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CRP 01/DF ENTREVISTA JOÃO GABRIEL MODESTO: O QUE A PSICOLOGIA TEM A DIZER SOBRE CORRUPÇÃO?

CRP 01/DF ENTREVISTA JOÃO GABRIEL MODESTO: O QUE A PSICOLOGIA TEM A DIZER SOBRE CORRUPÇÃO?


No Dia Internacional Contra a Corrupção, o CRP 01/DF conversa com o autor da tese “Modelo de Antecedentes da Corrupção: Propositura e Evidência de Validades”

A corrupção, presente e recorrente na atualidade, é objeto de estudo em diversas áreas além da Psicologia e não só no Brasil, como em vários países. Não por acaso, o tema foi abordado pela ONU e formalizado na Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, promulgada em 2003. Assim, desde 2005, quando ela entrou em vigor, o Dia Internacional Contra a Corrupção é mundialmente celebrado em 9 de dezembro.

Para destacar a importância desta data e a relação da Psicologia com o assunto, o Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal conversou com o psicólogo social João Gabriel Modesto, que é mestre em Psicologia Social do Trabalho e das Organizações e doutorando nessa área pela Universidade de Brasília (UnB).

Entender o comportamento corrupto é um desafio buscado pela Psicologia há anos, não somente sob a perspectiva comportamental e clínica, como também no contexto social. Teóricos como Dan Ariely, Daniel Kahneman e Amos Tversky possuem aprofundadas pesquisas relacionadas ao tema. Eles foram alguns dos pesquisadores que inspiraram o psicólogo João Gabriel, em sua tese, intitulada “Modelo de Antecedentes da Corrupção: Propositura e Evidência de Validades”, em execução soba orientação do professor Ronaldo Pilati. Nela, ele desenvolve um modelo teórico conceitual sobre corrupção dentro da Psicologia Social e, a partir da proposição desse modelo, tem realizado uma série de estudos para testar e compreender melhor o comportamento corrupto, em busca de elementos que fundamentem possíveis ações contra a corrupção.

Confira a entrevista:

 

1) Em que consiste este modelo teórico que você propõe em sua tese de doutorado? De que maneira o trabalho vem sendo conduzido?

Estou desenvolvendo um modelo teórico conceitual sobre corrupção dentro da Psicologia Social, que é minha área de especialização. A partir da proposição desse modelo eu estou realizando uma série de estudos para testá-lo, de forma que possamos compreender melhor, do ponto de vista da Psicologia, quais variáveis e quais processos ajudam a explicar o comportamento corrupto e, então, encontrar fundamento para poder também, futuramente, pensar em intervenções.

Basicamente, o que eu estou propondo é um modelo que englobe diferentes níveis de análise. Por um lado, para entender o comportamento corrupto, eu preciso avaliar processos do indivíduo (traços de personalidades, crenças, opiniões...) e como esses fatores individuais interferem no processo de tomada de decisão. Por outro lado, vou considerar também processos na dimensão de grupo (por exemplo, uma influência de um grupo pode favorecer um comportamento corrupto? De maneira prática, se a gente pensar no indivíduo que está dentro de um partido que assume uma conduta corrupta, ele também tem a tendência de assumir?). E outro nível que eu analiso é a dimensão macro (cultura, fatores contextuais...), variável que nós da Psicologia Social também consideramos para entender o comportamento humano.

 

2) O modelo teórico conceitual, neste caso, é um conjunto de ideias que definam a corrupção. Assim, o que é a corrupção?

A definição mais clássica de corrupção é a da Transparência Internacional, que é um órgão de combate à corrupção, que anualmente estabelece um ranking sobre corrupção entre os países. Segundo ela, a corrupção é um abuso de poder confiado para ganhos privados. Quando a Transparência Internacional estabelece esse tipo de definição genérica, ela está englobando tanto as grandes corrupções como as pequenas corrupções. Além disso, uma posição que o indivíduo ocupe em determinado momento pode favorecer o seu comportamento corrupto.

