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23 DE ABRIL - DIA NACIONAL DA EDUCAÇÃO DE SURDOS - ENTREVISTA COM A PSICÓLOGA ANDRÉA CHAVES

23 DE ABRIL - DIA NACIONAL DA EDUCAÇÃO DE SURDOS - ENTREVISTA COM A PSICÓLOGA ANDRÉA CHAVES



Em referência ao Dia Nacional da Educação de Surdos, celebrado neste 23 de abril, o Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal (CRP DF) conversou com a psicóloga Andréa Chaves sobre os desafios, perspectivas e possibilidades de inserção da Psicologia na educação de pessoas com deficiência. Andréa trabalha é mestre em Psicologia Social, Organizacional e do Trabalho e especialista na Inclusão Profissional da Pessoa com Deficiência, tendo atuado há 12 anos com o tema inclusão. Atualmente é psicóloga da Secretaria de Estado de Saúde do Governo do Distrito Federal.

Quais são os desafios da educação para surdos no Brasil e na atualidade? O que já evoluiu e o que ainda precisa melhorar?

A pessoa com deficiência auditiva ainda é excluída de vários contextos educacionais devido à falta do intérprete de sinais. A  Libras é muito mais que uma simples interpretação, é uma língua que tem estrutura própria (síntese, semântica, morfológico, fonólogo e pragmático). É a segunda língua oficial do nosso país, conforme o Decreto 5.296/04, porém com poucos profissionais habilitados. O grande desafio da educação é a falta de ensino customizado e adequado para o surdo, o que resulta em uma formação superficial do surdo. Com isso, temos um ouvinte e um surdo com a mesma formação acadêmica e com diferentes níveis de conhecimento, e isso é um grande limitador para o surdo. Mesmo com as leis do nosso país, a educação ainda é um grande desafio em Brasília, pois temos apenas uma escola que é bilíngüe. Acredito que já evoluímos nas legislações reconhecendo a Libras como língua oficial no nosso país, porém é necessária agora uma evolução no cumprimento de leis e no aumento de escolas para os surdos.

Você validou a primeira escala de valores do trabalho para Libras. Poderia nos explicar o que seria esse instrumento e qual a sua importância? Como funciona esta validação?

A Escala de Valores do Trabalho é um instrumento criado pelos doutores em Psicologia Álvaro Tamayo e Juliana Porto e, posteriormente, reestruturado pelos doutores Juliana Porto e Ronaldo Pilati. A escala tem como objetivo avaliar quais valores do trabalho são princípios norteadores sobre metas ou recompensas desejáveis no trabalho. Este instrumento é importante para entender o que o trabalhador pensa acerca do trabalho e como seus valores interferem na sua atuação. Os deficientes auditivos estão inseridos no mercado de trabalho e, pela falta de compreensão dos seus valores e de sua cultura, não conseguem evoluir em sua carreira, mesmo tendo habilidades e cognição preservados. A validação aconteceu com um grupo de surdos e foi bem complicada porque tivemos que fazer duas amostras. Na primeira etapa, optou-se pelo processo de tradução reversa (back-translation). Assim, foi feita uma adaptação da escala EVT-R para Libras por um intérprete de Sinais credenciado pelo MEC, que traduziu a escala do Português para Libras. Esse procedimento foi gravado em vídeo e aplicado em um grupo de surdos, porém o resultado não foi satisfatório em relação à validação, pois não manteve as perguntas originais. Decidiu-se então utilizar os próprios surdos para tradução em Libras, convidou-se  dois surdos que receberam a escala EVT-R em forma impressa na língua portuguesa e fizeram a tradução para Libras. Após essa re-tradução, a escala foi submetida à análise do juiz que verificou se os itens mantinham o mesmo significado da escala original. Foi quando tivemos o aval para aplicar em um grupo de surdos. O resultado da aplicação identificou que os valores do trabalho dos surdos difere dos ouvintes e que a participação do surdo na pesquisa foi determinante no sucesso da pesquisa. Com isso, eu até hoje tenho uma grande inquietação, como o surdo responde aos testes de Psicologia que são feitos na língua portuguesa? Na minha compreensão esses resultados são inclinados a margem de erro, pois são feitos em português, que não é a língua oficial do surdo. É necessário portanto criar instrumentos de análise psicológica na Língua de Sinais, que podem ser apresentados em forma de vídeo e que necessariamente a participação no surdo na construção trará o diferencial necessário. Este tipo de pesquisa é complexo e demanda várias interfaces e estudos, mas é uma área grande a ser explorada.

Como é o trabalho que você realiza e por que são necessárias e relevantes iniciativas de inclusão como essa?

