Série Especial
25 de maio - Dia Nacional da Adoção
Entrevista com a psicóloga Soraya Pereira, presidente da ONG Aconchego
Segundo dados do Cadastro Nacional de Adoção, o Brasil tem hoje cerca de 33,6 mil pessoas interessadas em adotar e pouco mais de 5,6 mil crianças e adolescentes inscritos para formalização jurídica de vínculo familiar. Para falar do papel e dos desafios da Psicologia nesse campo de atuação, entrevistamos a psicóloga e psicodramatista Soraya Kátia Rodrigues Pereira, presidente da ONG Aconchego, entidade que desenvolve ações e tecnologias sociais em prol da convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes em acolhimento institucional.
Que desafios estão elencados hoje para a Psicologia no campo da adoção?
O grande desafio nosso é valorizar o papel dos pais como cuidadores e focar na relação filial com cumplicidade afetiva, compromisso, respeito, convicção e a certeza da capacidade de educar que cada um tem. Estamos num momento em que muito pais acham que os filhos são muito inteligentes, já nasceram com "chip" e, portanto, não têm muito o que investir no dia a dia dessa relação. Adotar é essencial para a filiação. Não existe filho que não seja por adoção. Todo filho tem que ser adotado afetivamente por seus pais. Filho biológico, todos nós já somos. Afetivos, poucos são. Filho é uma relação afetiva.
Além do interesse do(s) adulto(s), a legislação brasileira considera a adoção como um direito infantojuvenil? As políticas públicas e demandas das famílias se atentam às necessidades e anseios das crianças e dos adolescentes?
Estamos num momento de mudança social/ cultural do significado da adoção no contexto da infância e adolescência. Hoje começamos a olhar para os direitos e desejos da criança e do adolescente. A prioridade na adoção é uma família para uma criança/adolescente. Temos que focar o melhor interesse da criança/adolescente. Há a preocupação judicial, psicoafetiva e social desde o momento do acolhimento da criança/adolescente, a análise do tempo (máximo 2 anos) de institucionalização e a decisão de reintegração familiar ou adoção. Sabemos que temos uma carência de políticas públicas, mas temos o terceiro setor que está mobilizado. Temos grupos de apoio à adoção em quase todo território brasileiro que estão dispostos a trabalhar para garantir os direitos infantojuvenis. Esses grupos são vinculados à Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (ANGAAD). Em Brasília temos o Aconchego, que trabalha com essa temática há 18 anos. Precisamos olhar para as nossas crianças e adolescentes. Eles precisam ser e acreditar que podem ser respeitados.
Seja por meio da mídia tradicional ou de outros espaços de discussão e exposição de ideias, temos visto a propagação de um discurso bastante conservador por parte de segmentos da sociedade brasileira. Um dos assuntos que vêm sendo debatidos no âmbito do poder público, por exemplo, é a diversidade no contexto familiar. Essas discussões têm reflexo sobre as políticas de adoção atualmente?
Sim, temos hoje um projeto de lei que considera família somente as constituídas por um homem e uma mulher e como descendentes os que tem uma ligação sanguínea. É um absurdo! É retroceder no tempo. Família é um núcleo afetivo que acolhe e desenvolve um bem-querer e um querer bem, sem a preocupação do DNA. Precisamos de bons pais, bons cuidadores. Pessoas que respeitem e que queiram ser pais para seu filho/filha. Isso não depende de gênero.
Que contribuições você avalia que a Psicologia pode trazer para esse debate?
Muitas contribuições. O desenvolvimento histórico cultural é um reflexo do comportamento humano. Portanto, o centro é o indivíduo. O indivíduo precisa acreditar no poder de ação, de transformação que cada um de nós tem. Precisamos reverenciar o outro como um agente transformador, como atores sociais. O curso de Psicologia precisa ter estudo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), precisa ter noção de políticas públicas e muitas outras informações sociais, informações do desenvolvimento psicoafetivo do indivíduo. A adoção é vivenciada todos os dias: adotamos uma profissão, adotamos um amigo/amiga, adotamos um companheiro/companheira, vamos adotando na vida, mas não paramos para pensar nisso. A atitude adotiva é a solução para muitos problemas sociais. Precisamos amadurecer a ideia de que é no aqui e no agora que podemos transformar, que somos capazes de gerar mudanças, que não precisamos esperar. Quem sabe e quer, faz a hora, não espera acontecer.
Saiba mais
Uma das ações do projeto Aconchego consiste em cursos pré-adoção, nos quais profissionais - entre eles, psicólogas e psicólogos - oferecem orientações iniciais para as famílias. De acordo com a presidente da entidade, esse trabalho visa a conscientizar o pretendente para o papel de pai e/ou mãe sobre a importância da filiação e sobre a sua disponibilidade afetiva para investir na construção da relação. "O trabalho do psicólogo é importantíssimo, fundamental. É um momento de acolhimento, de desejos, sonhos e expectativas envolvidos na construção afetiva. Muitos pais têm o filho idealizado como modelo e não sabem lidar com o filho real, que está chegando. Querem engessar a criança/ adolescente e isso muitas vezes gera conflitos. Preparação é fundamental, é passar as informações e ajudar na elaboração. Ajudar na incorporação e na re-significação do querer um filho. É saber que filho eu dou conta de ter", observa a psicóloga.