Bem-Vinda(o)!

O CRP 01/DF está de cara nova!

Mas se você quiser ainda é possível acessar o site antigo no menu acima


DIA MUNDIAL DA ALFABETIZAÇÃO: LUTAR OU COMEMORAR?

DIA MUNDIAL DA ALFABETIZAÇÃO: LUTAR OU COMEMORAR?


Um texto de Sarah Lemes de Almeida


| DIA MUNDIAL DA ALFABETIZAÇÃO |
 
Lutar ou comemorar?
Um texto de Sarah Lemes de Almeida (1)
 
   A demarcação de um dia em defesa do direito de os cidadãos serem alfabetizados não deve ser descolada da compreensão histórica sobre a negação desse direito a muitas pessoas. Guardadas as devidas proporções temporais, a garantia do mesmo ainda se expressa de forma desigual nos dias atuais.
Os dados indicam que 11,5 milhões de brasileiros na faixa etária de 15 anos ou mais não estão alfabetizados (PNAID, 2018) (2), as taxas de analfabetismo são maiores entre os não brancos (UNICEF, 2018) (3) e 18,1% dos estudantes que cursam os anos iniciais da educação básica (do 1° ao 5° ano) estão em distorção idade-série (INEP, 2017) (4). Segundo estudo sobre o panorama da distorção idade-série no Brasil, referentes ao censo escolar de 2017:
"Estudantes de cor/raça indígena, preta e parda tendem a ser mais prejudicados no que se refere à taxa de distorção idade-série, tanto no meio urbano, quanto no meio rural. Meninas e meninos negros (pretos e pardos) têm taxas de distorção idade-série significativamente maiores do que brancos. Além disso, há que se olhar para as populações indígenas. Embora elas representem apenas 1% das matrículas, são as mais impactadas pela distorção idade-série. Se, nas médias nacionais, não há diferenças significativas entre as áreas rural e urbana, quando os dados são abertos por raça/cor, as desigualdades aparecem" (UNICEF, 2017, p. 10).
   Os atuais indicadores de analfabetismo no Brasil e de distorção idade-série mostram quão urgente é compreender de forma complexa o fenômeno que produz "dificuldades de escolarização" vivenciadas por tantas crianças e adolescentes nas escolas brasileiras, em especial as indígenas (que mal chegam às escolas), negras, pardas e pobres. Ou seja, não são quaisquer crianças e adolescentes a quem é negado o direito a alfabetização. 
   Por isso, sempre é importante problematizar os diversos diagnósticos que rodeiam o espaço escolar, em especial as escolas públicas, tais como o diagnóstico de Deficiência Intelectual, Dislexia, Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Transtorno Opositivo Desafiador (TOD), Distúrbio do Processamento Auditivo Central (DPAC), dentre outros. Ao encontrar justificativas no campo individual e biológico para um fenômeno tão complexo que é o aprender e, em especial, o alfabetizar-se, muitas vezes negamos que crianças e adolescentes têm histórias escolares e de vida singulares, atravessadas por marcadores sociais como gênero, classe, raça/etnia, território, capacitismo, entre outros, constituídos a partir de um processo histórico, social, político e econômico. 
   É preciso atentar-se a como esses marcadores atravessam os discursos, práticas pedagógicas, currículos, assim como entender de que forma afetam a aprendizagem e as relações no contexto escolar, além de silenciarem crianças, muitas vezes amordaçadas pelo discurso dominante (PATTO, 2005) preconceituoso, racista, machista, patriarcal e lgbtqiafóbico. 
  Portanto, quando pensamos em dificuldades na alfabetização e outros acontecimentos escolares marcados por muitas queixas, sejam de aprendizagem e/ou de comportamento, é importante nunca esquecer de que a linguagem é uma prática social, o sujeito é discursivo e seu processo de alfabetização (5) também o é. Como bem anuncia Smolka, a luz da sociogênese do desenvolvimento humano, "os modos de agir, pensar, falar, sentir das crianças vão se constituindo e adquirindo sentido na relações sociais" (6). O que significa pensar para quem se escreve, o que se escreve, como, quando, onde e por quê se escreve (SMOLKA, 2017).
Nesse sentido, a Psicologia é campo de saber importante que compreende os sujeitos e suas subjetividades, entendendo que os mesmos se constituem social e historicamente e não podem ser compreendidos de forma isolada como um "sujeito de laboratório". 
   Portanto, a psicologia não pode ser referência normativa que situe o sujeito entre o normal e o patológico, ao passo que também não pode deixar de compreendê-lo a luz dos atravessamentos de raça/etnia, classe social, religião, orientação sexual e identidade de gênero, dentre outros marcadores sociais.
   Os dados apresentados inicialmente nesse texto já anunciaram que o processo de alfabetização de uma criança está atravessado por uma complexidade de situações que precisam ser levadas em conta. Então, é preciso seguir na luta e na superação das desigualdades de acesso e permanência  de estudantes na educação.
 
SUGESTÃO DE BIBLIOGRAFIA:
 
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2010.
CAVALLEIRO, Eliane dos Santos; GOMES, Jerusa Vieira. Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito e discriminação na educação infantil. 1998.Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.
PATTO, M.H.S. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010.
SMOLKA, A. L. B. A criança na fase inicial da escrita: a alfabetização como processo discursivo [livro eletrônico]. São Paulo: Cortez, 2017. Edição do Kindle.
TFOUNI, L. V. Letramento e alfabetização. São Paulo: Cortez Editora, 2010.
 
(1) Psicóloga Escolar na Secretaria de Educação do Distrito Federal (afastada para estudos), mestrado em Educação (UFBA) e doutoranda em Educação (UFBA). Membro do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade.
(2) Divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101657_informativo.pdf
(3) https://www.unicef.org/brazil/relatorios/panorama-da-distorcao-idade-serie-no-brasil
(4) Disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/guest/indicadores-educacionais.
(4,5) PATTO, M. H. S. Mordaças sonoras: a Psicologia e o silenciamento da expressão. In M. H. S. Patto, Exercícios de indignação: – escritos de Educação e Psicologia (pp. 95-106). São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.
(5) A alfabetização em uma perspectiva discursiva surgiu como concepção por volta dos anos 1980 através de articulação com os campos da Psicologia, da Educação e dos Estudos da Linguagem tendo principais referências teóricas as contribuições sobre desenvolvimento humano de Vigotski e estudos da semiótica de Baktin. Informação retirada do link http://ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/alfabetizacao-como-processo-discursivo
(6) http://ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/alfabetizacao-como-processo-discursivo


<< Ver Anterior Ver Próximo >>