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PSICOLOGIA NAS OLIMPÍADAS E PARALIMPÍADAS 2016 - ENTREVISTA COM O PSICÓLOGO DO ESPORTE, GEISON ISIDRO MARINHO

PSICOLOGIA NAS OLIMPÍADAS E PARALIMPÍADAS 2016 - ENTREVISTA COM O PSICÓLOGO DO ESPORTE, GEISON ISIDRO MARINHO


O Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal (CRP DF) vem apresentando uma série de materiais sobre a atuação de psicólogas e psicólogos no contexto do esporte. Esta semana conversamos com o psicólogo Geison Isidro Marinho, que tratou do cenário da Psicologia do Esporte no Distrito Federal e no Brasil, elencando alguns dos desafios e perspectivas para o exercício profissional. Geison Isidro Marinho é psicólogo clínico e mestre em Psicologia com ênfase de atuação nos temas motivação e análise do comportamento, tendo ampla experiência no campo esportivo.

O que despertou o seu interesse pela Psicologia do Esporte?

Eu era atleta de voleibol em São Paulo, onde permaneci jogando por cinco anos em uma equipe de ponta que, na época, era referência no Brasil. Naquela ocasião, algumas questões me inquietavam porque eu era atleta e também filho de psicólogo. Uma das coisas que eu questionava era o fato de que embora muitos atletas tivessem, aparentemente, as mesmas condições físicas e fossem submetidos a treinamentos semelhantes, alguns conseguiam um desempenho extraordinário e outros não. Comecei a pensar algumas coisas relacionadas ao mundo psicológico, como autoconfiança, noções de liderança, controle emocional, controle de medo, a maneira como o indivíduo lidava com o erro, e essas questões começaram a passar por minha cabeça. Minha escolha por Psicologia partiu daí. Nessa mesma ocasião eu tive uma lesão que me tirou das quadras e a partir disso eu comecei a estudar Psicologia não apenas com o viés do esporte, mas como algo mais abrangente para conhecer a área. Foi quando voltei para Brasília e aqui eu me mantive um pouco mais voltado à clínica por uma influência familiar, mas sempre com um pé no esporte.

Durante o mestrado, comecei a atuar com um grupo de estudos e de trabalho voltado à Psicologia do Esporte e foi quando comecei a ter alguns trabalhos esporádicos na área com algumas pessoas que me procuravam. Aqui em Brasília nós temos uma realidade distinta. Temos um pólo que costumamos dizer que é um grande celeiro de atletas, mas eles não ficam aqui. Os atletas vão para o eixo Rio-São Paulo, Minas, hoje um pouco mais no sul também porque as condições de apoio ao esporte aqui são mínimas, embora a cidade já tenha revelado grandes atletas, como Joaquim Cruz, o próprio Lúcio do futebol, o Tande do voleibol começou a atividade aqui, o Josenias do voleibol também, alguns nomes do basquete também, triatlo e natação.

Quando falamos em Psicologia, é comum que as pessoas apontem para o trabalho realizado em um consultório clínico. No caso da Psicologia do Esporte, há especificidades? Como ocorre?

Depende muito do tipo de trabalho exercido. Por exemplo, se temos um psicólogo de equipe, pode ocorrer uma contratação para que, em tempo integral, ele se disponha a estar ali atendendo as demandas do clube. Então nós temos algumas referências no país que já trabalharam assim, como Susy Fleury, Kátia Rubio e outros profissionais. É um trabalho full time dedicado a determinada equipe. Então nós temos as demandas individuais, temos as demandas da equipe, e o psicólogo estaria atento a essas demandas. Por outro lado, tem o trabalho individual, quando temos por exemplo atletas individuais que solicitam acompanhamento psicológico. Então o trabalho será mais pontual em relação a esse atleta, que pode ser feito na localidade ou no espaço de treinamento do atleta ou em consultório dentro de um clube ou fora do clube. Essa logística varia de acordo com a conveniência do psicólogo, da equipe e de como tudo se organiza. Hoje observamos mais um trabalho dentro do contexto do clube quando se refere a equipes. Alguns psicólogos acabam atendendo às demandas dessas equipes fora também. Nos individuais é um pouco diferente. O psicólogo pode atender no seu consultório, por exemplo, atendendo a algumas demandas que vêm de fora e indo à localidade de trabalho ou treinamento de uma forma pontual.  Depende da natureza do trabalho.

O que costuma ser trabalhado com os atletas?

