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CRP 01/DF ENTREVISTA COM A PSICANALISTA REGINA NAVARRO

CRP 01/DF ENTREVISTA COM A PSICANALISTA REGINA NAVARRO


No mês dos relacionamentos, o CRP 01/DF traz uma entrevista com a psicanalista e escritora Regina Navarro Lins. Ex-professora de Psicologia do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, Regina Navarro foi colunista de diversos jornais e apresentou programas de rádio.Tem um blog no portal Uol, realiza palestras sobre relacionamento amoroso em várias cidades do país, é consultora e participante do programa Amor&Sexo, da TV Globo, e colunista semanal do programa Em Pauta, da Globonews. É autora de doze livros, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”,  “O Livro do Amor” e “Novas Formas de Amar”, recentemente lançado. Confira:

Em seu livro “Novas Formas de Amar” você aborda as formas tradicionais de relacionamento e fala de outros caminhos possíveis para viver o amor. Você acredita que essas outras formas de amar, como os relacionamentos poliamorosos, por exemplo, tendem a ser encarados de maneira mais natural pela nossa sociedade, inclusive com o reconhecimento legal? Já podemos falar em uma mudança de mentalidade nesse sentido?

Acredito que sim. Estamos no meio de um processo de profunda mudança de mentalidade, que se iniciou nos anos 1960, a partir da pílula e dos movimentos de contracultura. Muitos duvidam dessas mudanças, mas aí os convido a fazer uma viagem no tempo. Imagina se chegássemos aos anos 1950/1960, e lá disséssemos que algumas décadas depois as moças não mais se casariam virgens. Iriam nos chamar de loucos; diriam que a sociedade não estava preparada pra isso. Afinal, a virgindade era um valor. O mesmo ocorreria se disséssemos que algumas décadas depois a separação de um casal seria comum. Naquela época, a separação de um casal era uma tragédia familiar; muitas escolas não aceitavam filhos de pais separados. Isso não mudou?

Estamos reaprendendo a amar?

Sim. O amor é uma construção social; em cada período da História se apresenta de uma forma. O amor romântico, pelo qual todos anseiam, traz a ideia de fusão entre os amados. Ocorre que a busca da individualidade caracteriza a época em que vivemos. Cada um quer saber quais são suas possibilidades na vida, desenvolver seu potencial. O amor romântico propõe o oposto disso; prega que os dois se transformam num só, havendo complementação total entre eles. Preservar a própria individualidade começa a ser fundamental, e a ideia básica de fusão do amor romântico deixa de ser atraente porque vai no caminho inverso aos anseios contemporâneos. Esse tipo de amor está saindo de cena, levando com ele a sua principal característica: a exigência de exclusividade. Por isso, está se abrindo um espaço para novas formas de amar.

Falecido recentemente, o sociólogo Zygmunt Bauman parecia ver com certo receio a fluidez das relações em nosso tempo, mas há também maior liberdade nesse cenário em que a ordem é desenvolver ao máximo as possibilidades de cada um. Como você avalia esse contexto?

Acredito que as relações amorosas hoje são bem melhores do que em qualquer outra época anterior e a tendência é melhorar mais. Mas as pessoas ainda sofrem com seus desejos, medos e culpas. A questão é que muitos têm dificuldade de aceitar mudanças. Afinal, o novo assusta; o desconhecido gera insegurança. Então, muitos se agarram aos padrões conhecidos apesar de toda a insatisfação.

Como as pessoas reagem às suas críticas ao amor romântico?

Dizem que sou contra o amor. É comum se acreditar que a única forma de amor é o amor romântico. O condicionamento cultural é tão forte, que a maioria sonha em viver um romance. Esse tipo de amor apresenta atitudes e ideais próprios. Contém a ideia de que duas pessoas se transformam numa só, havendo complementação total e nada lhes faltando. Entre outras regras, prega: que não é possível amar duas pessoas ao mesmo tempo, que quem ama não sente desejo sexual por mais ninguém, que o amado é a única fonte de interesse do outro, que um terá todas as suas necessidades atendidas pelo parceiro, etc... Por isso o amor romântico não resiste à convivência diária do casamento. Nela, a excessiva intimidade torna obrigatório enxergar o parceiro como é realmente e a idealização não tem mais como se sustentar. O desencanto é inevitável trazendo além do tédio, sofrimento e a sensação de ter sido enganado.

