Neste 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, o Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal (CRP 01/DF) traz uma entrevista com a psicóloga e representante da Articulação Nacional de Psicólogas(os) Negras(os) e Pesquisadoras(es), Márcia Maria da Silva. Parceira da Comissão Especial de Raça e Povos Tradicionais do CRP 01/DF, Márcia aborda as ações da Psicologia, nos últimos anos, na luta contra o racismo, tema que exige atenção de toda a sociedade brasileira.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de analfabetismo de pessoas negras é mais que o dobro da registrada em brancos. Considerando os 10% da população com os maiores rendimentos, 8 a cada 10 são pessoas brancas. Entre os 10% mais pobres, 8 a cada 10 são negros. Também são negros os mais suscetíveis a sofrer violências no Brasil. Segundo o Atlas da Violência 2017 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e relatório da Unicef, o risco de ser assassinado é três vezes maior para negros e pardos. Os índices de homicídio entre homens negros e jovens no Brasil são similares aos de países em guerra e, entre as mulheres negras, a taxa de homicídio é 71% superior à de mulheres brancas.
São números que servem à reflexão proposta nesta entrevista. Confira:
Esta semana você foi convidada a fazer um pronunciamento durante uma audiência pública no Senado Federal movida pela provocação “Vinte de novembro, para quê?”. Neste Dia da Consciência Negra, o que você diria aos profissionais de Psicologia do Distrito Federal:
Eu acredito que o vinte de novembro simboliza uma série de coisas. A gente precisa relembrar que nossos antepassados também tiveram um histórico de luta que muitas vezes não aparece nos livros. A população negra é representada como um povo que não lutou pela sua liberdade, o que não é verdade. O Quilombo dos Palmares, por exemplo, foi uma tentativa de construir uma sociedade livre, como hoje também a gente, a partir dos nossos trabalhos, tenta formar uma sociedade livre onde a gente possa viver com dignidade, onde a gente possa participar do país de maneira igual. O racismo impede que as pessoas nos vejam realmente como pessoas capazes de produzir, de criar, de ajudar o país a crescer e de fazer o país mudar definitivamente para outro patamar.
Durante a sua fala na audiência do Senado, você ressaltou que não é possível desconsiderar o adoecimento psíquico produzido pelo racismo. Como você avalia as contribuições da Psicologia brasileira nos últimos anos no que se refere às relações étnico-raciais?
Eu acho que a Psicologia tem avançado muito. Nós psicólogas e psicólogos negros estamos construindo esse movimento já há algum tempo. Em 2010, tivemos o I Encontro de Psicólogos Negros com mais de 200 profissionais de todo o país e de onde saiu a Carta de São Paulo (disponível em: http://r1.ufrrj.br/lapsiafro/arquivos/Carta_de_Sao_Paulo_USP_2010.pdf), um importante documento que deve ser lido pelas psicólogas e pelos psicólogos. Em 2014, nós tivemos o segundo encontro em Recife/PE e, de lá para cá, a gente não parou. Nós somos um grupo forte, que trabalha, que pesquisa. Estamos nas universidades e em diferentes locais de trabalho, temos institutos voltados para a temática como o AMMA Psique e Negritude, que se propõe a atender pessoas negras na sua diversidade, tentando entender esse espaço que afeta as pessoas negras, então acho que temos avançado muito. Acho que podemos avançar mais, mas nesses últimos 9 anos, depois do I Encontro de Psicólogas e Psicólogos Negros, que aconteceu na USP, acho que tivemos um boom de atividades que nos permite dizer que a gente avançou, que a gente cresceu, que a gente tem espaço hoje de fala e de escuta, seja dentro ou fora da Psicologia, a partir do trabalho que a gente vem fazendo. Isso é muito importante para o grupo, para a Articulação Nacional de Pscólogas(os) Negras(os) e Pesquisadoras(es) (ANPSINEP) e para as pessoas negras porque, desde que a gente começou esse movimento, a gente vê também pacientes negros agradecendo por encontrar esse espaço de escuta e acolhimento que hoje está sendo possível graças a todo esse movimento da Psicologia.
Os normativos e referências disponíveis hoje no âmbito do Sistema Conselhos de Psicologia atendem às necessidades das relações étnico-raciais no Brasil?
Eu acho que podemos dizer que o que temos hoje no Sistema é suficiente, mas o que ainda precisa ser feito é uma necessidade do Brasil como um todo: as pessoas precisam reconhecer que a população negra pode participar da sociedade e das atividades com igualdade. Falta que os psicólogos e estudantes conheçam esses normativos porque a maioria ainda não conhece. É importante também que tanto estudantes como profissionais de Psicologia façam uso desses normativos. A gente vê, por exemplo, que nos eventos que vão discutir Psicologia e negritude, Psicologia e políticas públicas dentro dos conselhos regionais e do Conselho Federal de Psicologia, a maioria das pessoas que participam são psicólogos negros. A gente precisa que os psicólogos brancos venham também junto com a gente entender esse mundo negro, essas dificuldades que a gente encontra. Eles precisam se apropriar disso para que a gente possa fazer um trabalho em conjunto.
Como a psicóloga e o psicólogo interessados em participar dessa articulação podem conhecer um pouco mais sobre os trabalhos da ANPSINEP?
Qualquer pessoa pode entrar em contato conosco. O grupo se reúne mensalmente, embora não tenhamos uma sede fixa, mas a maioria dos encontros aqui na região têm sido na Universidade de Brasília (UnB). Em relação à ANPSINEP, nosso maior empenho hoje tem sido para realizar o III Encontro Nacional de Psicólogas e Psicólogos Negros (PSINEP), em 2020. Todos os grupos estão voltados à viabilização desse evento que, esperamos, seja realizado em Goiânia ou Brasília. Sigamos na luta.