Geralmente, a gente lida com o manejo de emoções. Basicamente, as pessoas falam de Psicologia do Esporte voltadas a esse manejo de emoções. No entanto, não é apenas isso que o psicólogo trabalha. O psicólogo esportivo vai trabalhar em três dimensões do comportamento: uma dimensão do chamado comportamento público, que é o próprio desempenho do atleta e aí a gente fala por exemplo de execução de movimento, precisão, força, o treinamento esportivo que é um treinamento físico no sentido de você repetir uma determinada atividade várias vezes até que entre no chamado nível de excelência. Esse é um tipo de comportamento que a gente lida. Tem o aspecto dos pensamentos, que é uma outra classe comportamental: o que o atleta pensa durante a execução, o que ele não pensa, que é um tipo de comportamento particular importante também do ponto de vista da atividade esportiva. O atleta que está pensando demais no que não pode fazer, por exemplo, pode ter uma interferência no repertório. Então existem por exemplo atividades que chamamos de parada de pensamento ou bloquear pensamentos disfuncionais em termo geral. E o manejo de emoções, que é o indivíduo aprender a lidar com as emoções, fazendo com que elas funcionem em um chamado ponto ótimo, que é aquele que auxilia no exercício ou na atividade em si e não gera comprometimento no resultado. Se o sujeito estiver ansioso em excesso, que é uma resposta emocional, certamente terá prejuízo na performance. Se ele estiver tranquilo demais, também terá prejuízo na performance. Então esse quadro emocional tem que trabalhar dentro de um ponto ótimo. O indivíduo não pode sentir raiva? Pode. Em alguns momentos até deve. Mas ela deve ser devidamente equilibrada para que não haja prejuízo na performance. Pode sentir ansiedade? Deve. Alegria? Também. Essas reações emocionais só precisam ser devidamente manejadas e o indivíduo precisa aprender a lidar com isso.

Isso varia de uma modalidade esportiva para outra?

Se você considera modalidades que lidam muito com explosão, como 100 metros rasos, natação, o atleta deve ter uma qualidade de respostas emocionais e pensamentos muito particulares. Em provas de longas distâncias, você está lidando com aspectos muito mais relacionados a estratégia, o controle emocional quando um atleta se aproxima de outro e vai ultrapassá-lo. Isso tem um efeito emocional importantíssimo. Atletas que conseguem se recuperar e outros que não. Então você está lidando com outras qualidades de emoções. Em provas de explosão, você está lidando basicamente com  pensamento quase zero, repetição do comportamento no máximo e uma descarga de adrenalina que não temos nem como pensar sobre o que o atleta está sentindo. Ele tem de estar em um nível de ansiedade pré-prova interessante para que ele tenha rapidez na prontidão de resposta e exerça o comportamento no máximo que ele puder. Provas de longa distância já são diferentes. Em competições onde envolvemos modalidades coletivas, já entrariam outras qualidades de características de comportamento, como o trabalho em equipe, liderança, controle emocional. Logo, cada modalidade e tipo de competição acabam levando a um conjunto de características específicas, não só físicas como psicológicas.

Como psicólogo do Esporte, você chegou a trabalhar em equipes multidisciplinares? Como foram as experiências?

Em geral, há um interesse de apoio à equipe, tanto de nutricionistas, como de fisioterapeutas, o corpo técnico, que é muito importante, e eu entendo que deve haver uma sinergia entre esses profissionais para que o objetivo seja alcançado e todos trabalhem em prol desse objetivo. No entanto, há casos em que não existe essa sinergia entre os profissionais e, obviamente, o trabalho míngua quando isso acontece, não se sustenta. Afinal, o resultado esportivo decorre de múltiplos fatores: o atleta é um deles, qualidade de alimentação é outro, qualidade de treinamento é mais um, temos ainda a vida particular do atleta, o mundo psicológico dele, a própria realidade do clube é outro aspecto e, para que você tenha um campeão mundial olímpico, é preciso um investimento de diversos setores e não só o trabalho específico de uma única pessoa. Aqui no Brasil, a gente observa que os técnicos tendem a levar adiante todo o trabalho, inclusive o psicológico. Países que lidam com uma forma mais profissional em relação ao esporte têm um trabalho mais integrado entre psicólogos, fisioterapeutas, preparadores físicos, técnicos, direção de clube. Tudo acaba funcionando de maneira integrada para alcançar o resultado. Nos Estados Unidos, praticamente todas as equipes têm um psicólogo e, em alguns casos, um psicólogo para um determinado atleta. Alguns atletas contratam um psicólogo como forma de obter um desempenho melhor, e esse trabalho do psicólogo deve ser integrado com os demais membros da equipe ou os profissionais que participam da preparação daquele atleta.