Hoje eu realizo um trabalho de disseminação da inclusão em todos os contextos sociais, em especial no contexto de trabalho.  A inclusão é um dever de todos, não sabemos o que acontecerá conosco no futuro e ninguém vai desejar viver no escuro por uma diferença. Afinal "ser diferente é normal". Partindo deste principio, meu desejo é ver todos os profissionais olhando para as pessoas com deficiência como um cidadão de fato e de direito, que compra, assiste TV, vai ao cinema, ao teatro, estuda, casa, vai ao médico, tem filhos, produz, consome... Meu trabalho hoje tem alcançado uma repercussão porque infelizmente tem sido pioneiro em algumas áreas, principalmente no serviço público, o que me causa tristeza. Já atendi pessoas com deficiência de alto nível profissional (médicos, analistas, administradores), porém subutilizados por questões de acessibilidade arquitetônica ou comportamental. Meu trabalho é resgatar a identidade dessa pessoa e mediar o processo de inclusão no nível de intervenção necessária. Tento sempre customizar meu trabalho com a realidade da pessoa que atendo e do local ou da demanda que ela precisa. Meu sonho é ver cada área de influencia exercendo práticas inclusivas: é o repórter que ao fazer um vídeo de divulgação vai lembrar-se da janela de libras e da áudio-descrição, é o vendedor que vai saber abaixar para falar com um usuário de cadeira de rodas, é o professor que vai entender que as diferenças tornam o ambiente propicio ao novo, é o restaurante que vai treinar seus funcionários para atender qualquer público, é a rua que vai dar acesso a todos. Neste dia eu sorrirei como os que sonham.

Nem todos sabem, mas existe uma cultura surda. Comente um pouco sobre ela, suas peculiaridades, natureza e traços do seu desenvolvimento, além de feitos a título de divulgação dessa cultura.

A cultura surda é diferente dos ouvintes, devido ao fato de que os processos de repasse de valores culturais e sociais acontece por meio da comunicação. Os pais desde cedo começam a ensinar seus filhos sobre valores e cultura. E quem faz isso com os surdos? Raros os casos de pais de surdos falarem libras. Com isso, quem educa a criança surda? Os surdos tendem a se aglomerar em grupos e isso acontece quando os mesmos já estão em uma idade de autonomia, e nesse grupo eles passam valores e culturas que vão multiplicando entre os surdos. A elaboração dos conceitos está entre as formas superiores de ação consciente e revela-se um modo culturalmente desenvolvido de o sujeito refletir cognitivamente suas experiências. Isso acontece nos grupos de surdos e dificilmente tem a intervenção dos ouvintes. A linguagem corresponde ainda a uma das habilidades especiais e significativas dos seres humanos, compreendida como um sistema de sinais de duas faces - significante e significado. E a Libras tem uma estrutura própria e por ser a língua natural dos surdos, eles desde a mais tenra idade se comunicam por sinais. Nos primeiros anos de vida, aprende-se a comunicar e isso é feito, em grande parte dos casos, pela fala. Com as pessoas com deficiência auditiva (DA) isso não ocorre, o que muitas vezes gera um atraso na aprendizagem, até os pais perceberem que ser DA não é um erro a ser corrigido, mas uma característica com a qual se deve lidar. O atraso também se dá pela demora de os pais procurarem um diagnóstico pontual para entender o porquê de seu filho não reagir a ruídos e barulhos.É possível observar claramente como os surdos andam em grupos, basta olhar os grupos jovens de surdos: sempre caminham juntos para facilitar sua vida e interação social. O entendimento dessa cultura é fundamental para a convivência harmônica com essa população.

De que forma a Psicologia se insere no contexto de educação para surdos? Quais são as responsabilidades das(os) psicólogas(os) em relação à inclusão e a educação de surdos?

O psicólogo por vezes é o profissional que abre e fecha as portas nas organizações, nas escolas, no consultório. E com isso pode atuar na educação dos surdos em níveis diferentes. A Psicologia é um mediador em diferentes contextos sociais e cabe a ela melhorar e ampliar este olhar ao “ser humano”. Eu acredito que a formação do psicólogo deva se abrir com matérias específicas acerca dessa população que está crescendo, dia após dia.  Hoje temos segundo o IBGE 24% da população com algum tipo de  deficiência. Isso equivale a 45,6% milhões de pessoas. Acredito ser um número expressivo para nós psicólogos atuarmos. A educação dos surdos é, ao meu ver, a maior dificuldade no processo de inclusão, porém é o mais importante. A educação antecede a profissionalização e a inserção prazerosa na vida adulta.  A Psicologia precisa se posicionar e atuar de maneira efetiva no auxilio da formação dos professores, na acessibilidade comportamental e na humanização dos processos. Os surdos são um grupo de pessoas tão bom de trabalhar porque eles próprios tem prazer de ensinar a Libras e incluir o ouvinte em sua cultura. Eu, particularmente, mesmo sendo deficiente visual parcial e tendo muitos amigos com mobilidade reduzida, amo a diversidade da cultura surda e sou apaixonada pelo que aprendi e aprendo com eles. Por fim, quero deixar um misto de pensamentos que me motiva, a cumprir meu propósito, minha missão e meu destino. Porque eu acredito que tudo que tenho e tudo que também não tenho cooperam para esse cumprimento, então talvez por um motivo como este eu nasci sem enxergar de um olho e ao longo da minha vida recebi em formas de pessoas e oportunidades a experiência de atuar com a inclusão de pessoas com deficiência.



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