A primeira vez em que refleti sobre a questão do suicídio na terceira idade, pensei em como a visão culturalmente construída sobre a pessoa idosa influenciava no risco de suicídio. A visão coletiva sobre o idoso, na maioria das vezes, está associada à decadência e ao período que compreende o fim da vida. Não há mais espaço a ser ocupado pelo conhecimento adquirido dos cabelos brancos, a experiência de vida já se encontra obsoleta em uma sociedade moderna e de mudanças drásticas a cada meia década. Os idosos já estão, nesse sentido, mortos aos olhos da produtividade capitalista, onde ocupam o lugar apenas de pessoas que não têm mais nada para produzir.
O reflexo dessa visão cultural é o fato do isolamento social e a dependência física e financeira aparecerem nos estudos epidemiológicos como segundo e terceiro maiores fatores associados às mortes por suicídio de idosos. A depressão, igualmente, pode ser interpretada como um transtorno que não está isolado em suas causas, isso é, reflete a vivência adoecida dos idosos com o meio social.
Albert Camus, em seu clássico “O Mito de Sísifo”, diz que o suicídio é uma confissão, uma confissão de que a vida já não vale a pena para o sujeito. Nesse mesmo raciocínio, o idoso que morre por suicídio confessa. Confessa seu “não-lugar”, seu “não-ser” para a sociedade. O suicídio é tornar em ato sua morte, ocorrida ainda em vida, quando o indivíduo idoso é descartado do convívio.
Para além das intervenções de prevenção, igualmente importantes para evitar o autoextermínio, a prevenção do suicídio perpassa, nesse sentido, por uma mudança sobre a visão coletiva atual do processo de envelhecimento. Enquanto for reproduzido o discurso que coloca a velhice como fase a ser evitada ou como doença, a vivência do envelhecimento continuará associada às questões negativas e o suicídio será a confissão de nossa incapacidade de perceber que a vida se mantém valiosa na terceira idade.
*Renan Lopes de Lyra (CRP 01/19579)
Psicólogo Clínico, Mestre em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília, tendo como tema a prevenção ao suicídio em pessoas idosas.