A rotina de um profissional de alto rendimento é bastante intensa em termos de treinamento e disciplina. Como costuma ser a relação do atleta com os processos envolvidos no acompanhamento psicológico?

Não é qualquer pessoa que consegue lidar com as variáveis que um atleta consegue lidar porque é uma pessoa que tem muitas privações, a repetição de um esforço elevado por muito tempo e geralmente os benefícios só são observados no longo prazo. É uma pessoa que precisa ter uma grande resistência à frustração, porque é uma realidade em que os benefícios exigem muito esforço e não aparecem rapidamente. Naturalmente, você tem que lidar com alguém que tem uma característica pessoal diferenciada, que precisa controlar o consumo de bebidas, namoro, festas e outras coisas, além de acordar cedo, muitas vezes sentindo dor, que é algo com o que o atleta precisa conviver. Então a relação que ele tem com o trabalho psicológico ocorre muito no sentido de o psicólogo oferecer um apoio para que o indivíduo possa sustentar essa condição ao longo do tempo. Em um primeiro momento, há um certo preconceito em relação à Psicologia, mas em seguida o atleta reconhece a necessidade e procura o psicólogo para conversar e trazer as suas questões e elas são conduzidas de uma forma a trazer o desempenho melhor. A integração acaba acontecendo no dia a dia nesses períodos de folga. Atleta geralmente treina em dois turnos e é nas pausas que costuma ocorrer um trabalho psicológico à parte e o atleta pode procurar um psicólogo fora, por exemplo. Mas acontece também de o psicólogo acompanhar esse período de treinamento, duas vezes por semana ou em período integral, vendo como a coisa funciona, chamando o atleta em um canto, discutindo algumas questões.

Como você avalia a conjuntura da Psicologia do Esporte hoje no Brasil, pensando também nesse contexto de olimpíadas?

O Brasil é um país que tem um potencial humano enorme para se tornar uma grande referência em esporte. Em algumas modalidades, já somos referência, mas não costumamos nos sustentar por muito tempo porque não há um trabalho adequado para isso. Eu tive a felicidade de fazer parte de um grande projeto que tornou o vôlei brasileiro referência no mundo. Era um projeto que se iniciava com os atletas vivendo o voleibol 24 horas por dia. Eles estudavam por conta do voleibol, treinavam, eram educados para ser atletas de ponta. Tive a felicidade de conviver com atletas que estão finalizando a carreira agora, como Gustavo, Rodrigão, William agora, Nalbert. Com todos esses caras e outros mais eu tive a felicidade de ter esse convívio porque fazíamos parte de um projeto. O voleibol teve a sorte de ser bancado por algum tempo por empresas muito fortes do ponto de vista econômico e que garantiram que tivéssemos uma geração de atletas. Essa semana o Brasil foi campeão no Grand Prix feminino e se olharmos para trás vamos ver que, do ponto de vista do voleibol de quadra ou de areia, fomos campeões olímpicos e sustentamos o título de melhores do mundo. Então a perspectiva é ótima considerando o material humano e as ideias que temos são muito boas, mas infelizmente a maior parte dos projetos não se sustenta. Honestamente, eu esperava que do ponto de vista olímpico houvesse um sonho na consolidação de alguns projetos. Alguns até foram para a frente, como o projeto da ginástica olímpica que está formando atletas campeões há algum tempo, o voleibol, o basquete que tem melhorado bastante com o Novo Basquete Brasil, a nova liga que foi criada, o NBB. Mas o investimento ainda não ocorre da forma como deveria. Há um lado promissor, mas não há continuidade no trabalho.  Quando tivemos continuidade, os resultados vieram, e vieram de uma forma muito saudável, mas como não há ainda a adequação à realidade, a tendência é a coisa ir se perdendo. Quantos projetos legais nós tínhamos aqui em Brasília, como o Força Olímpica, os times de Brasília, da AABB, mas vão se perdendo e os atletas que começam aqui saem para tentar a vida em outros locais e nesses locais também não há um trabalho integrado da base ao profissional. Algumas equipes que fazem isso, seja no futebol, no vôlei, no handebol ou no atletismo, na natação, acabando tendo resultados muito legais, mas infelizmente a gente não vê uma continuidade, há uma negligência para grandes projetos e uma grande saída pode ser investir nesses projetos de longo prazo.

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