 

3) O histórico de vida de uma pessoa corrupta é um diferencial?

Sim. Existem algumas pesquisas em que há evidências na literatura de economia comportamental que: uma vez que a pessoa comete um pequeno ato desonesto é mais fácil que ela volte a cometer. Além disso, em geral, a pessoa não comete uma grande infração de imediato, um grande ato corrupto, mas sim, começa com as pequenas corrupções e isso tende a crescer gradualmente.  Então, pensando em termos de histórico de vida, poderíamos dizer que o diferencial seria o histórico de vida associado a experiências anteriores com comportamento honesto e comportamento desonesto.

 

4) Por que é comum associar a corrupção à política?

Do ponto de vista da pesquisa, há uma quantidade maior de estudos nessa direção, pois vem tradicionalmente da economia e da ciência política o costume de se pesquisar governos corruptos e estruturas econômicas que favoreçam a corrupção, dentro daquela lógica macro. E, pensando no senso comum e na sociedade brasileira, é realmente por causa da quantidade de notícias que vemos sobre corrupção no nosso governo. Então, é inevitável essa associação.

Naturalmente, ao pensar numa pequena corrupção individual, em comparação com uma corrupção dentro do governo, percebemos que a diferença de impacto para a sociedade é muito grande. Uma coisa é um individuo cometer um ato de infração, que é sim algo danoso, mas nem se compara à repercussão de uma decisão corrupta no âmbito governamental. Então, a sociedade acaba entrando em contato constantemente com as denuncias de corrupção no governo e sente, na prática, como isso acaba se revertendo em prejuízos para o coletivo.

 

5) Há quem diga que pessoas que votam em candidatos corruptos o fazem pois são, de alguma maneira, corruptas também. Você acredita que o voto é o espelho do votante?

Existe um discurso no senso comum que dificulta pensar essa questão, que é a propagação do pensamento de que todo político é igual. Falar que todo político é igual é dizer: eu posso votar em qualquer pessoa, que isso não vai gerar nenhuma diferença. Nesse caso, se todos os políticos são desonestos por si só, o cidadão vai buscar outros elementos que o ajudem a decidir o voto, o que, consequentemente, pode repercutir na manutenção desses candidatos que estão envolvidos em alguma prática desonesta. Toda essa crença dificulta a tomada de decisão do voto para o individuo, que muitas vezes nem se dá ao trabalho de procurar o histórico dos políticos.

Assim, eu não acho necessariamente que o voto é o espelho do votante, no sentido de que uma pessoa que vota num candidato corrupto, vota porque é desonesta. Não acredito nessa perspectiva, pois o processo de tomada de decisão política é mais complexo que isso.

 

6) Existe um conformismo social referente à corrupção, relacionado ao pensamento de que “já que todo mundo é corrupto, vou ser também”?

Totalmente. Algo que estamos considerando nessa análise é a ideia de influencia social e de conformidade social, na medida em que se as pessoas de um grupo agem de maneira corrupta é mais provável que o individuo nele inserido aja assim também. Há uma tradição de pesquisa em Psicologia Social que mostra o impacto da conformidade. Quando você percebe um individuo do seu grupo agindo de maneira desonesta é mais fácil e mais provável que você aja também de maneira desonesta. Parte de minha pesquisa é inspirada nesses estudos.

 

7) A corrupção é praticada consciente ou inconscientemente? De que forma deve ser feita essa análise?

Tradicionalmente, na economia, se entendia o comportamento corrupto como algo totalmente racional e consciente, em que o indivíduo avaliaria as possibilidades de ganhos e o risco associado à ação. Então, em síntese, o individuo agiria de maneira corrupta se ela achasse que os benefícios que teria da situação fossem ser maiores que os possíveis riscos ou prejuízos propriamente ditos e, a partir dessa comparação, tomaria uma decisão. Esse é, claramente, um elemento que influencia num processo de tomada de decisão de corrupção. Mas a Psicologia Social já vem dizendo que o nosso processo de tomada de decisão não é totalmente consciente.

