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NO DIA NACIONAL DO ORGULHO LGBT, O CRP 01/DF ENTREVISTA ABORDA A VULNERABILIDADE DESSA POPULAÇÃO

NO DIA NACIONAL DO ORGULHO LGBT, O CRP 01/DF ENTREVISTA ABORDA A VULNERABILIDADE DESSA POPULAÇÃO


“Orgulho, neste contexto, designa um processo histórico de reivindicação e luta por igualdade de direitos, numa população que é constantemente vítima de violações” (psicóloga Larissa Tavira) 

O dia 25 de março marca o Dia Nacional do Orgulho LGBT e o Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal (CRP 01/DF) não poderia deixar a data passar em branco, já que presta um papel de defesa dos direitos humanos e civis dessa população, por meio de sua Comissão Especial LGBT. Assim, para esclarecer algumas questões acerca da luta de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais, o projeto CRP 01/DF Entrevista conversou com a psicóloga Larissa Tavira, membra dessa Comissão.

Larissa é mestra em Psicologia Clínica e Cultura e graduanda em Filosofia. Ela já atuou como psicóloga no Centro de Referência em Direitos Humanos do Distrito Federal, como pesquisadora no Núcleo de Intervenção em Crise e Prevenção do Suicídio do Departamento de Psicologia Clínica da UnB e como docente do Curso de Capacitação “Vidas plurais: enfrentamento à homofobia e sexismo nas escolas” (SECAD/MEC). Atualmente, Larissa ministra aulas no curso de Psicologia do Instituto de Ensino Superior do Goiás.

Assim como o Dia Internacional do Orgulho LGBT, mundialmente celebrado em 28 de junho, o dia 25 de março foi criado no Brasil com o intuito de defender o respeito à diversidade sexual e o reconhecimento dos direitos civis e humanos.

Com o mesmo objetivo e para dar visibilidade a informações acerca deste assunto, a entrevista a seguir trata, sobretudo, de situações em que a população LGBT, ainda nos dias de hoje, se encontra vulnerável. Confira:

1. Em relação à empregabilidade da população LGBT, como é o mercado de trabalho? Que tipos de situações são enfrentadas no ambiente de trabalho ou durante seleções de emprego?

Larissa Tavira: Eu tenho atuado, sobretudo, no contexto clínico e acadêmico, de modo que não faz parte de meu repertório o âmbito de questões organizacionais. De toda maneira, me sinto apta a comentar a questão a partir de um ponto de vista pessoal, enquanto LGBT, ativista e psicóloga que atende essa população. De modo geral, dentro e fora do mercado de trabalho, a população LGBT é especialmente vulnerável a situações de assédio moral e sexual, violações de direitos e todo tipo de violência. Para falar na questão da empregabilidade desta população, é necessário pensar em algo que antecede esse acesso: a formação acadêmica e profissional. Uma parcela significativa de LGBTs, sobretudo pessoas trans, abandona os estudos por não suportar a violência simbólica e física vivenciada nos espaços educacionais. Marginalizadas e excluídas, essas pessoas acabam tendo mais oportunidades de trabalhos informais, sem quaisquer garantias de direitos. Para homossexuais, embora se possa reconhecer como forma de opressão, existe quase sempre a possibilidade de se ocultar a orientação sexual em ambientes ou situações que pareçam hostis ou possam fomentar algum tipo de vulnerabilidade. Eu mesma já passei pela situação de desejar ocultar partes do meu currículo (sobre fazer parte de uma comissão LGBT, por exemplo), com medo de que, de alguma forma, isso pudesse me prejudicar na contratação. Esse pseudoprivilégio, contudo, não pode ser desfrutado pelas pessoas trans, que são mais estigmatizadas, e muitas vezes necessitam reivindicar o direito ao uso do nome social e do banheiro de acordo com o gênero de identificação, por exemplo.

2. Quais são, de acordo com sua experiência, os principais desafios do atendimento psicossocial à população LGBT?

Larissa Tavira: Sem sombra de dúvidas, um grande desafio é reconhecer que a maioria das fontes de sofrimento e vulnerabilidade desta população advém de questões socioculturais e não propriamente individuais. Não podemos tratar um processo de profunda rejeição social como uma mera questão de autoestima, por exemplo. Há inúmeros fatores de risco à saúde mental de LGBTs que são fomentados pelo fato de possuírem uma orientação sexual ou identidade de gênero que vai de encontro à norma hegemônica da heterossexualidade e cisgeneridade. Não raro, essa população apresenta um histórico marcado por violências institucionais e familiares, desamparo legal e dificuldades de acesso a serviços básicos de saúde e educação. Essas e outras vulnerabilidades, na clínica, não podem ser encaradas como uma questão meramente pessoal. Outro grande desafio diz respeito à capacitação de profissionais para atuarem com esta população. Muitos profissionais, sem qualquer formação técnica, acabam por empreender tentativas de reversão da orientação sexual ou identidade de gênero. Historicamente, essas tentativas não se mostraram eficazes; pelo contrário, o que se tem obtido é a diminuição da libido, a castidade, um incremento do sofrimento psíquico e o aumento de ideações e tentativas de suicídio. Paga-se um preço muito caro para o recalque da sexualidade. A demanda de homossexuais e transexuais egodistônicos* de fato existe, contudo, deve ser analisada com cuidado frente ao contexto de vida de LGBT’s no Brasil, país líder no ranking de assassinatos dessa população.