O que você tem observado de novidade na vida a dois?

Hoje observo que o maior desafio que os casais estão vivendo é uma das partes propor abertura na relação e a outra parte se desesperar. Isso tem acontecido de quatro a cinco anos pra cá. Tenho consultório há 45 anos, recebo mensagens por causa dos meus artigos, programas de TV e livros, e nunca tinha acontecido isso. Agora tenho visto muito, atendo casais de todas as idades, que uma das partes deseja ter relação com outras pessoas ou então uma prática sexual pouco habitual como o sexo a três.

Emancipação feminina, liberdade sexual e desenvolvimento pessoal cabem no ideal de amor romântico?

Não. O amor romântico, por conta de seus ideais e suas expectativas, enquadra homens e mulheres em modelos. A crença de que os dois devem se tornar um só faz com que as singularidades de cada um desapareçam. Uma das características fundamentais para uma boa relação amorosa é se livrar da ideia de fusão e preservar a distinção entre si próprio e o outro. A pessoa amada é vista e aceita como tendo uma identidade inteiramente separada do parceiro, o que favorece a relação. Entretanto, é bastante comum não se perceber nem se respeitar a individualidade do outro, o que gera desentendimentos e sofrimento. O respeito à individualidade do parceiro, como o fato de cultivá-la, é crucial. A vida a dois se complica quando um dos parceiros tem tanto medo da solidão, é tão dependente, que se agarra ao outro como um náufrago.

Você ressalta que a ideia de amor, como conhecemos hoje, só ganhou espaço no casamento a partir da década de 1940 e que antes disso as relações eram baseadas em uma troca do homem provedor e da mulher cuidadora, estando atualmente o foco na realização afetiva e no prazer sexual. Nos moldes do casamento tradicional, desenvolver ou mesmo manter esses dois aspectos não é algo muito comum. O que se fala, em boa parte dos casos, é que o tempo vai desgastando a paixão e o desejo pelo outro. Como lidar com esse cenário?\r\n

O sexo é o maior problema vivido pelos casais numa relação estável —namoro ou casamento. É muito comum mulheres fazerem sexo com seus parceiros fixos sem nenhuma vontade, por obrigação. Alguns casais se amam, manifestam carinho entre eles, mas vivem juntos como se fossem irmãos. Não é raro a escassez de sexo progredir até a ausência total. Muitos têm dificuldade de entender essa situação, porque acreditam que amar uma pessoa significa naturalmente sentir desejo sexual por ela.

Por que isso acontece?

Ao mesmo tempo que sentimos necessidade de segurança e aconchego —  o que nos faz buscar relações fixas, estáveis e duradouras —, também sentimos necessidade de liberdade, de aventura e daquela sensação de frio na barriga sempre que vemos a pessoa amada. Nem todos consideram amor e desejo inseparáveis. Em muitos casos a expressão erótica é inibida quando há grande intimidade emocional. Quando os dois se fecham na relação, não é a falta, mas o excesso de proximidade que impede o desejo.  Concordo com terapeuta de casais belga Esther Perel quando diz que o erotismo exige distância, viceja no espaço entre eu e o outro. Para entrar em comunhão com a pessoa amada, precisamos ser capazes de tolerar esse vazio e seu véu de incertezas. Talvez tivéssemos uma vida sexual mais excitante e alegre se fôssemos menos tolhidos por nossa inclinação para a democracia na cama. 

Apesar do crescimento de outras formas de amar, como o poliamor, relações livres, amor a três, é possível viver bem a dois?

Acredito que um casamento pode ser ótimo. Mas para isso as pessoas precisam reformular as expectativas que alimentam a respeito da vida a dois, como, por exemplo, a ideia de que os dois vão se transformar num só; a crença de que um terá todas as suas necessidades atendidas pelo outro; não poder ter nenhum interesse em que o amado não faça parte; o controle de qualquer aspecto da vida do outro. É fundamental que haja respeito total ao outro, ao seu jeito de pensar e de ser e às suas escolhas; liberdade de ir e vir, ter amigos em separado e programas independentes. Caso contrário, a maioria das relações, com o tempo, se tornam sufocantes.



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