Neste 18 de abril - Dia Nacional do Livro Infantil, o Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal (CRP DF) conversou com a psicóloga e professora da Universidade de Brasília, Eileen Flores sobre a relação da literatura com o desenvolvimento infantil. Eileen é professora-adjunta do Departamento de Processos Psicológicos Básicos da Universidade de Brasília. Possui graduação, mestrado e doutorado em Psicologia, com ênfase de atuação em Processos de Aprendizagem, Memória e Motivação. É fundadora e coordenadora do Projeto de Extensão de Ação Continuada "Livros Aberto: Aqui Todos Contam". Atualmente é coordenadora de Extensão do Instituto de Psicologia da UnB.
No dia 18 de abril é celebrado o Dia Nacional do Livro Infantil, instituído em 2002 como uma homenagem ao escritor Monteiro Lobato. Como psicóloga, como avalia a importância da data?
A literatura é essencial na formação do sujeito e para o pleno exercício da cidadania, daí a importância da celebração da literatura infantojuvenil. Toda pessoa deve ter garantido o direito à leitura. Como afirma Silvia Castrillón, relembrando Emília Ferreiro*, a leitura é um direito e não um luxo de grupos restritos, nem uma obrigação. Garantir esse direito é essencial, pois sem ele não pode haver o exercício pleno da democracia. Então é algo bem maior do que levam a crer algumas campanhas sobre adquirir o “hábito” de ler, em que parece que ler é algo bonito, porém acessório, de importância menor. Por isso, penso que toda(o) psicóloga(o) deve estar atenta(o) a essa questão fundamental.
Que observações a Psicologia faz sobre a relação entre literatura e desenvolvimento infantil?
Para o desenvolvimento da criança, é fundamental que ela vivencie, desde que nasce, as cantigas, os contos da tradição oral, as parlendas... Desde que nasce, também, ela deve ouvir histórias lidas para ela, conhecer o livro, poder manuseá-lo... Assim, ela vai estruturando uma “morada das palavras”. A leitura não deve se restringir, na infância (nem na vida adulta), a obras didáticas e paradidáticas, pelo contrário, é importante sempre que a literatura tenha um lugar privilegiado. Ana Maria Machado diz que a literatura é especial porque “pode não ensinar a ver o mundo, porém ajuda a compreender de que maneira ele existe”**. O fundamental na literatura é que ela é um contexto muito privilegiado para você conseguir se colocar no lugar do outro, para você sair de um ponto de vista único, rígido. A literatura traz a alteridade e com isso você se olha também “de fora”. Situações que você não vivenciou diretamente, conflitos e emoções inicialmente estrangeiros passam a fazer parte de seu continente subjetivo, que se torna cada vez mais rico. Não me lembro agora quem foi que disse que a literatura não traz fatos, mas traz verdades. Mas eu acho que, principalmente, a literatura é algo que não tem utilidade, e isso é muito bom. Precisamos ler por ler, sem pensar na utilidade. E ler bons livros com as crianças, obras que nos encantam. Se você acha o livro chato, moralista, com um significado único, achatado, sem camadas para explorar, pode ter certeza que a criança também está sentindo isso. Nesse sentido, é muito restrito querer instrumentalizar a literatura para conseguir isto ou aquilo, embora também seja verdade que haja inúmeros benefícios, com evidências empíricas bastante robustas, de se ler com uma criança para aspectos específicos de seu desenvolvimento, como vocabulário, narrativa, possibilidade de nomear sentimentos, dentre outros.
Em um contexto de rotinas cada vez mais agitadas, acesso a uma infinidade de informações e forte influência da cultura digital, como promover o incentivo à leitura na infância?
A leitura é sempre muito bem recebida pelas crianças. Se os familiares chegam e oferecem aquele momento de aconchego, em que vão ler juntos uma história, um poema, cantar ou contar causos, aquele é um momento muito desejado pela criança, que de forma alguma vai ser anulado pelo desejo de um tablete ou de um computador. Vai ter troca, conversa, proximidade, e o tablete não oferece nada disso. Ali vai ter história, e a gente é feito de histórias.
*Castrillón, S. (2011). O direito de ler e de escrever. São Paulo: Pulo do Gato.
** Machado, A.M. (2011). Silenciosa Algazarra. São Paulo: Companhia das Letras (citação da p. 19).