* Um LGBT egodistônico é alguém que reconhece aspectos de sua orientação homossexual ou identidade transgênera, mas que apresenta desconforto, dificuldades de autoaceitação e até desejos de reversão dessas condições.

3. Quais são as principais causas de preconceito, desrespeito e diversos tipos de violência contra a população LGBT que ocasionam, inclusive, homicídios e suicídios? Como as situações chegam a esses extremos e o que é preciso para preveni-las e combatê-las?

Larissa Tavira: Esta é uma questão bastante complexa, que certamente perpassa por inúmeros fatores sociais, históricos e culturais. A orientação sexual e a identidade de gênero são categorias identitárias atravessadas por processos de subjetivação em torno da feminilidade e masculinidade: a sociedade cobra e tem expectativas do que reconhece idealmente como um homem ou mulher. Historicamente, os discursos em torno de questões de gênero e sexualidade tentam se ancorar em premissas biológicas, na busca de uma natureza humana que ignora constructos estabelecidos socialmente. Não conseguimos explicar nenhum comportamento humano só com a biologia, mesmo que se trate de algo tido como instintivo, necessário à sobrevivência. O comportamento alimentar do ser humano, por exemplo, não pode ser explicado única e exclusivamente pelo viés biológico da reposição de nutrientes. É comum que nos alimentemos num determinado momento não porque estamos com fome, mas porque seguimos um rito de horários (almoço, jantar, etc.). Há pessoas que sentem “fome de doce” quando ansiosas; outras param de comer em nome de ideais estéticos ou religiosos. O mesmo pode servir para problematizar normatizações em torno de gênero e sexualidade. Não há determinação cromossômica ou genética para explicar que um humano deva gostar de azul ou rosa, se vestir de saia ou short, gostar de brincar de boneca ou bola, etc. Ademais, a sexualidade humana não pode ser reduzida à questão da reprodução: uma pessoa não necessariamente fica sexualmente excitada porque vislumbra a possibilidade de ter filhos (para muitos, é justamente o contrário); pessoas inférteis, que passam por procedimentos de laqueadura ou vasectomia, por exemplo, continuam tendo desejo sexual e podendo desfrutar de relações sexuais. De um ponto de vista estrito e formal, o que não é natural é também impossível: não necessitamos impedir um comportamento antinatural de humanos fazerem fotossíntese, porque isso simplesmente é impossível. Pessoas LGBTs rompem com expectativas sociais em torno de determinadas performances de gênero e sexualidade e acabam por sofrer inúmeras retaliações. Muitas dessas violências e violações atuam no sentido de se tentar garantir uma suposta “natureza humana”, ignorando normas que são socialmente construídas. Uma pessoa LGBT, assim como uma heterossexual ou cisgênera, pode internalizar profundamente estes valores homofóbicos e transfóbicos de modo a fomentar uma egodistonia que a faça ter dificuldades de lidar com suas condições identitária e existenciais.

4. Na graduação de Psicologia não existe nenhuma matéria que trate especificamente de atendimento à população LGBT. Assim, como é feita a capacitação para atuar com este público?

Larissa Tavira: Embora não estejam previstas nos currículos de graduação, as temáticas LGBTs têm ganhado bastante visibilidade, tanto na mídia quanto no contexto acadêmico, de modo que a literatura na área cresça progressivamente. A prática clínica sempre se deparou com questões de gênero e sexualidade, não há nenhuma novidade aqui. O que acontece é que, historicamente, do ponto de vista teórico e técnico, essa população foi e é patologizada (vista como doente, anormal, desviante, etc.). São ainda escassas as perspectivas inclusivas que possam ir além da busca por normalização da comunidade LGBT. Infelizmente, ainda são poucos os cursos de capacitação voltados exclusivamente às questões LGBTs, de modo que os interessados na temática tenham de se investir mais em projetos pessoais, dentro e fora do contexto acadêmico. O interesse no debate do que tem sido produzido mais recentemente em torno de questões de gênero e sexualidade também é imprescindível. Do mesmo modo, o contato com as demandas e pautas políticas dessa população.

5. Qual é sua opinião a respeito da resolução CFP 01/2018, que estabelece normas de atuação para as psicólogas e os psicólogos em relação às pessoas transexuais e travestis? O que ainda falta na legislação brasileira para que sejam garantidos os direitos da população LGBT? 

Larissa Tavira: Trata-se de uma grande conquista do ponto de vista formal, mas que, do ponto de vista material, necessita ser ainda acompanhada de outras ações concretas que incluem formação adequada para compreender e intervir adequadamente com as demandas específicas desta população. Creio que a legislação atual ainda é profundamente falha no que tange a garantia de acesso a serviços básicos de educação e saúde, por exemplo. O Brasil é líder no ranking de assassinatos a essa população, mas o debate em torno da criminalização da homofobia e da transfobia ainda é visto por muitos como algo desnecessário, ou então como se esta população estivesse visando obter privilégios na busca por igualdade.

6. Qual a importância de esta data, 25 de março, ser marcada como Dia Nacional do Orgulho LGBT?

Larissa Tavira: A palavra orgulho, nesse contexto, designa um processo histórico de reivindicação e luta por igualdade de direitos, numa população que é constantemente vítima de violações. A comemoração desta e de outras datas é de extrema importância para que se reascenda o debate em torno de pautas que são emergentes e absolutamente necessárias, de forma que haja, ao menos, a garantia de direitos humanos à população LGBT.



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