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ENTREVISTA COM O PSICÓLOGO CARLOS RICARDO, COORDENADOR-GERAL DE DIREITOS DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA DA SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

ENTREVISTA COM O PSICÓLOGO CARLOS RICARDO, COORDENADOR-GERAL DE DIREITOS DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA DA SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA



19 de agosto - Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua

Entrevista com o psicólogo Carlos Ricardo, Coordenador-Geral de Direitos da População em Situação de Rua da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República

Neste dia 19 de agosto, o Brasil lembra o massacre ocorrido em 2004 no qual sete moradores de rua foram brutalmente assassinados enquanto dormiam na região da Praça da Sé, em São Paulo. Com grande repercussão, a data ficou marcada como o Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua com o objetivo de conscientizar a sociedade sobre a atenção que deve ser garantida a essa parcela da população.

Conversamos com Carlos Ricardo, coordenador-geral de Direitos da População em Situação de Rua da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Psicólogo, especialista em Metodologia do Enfrentamento à Violência contra Crianças e Adolescentes, Carlos Ricardo tem voltado sua atuação profissional para os públicos em situação de vulnerabilidade. Nesta entrevista, fala sobre o papel da Psicologia na garantia de direitos e sobre sua interface com a realidade social.

Como você avalia hoje o cenário da política voltada à população em situação de rua?

A política voltada para a população em situação de rua é muito recente no País. Estamos ainda em um processo de implementação. Para o que temos hoje, a maior atuação da Psicologia nesse campo está dentro da assistência social e da saúde. Não exclusivamente, mas porque são as redes que têm maior capilaridade, mais recurso e maior apoio do governo federal para esse público. O trabalho dos psicólogos nessa área se dá tanto por Centros de Referência Especializados em Assistência Social (CREAS) como por serviços de Centros de Referência Especializados para População em Situação de Rua (Centro POP), acolhimento institucional, serviços de abordagem que já trabalham com as pessoas no próprio espaço da rua ou o consultório na rua e os serviços de saúde que já são conhecidos por muitos de nossos psicólogos.

Algo que vemos também na política pública de um modo geral e especificamente no caso da população em situação de rua é a Psicologia entrando em espaços de gestão. É o meu caso, que coordeno essa política na Secretaria de Direitos Humanos. O olhar da Psicologia é fundamental para poder entender esse ser humano. O tema da população em situação é pouquíssimo estudado, inclusive por nós psicólogos. Na Academia, quase não temos referências. O que a gente mais percebe são algumas pesquisas isoladas, que são feitas a partir da iniciativa dos próprios pesquisadores, mas enquanto elemento que faça parte da grade curricular ou como um elemento que seja motivado pelos professores dentro da sua grade curricular, isso é muito raro. Logo, é um tema pouco estudado e sobre o qual pouquíssimas pessoas têm propriedade. O nosso olhar, embora não seja específico para a população em situação de rua, é um olhar sobre o ser humano, que consegue alcançar assim uma dimensão de menos preconceito e menos discriminação em relação a essas pessoas, o que é fundamental para desenvolver políticas públicas e implementá-las de acordo com a realidade de cada local.

Além da carência de estudos, quais seriam hoje os maiores desafios para a atuação da Psicologia nesse campo?

De maneira geral, creio que o maior desafio para atuação junto à população de rua é o preconceito e a discriminação. Esse é um impeditivo até para que a pessoa possa adentrar em um espaço público. Muitas vezes, ela não passa do agente de segurança de um prédio, de um equipamento que é público. Então veja que a pessoa tem direito de entrar e ser atendida como qualquer outro cidadão. Esse já é de cara um primeiro empecilho e nós psicólogos não estamos afastados dos preconceitos, dos estigmas e coisas do tipo. A gente, muitas vezes, acaba reproduzindo esses comportamentos. Eu brinco que às vezes a gente esquece da profissão, da teoria, mas não é isso. A gente está dentro da sociedade. Não estamos separados disso. Então o preconceito e a discriminação são um primeiro empecilho e a falta de produção acadêmica, de pesquisas e estudos é um outro desafio. Como vamos superar um preconceito se não temos conhecimento sobre o tema? Isso exige um esforço pessoal, uma busca. Pelo fato de a política ser recente, muita coisa começou a ser produzida após a criação da política. Então temos questões que ainda não tiveram tempo de ser disseminadas em todo o território nacional. Esses são grandes desafios. Antes da população em situação de rua no governo federal, não existia uma política capilarizada. Havia algumas ações na área da assistência social, que foi a primeira política a acolher esse público, mas em um contexto ampliado não existia. Estamos agora começando a nos apropriar disso. Então, consequentemente, começa agora a chegar mais recurso público para poder trabalhar com essa população.

Há alguma especificidade para atuação na área de gestão a partir da formação em Psicologia?

A Psicologia está começando a conquistar alguns espaços nessa política. Naquilo que temos desenvolvido junto à população em situação de rua, percebemos hoje a fragilidade desse público. Posso dar o exemplo da inserção no mercado de trabalho. Nós hoje já temos uma modalidade específica dentro do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) para a população em situação de rua com turmas específicas. No entanto, após formadas, essas pessoas têm uma dificuldade muito grande para se inserir no mercado de trabalho e essa dificuldade se dá muitas vezes por todo o contexto em que a pessoa está devido à vulnerabilidade da situação de rua.

Podemos usar situações concretas: a pessoa não tem uma moradia, muitas vezes depende de um abrigo com a sua rigidez de horário. Ela não tem um espaço para lavar as suas roupas, trocar de roupa, tomar banho com o mesmo espaço de privacidade e acolhimento que temos em nossas casas. E sabemos o quanto isso é fundamental. No final de semana, a pessoa está restrita aos horários de funcionamento do abrigo para o seu descanso, entre uma série de outras situações. Olhando para nós, uma vez que somos iguais, se saímos diariamente para o nosso trabalho, precisamos de um espaço para descansar, um espaço para colocar nossas roupas, trocar de roupas, ir para o trabalho. Você tem um espaço garantido de descanso para, por exemplo, poder estudar ou fazer uma outra coisa. A população em situação de rua muitas vezes não tem isso.

Soma-se a isso ainda questões subjetivas, dado que a população em situação de rua está sujeita a todos os riscos de viver na rua. Muitas pessoas falam que dormem de um olho só porque o olho tem de estar aberto devido à constante situação de perigo por questões de violência e, muitas vezes, violência praticada por agentes de Estado. Tudo isso influencia muito na forma como as pessoas se relacionam com outras situações da vida. Elas precisam se adaptar, criar uma nova forma de vida para poder viver na rua e aí depois se adaptar para esse formato convencional da sociedade costuma ser muito difícil. E aí entra o profissional de Psicologia. Que outro profissional vai conseguir trabalhar trazendo essas dimensões subjetivas, tendo de lidar com uma série de situações. Qual o olhar profissional que devemos ter para essas pessoas? Eu enxergo aí um papel importante da Psicologia. Acredito que, da forma como estão estruturados os serviços hoje, ainda não conseguimos atender plenamente essa população. Temos dificuldade de aprofundar determinadas questões, conciliar as dificuldades sociais e as dificuldades do campo subjetivo, entre outros tantos desafios.



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