Psicóloga da saúde e hospitalar conversa com CRP DF sobre intervenção psicológica em pacientes bariátricos
A cirurgia bariátrica, como é conhecida a gastroplastia, é uma plástica no estômago, com o objetivo de reduzir o peso de pessoas com o ICM (Índice de Massa Corporal) muito alto. A prática tem se mostrado eficaz no tratamento efetivo e duradouro da obesidade. Aqueles que desejam passar por esse procedimento são submetidos a uma série de avaliações médicas e psicológicas para que possa ser considerado apto a realizar o processo cirúrgico.
A obrigatoriedade das avaliações psicológicas foi inserida na legislação referente às cirurgias bariátricas no Brasil somente em 2005. A partir da entrada em vigor da resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1776/2005, psicólogos e psicólogas passaram a integrar as equipes multiprofissionais, nas quais são responsáveis pela avaliação psicológica pré-operatória dos pacientes. No entanto, profissionais de Psicologia já realizam testes e avaliações desse tipo desde quando a cirurgia bariátrica surgiu e, por esse motivo, diz-se que em 2015 a Psicologia Bariátrica completa 20 anos no Brasil.
Para aprofundar o assunto, o Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal conversou com a psicóloga Michele Pereira Martins, especialista em Psicologia da Saúde e Hospitalar. Michele é membro da Comissão Técnico-científica e Representante de Psicologia da Comissão de Especialidades Associadas (COESAS) da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM). Além disso, atualmente a profissional palestra em cursos e congressos nacionais e internacionais sobre Cirurgia Bariátrica e é responsável pela pesquisa “20 anos de Psicologia Bariátrica no Brasil: Levantamento do Perfil do Profissional de Psicologia” (em desenvolvimento). Confira a entrevista:
\r\n1) Em quê consiste a Psicologia Bariátrica? Como ela tem evoluído nestes 20 anos de existência no Brasil?
A Psicologia bariátrica é um termo utilizado pelos profissionais que atuam em cirurgia bariátrica para denominar e diferenciar sua atuação das demais áreas da Psicologia. Os principais objetivos dos psicólogos que atuam nesse contexto são compreender e atuar sobre os fatores biológicos, psicológicos e sociais envolvidos no processo saúde-doença da obesidade. Para isso, atuam em parceria com diferentes profissionais, médicos e não médicos, realizando pesquisas e promovendo a saúde dos pacientes que vivenciam a doença obesidade. Refletindo uma realidade mundial de reconhecimento da complexidade da doença obesidade, o psicólogo brasileiro vem ainda conquistando seu espaço no tratamento da doença.
A história da Psicologia na Cirurgia Bariátrica no Brasil permeia a história da própria cirurgia bariátrica brasileira. As psicólogas Marlene Monteiro da Silva e Aída Franques foram as precursoras na área ao lado do “pai” da cirurgia bariátrica brasileira, Dr. Arthur Belarmino Garrido, na Universidade de São Paulo e no Instituto Garrido, ambos em São Paulo. Posteriormente, Simone Marchesini, na equipe multidisciplinar do Dr. João Batista Marchesini, no Paraná.
Ao longo desses anos elas e outros profissionais foram se agrupando a outros profissionais em prol da melhoraria da assistência dessa população e formaram a Comissão de Especialidades Associadas (COESAS) da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), que congrega especificamente os profissionais que não são cirurgiões bariátricos e que fazem parte de todo tratamento cirúrgico, entre eles anestesistas, cirurgiões plásticos, endocrinologistas, educadores físico, enfermeiros, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, nutricionistas, nutrólogos, odontólogos, psicólogos, psiquiatras, terapeutas ocupacional.
Nesse grupo maior, os profissionais de psicologia empreendem esforços para o reconhecimento da Psicologia Bariátrica, como ocorreu recentemente com a Cirurgia Bariátrica, conforme a Resolução n° 2.116/2015. Atualmente eu faço parte desse grupo como representante da Psicologia, ao lado das psicólogas Eliane Ximenes (PE), também representante da psicologia, e da vice presidente de COESAS Andrea Levy (SP). Além de buscarmos melhorar a assistência psicológica prestada, lutamos pelo reconhecimento da Psicologia Bariátrica.
\r\n2) Sabemos que o paciente que pretende passar pela cirurgia bariátrica precisa ser submetido a uma série de avaliações médicas e agora também psicológicas. O que motivou essa mudança na legislação?
As legislações evoluem conforme a própria evolução da medicina e observa-se que esta vem evoluindo a partir da mudança no paradigma do modelo biomédico de doença para o modelo biopsicossocial, que contempla a complexidade e a multicausalidade no processo saúde-doença. Em cirurgia bariátrica não poderia ser diferente. Ao longo dos anos, seguem as evoluções das técnicas cirúrgicas e também das intervenções multiprofissionais, devido ao reconhecimento de que fatores biológicos, psicológicos e sociais, em conjunto, estão envolvidos na etiologia da obesidade e no sucesso terapêutico.