Portanto, uma das coisas que eu testei na minha pesquisa foi um processo chamado aversão à perda, conceitualmente desenvolvido no âmbito da economia comportamental, pelo psicólogo Daniel Kaneman (vencedor do prêmio Nobel de Economia), em parceria com Amos Tversky. Segundo eles, nós somos mais sensíveis às perdas do que aos ganhos. Então, em última instância, o desconforto que sentimos ao perder R$ 100, por exemplo, é maior do que a alegria de ganhar a mesma quantia de R$ 100. Ou seja, o valor psicológico do ganho é diferente do valor psicológico da perda.

A Psicologia, então, começa a questionar essa pretensa racionalidade no âmbito econômico. Ao testar o processo de aversão à perda no contexto da corrupção e da desonestidade, questionei: será que o indivíduo, em uma situação de evitar uma perda – por exemplo, financeira – está mais propenso a agir de maneira desonesta e corrupta do que em uma situação em que ele passaria a ganhar um benefício pela primeira vez? Eu testei isso por meio de experimentos no laboratório, com pessoas em geral que aceitaram participar, estudantes etc., e efetivamente encontrei um resultado nessa direção. As pessoas, a fim de evitarem uma perda financeira, estiveram inclinadas a agir de maneira desonesta.

 

8) Como a aversão à perda pode influenciar a corrupção presente no cenário político do Brasil?

Apesar de ser um experimento localizado, o resultado dele é um dado que é alarmante ao transpormos para a estrutura política do nosso país. Se pensarmos a composição do legislativo, por exemplo, não existe um teto de reeleição para os parlamentares. Então, indago: será que, a fim de evitar a perda dos benefícios do cargo que possuem, os deputados e senadores já não estariam mais propensos a agir de maneira corrupta? Uma cultura em que já está presente a corrupção, somada a um viés de tomada de decisão (que é essa aversão à perda): acredito que estamos aparentemente numa situação meio delicada.

 

9) E como lidar com essa situação? Quais intervenções poderiam ser adequadas e quais medidas devem ser tomadas contra a corrupção?

Como elementos mais imediatos, uma possibilidade de intervenção mais específica em relação à estrutura política, seria a defesa de uma renovação política e, em última instância, pensar inclusive na definição de um teto de reeleição do legislativo.

Há também uma ação que se alinha àquela proposta defendida pelo Ministério Público – 10 Medidas Contra a Corrupção – e que não foi acatada pelo Congresso. Seria a punição de partidos políticos que tenham membros envolvidos, ainda que individualmente, em alguma prática corrupta. Tendo em vista os dados que a minha pesquisa vem identificando, essa medida se torna importante, por conta da influência do grupo. Se você pune o partido inteiro por uma conduta individual, isso favorece internamente o desenvolvimento de uma norma social de combate à corrupção e vai na contramão do conceito de conformidade.

Algo que poderíamos fazer também é a oferta de informação à sociedade. Na medida em que as pessoas tomarem consciência da existência do viés da aversão à perda, em geral, esse viés pode ter uma intensidade menor de consequências.

Outra medida seria combater as pequenas corrupções, para as pessoas passarem a ser individualmente menos tolerantes a isso e, assim, reduzirmos a norma social de que o brasileiro é corrupto, desonesto, além da ideia de “jeitinho” (que não é necessariamente um jeitinho brasileiro, pois é encontrado também em outras culturas). Uma das coisas que se defende quando se fala em intervenção sobre a corrupção é que na medida em que cada um começa a fazer a sua parte de não cometer pequenas corrupções, isso vai favorecer o desenvolvimento de uma cultura que não aceite esse tipo de situação, em que sejamos mais rígidos em relação a elementos ligados à desonestidade.

 



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