\r\n3) Como se dá a avaliação psicológica para cirurgia bariátrica? Que instrumentos devem/podem ser aplicados e quantas consultas você considera necessárias para se chegar a um laudo?
Na prática clínica em cirurgia bariátrica, a avaliação psicológica é realizada concomitantemente ao preparo psicológico. O I Consenso Brasileiro Sobre Assistência Psicológica em Cirurgia Bariátrica (SBCBM/COESAS), disponível em http://www.sbcbm.org.br/wordpress/especialistas-da-sbcbm-lancam-consenso-clinico-inedito-na-area-de-psicologia/, destaca os principais objetivos, metodologias e intervenções do psicólogo em cada fase do tratamento. Especificamente sobre a avaliação psicológica individual, o consenso recomenda a utilização de um roteiro de entrevista semiestruturada, baseado nos objetivos descritos na fase pré-operatória; a aplicação e a escolha de testes psicológicos e outros instrumentos ficam a critério do psicólogo, mas para essa aplicação há a orientação da consulta ao Satepsi, do Conselho Federal de Psicologia. No caso de outros instrumentos, a orientação é que sejam usados aqueles já validados para a população brasileira.
Para o laudo, o número de consultas não pode ser inferior ao mínimo recomendado pelo Consenso, citado acima, que são três, pois estamos falando de um processo de avaliação e preparo psicológico específico.
\r\n4) Há algum protocolo de acompanhamento pós-cirúrgico? Quais complicadores psicológicos podem surgir após o procedimento cirúrgico?
No pós-cirúrgico, seguimos o que recomenda a literatura e as legislações. A Portaria nº 425 de 19/03/2013 do Ministério da Saúde orienta acompanhamento psicológico mensal nos primeiros 18 meses após a cirurgia. Isso é o mínimo recomendado. O acompanhamento psicológico pós-cirurgia tem um caráter de promoção de saúde e prevenção de agravos e pode levar ou não a encaminhamentos, não só à psicoterapia, como também a outras especialidades como a psiquiatria e a fonoaudiologia, para favorecer melhor adaptação ao tratamento e qualidade de vida.
As complicações psicológicas após a cirurgia podem envolver o desencadeamento de transtornos de ajustamento, de quadros psiquiátricos graves e crônicos, de transtornos alimentares, de alcoolismo, de comportamentos impulsivos e de depressão. É natural e esperado que os pacientes passem por algumas dificuldades e certo sofrimento emocional no processo de adaptação imediatamente após a cirurgia, devido a desconfortos pós-operatórios, adaptação à dieta, afastamento das atividades diárias etc. Contudo, a maioria dos pacientes que são bem preparados pela equipe multidisciplinar passa por essa fase sem evoluir para complicações psicológicas. No pós-operatório, a médio e longo prazo, as maiores dificuldades vivenciadas envolvem as alterações do estilo de vida e da imagem corporal, que somadas aos problemas cotidianos podem desencadear processos de elevado distress e prejudicar a adesão ao tratamento. Trata-se de uma realidade comum, não só no tratamento cirúrgico da obesidade, mas nas doenças crônicas em geral.
\r\n5) Em que situações não se recomenda a cirurgia bariátrica? Caso sejam descumpridas as recomendações de não realização da cirurgia, o que pode ocorrer?
As legislações e consensos da área expressam claramente as contra-indicações psicológicas para a realização do procedimento, que são: limitação intelectual significativa em pacientes sem suporte familiar adequado; quadro de transtorno psiquiátrico não controlado, incluindo uso abusivo de álcool ou drogas ilícitas. No caso de quadros psiquiátricos graves sob controle, não há contra-indicações absolutas à cirurgia, e sim casos em que há a exigência também de avaliação e acompanhamento psiquiátrico contínuo. Diante de descumprimentos dessas recomendações podem ocorrer complicações psicofisiológicas importantes, que por sua vez podem levar a complicações cirúrgicas e nutricionais, além de vários problemas de adaptação e adesão ao tratamento.
\r\n6) Qual é o perfil do(a) profissional de Psicologia nesta área? É preciso alguma especialização para trabalhar com Psicologia Bariátrica?
Essa tem sido uma discussão corrente, não só em Cirurgia Bariátrica, mas na Psicologia da Saúde de modo geral, devido à especificidade da população assistida e da terapêutica. O I Consenso Brasileiro Sobre Assistência Psicológica em Cirurgia Bariátrica (SBCBM/COESAS) recomenda que os(as) psicólogos(as) que atuam nesse contexto sejam inscritos há pelo menos dois anos no Conselho Regional de Psicologia, possuam título de especialista em Psicologia Clínica e/ou Psicologia Hospitalar, embasamento técnico-científico consistente e atualizado, não só em Psicologia, mas também em obesidade, transtornos alimentares e cirurgia bariátrica e metabólica. Recomenda-se também que, no caso de serviços que possuam equipe multiprofissional, o paciente seja assistido pelo psicólogo dessa mesma equipe.
Para saber mais sobre o trabalho da psicologia bariátrica, da SBCBM e COESAS acesse: http://www.sbcbm.org.br/
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