Representado pela conselheira vice-presidenta do CRP 01/DF, Márcia Maria da Silva, o CRP 01/DF esteve presente, na última sexta-feira (24), no seminário "Justiça social: caminhos para a interdisciplinaridade", organizado pela Escola de Assistência Jurídica da Defensoria Pública do Distrito Federal (DPDF) em parceria com o CRP 01/DF e o Conselho Regional de Serviço Social do Distrito Federal (CRESS/DF).
A atual coordenadora da Comissão de Raça, Povos Indígenas e Povos Tradicionais do CRP 01/DF, Márcia Maria da Silva, destacou em seu discurso a importância dos mecanismos de combate à tortura, a necessidade de enfrentamento do racismo estrutural e a urgência de ações estatais de proteção às pessoas que integram grupos vulnerabilizados no País.
Participaram também do evento a psicóloga Roberta de Ávila, a assistente social Gabriela Pereira, a cientista política Josiara Diniz e o defensor público Ronan Figueiredo.
Confira a íntegra do discurso proferido pela conselheira do CRP 01/DF:
Pietro Ubaldi, filósofo e pensador espiritualista italiano, em uma de suas obras disse que o mal trabalha para o bem. Desta forma, abençoado seja o 8 de janeiro que começou a mudar a cor das pessoas privadas de liberdade. Assim, e só assim, uma pontinha de preocupação passou a fazer parte dos órgãos administrativos estaduais e federal que vêm convidando o Conselho Federal e o Conselho Regional de Psicologia para discutir direitos humanos no sistema prisional.
Cabe mencionar que o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública informou que 67,5% dos encarcerados brasileiros são negros. Assim, o perfil das pessoas vitimadas pela política de segurança pública no Brasil é sempre o mesmo: jovens, negros e do sexo masculino. Essa população que forma o maior contingente de pessoas confinadas recebe pouca ou nenhuma atenção das autoridades.
O relatório final do Instituto Veredas (disponível em: https://www.veredas.org/publicacoes/#1637) expõe que a tortura no DF ocorre de várias formas: privação de alimentação adequada, negligência com assistência médica e psicossocial, e violência física e psicológica direcionada aos presos. Sabe-se que o Decreto nº 40.869, de 21 de setembro de 2020, instituiu o Sistema Distrital de Prevenção e Combate a Tortura, no entanto até hoje não foi consolidado.
Esse pequeno discurso não é para falar mais do mesmo, mas para convocar pessoas presentes para que possamos sair de discursos vazios e partir para a realização de ações que possam mudar a realidade não só do sistema penitenciário, mas de uma sociedade que não deu certo.
Em 2017, Leonardo Sakamoto escreveu o artigo “Marcha racista e neonazista nos EUA deve ter animado muita gente no Brasil”, e ele começa o texto dizendo: Sabe a humanidade? Então, ela deu errado. Depois ele relata os acontecimentos na cidade universitária de Charlottesville, no Estado Americano da Virgínia (EUA), em que um protesto de supremacistas brancos deixou 33 pessoas feridas e uma pessoa morta.
Na insurgência, centenas de homens e mulheres carregavam tochas, faziam saudações nazistas e gritavam palavras de ordem contra negros, imigrantes, homossexuais e judeus, além de gritar o slogan “Vidas Brancas Importam”, em contraposição ao movimento negro “Vidas Negras Importam”, criado para conter a morte de negros por meio do racismo institucionalizado naquele país, principalmente o praticado por policiais.
A realidade americana não é diferente da realidade brasileira. E a realidade brasileira não é diferente da americana. Aqui há um genocídio de jovens pobres e negros nas periferias das grandes cidades, assassinatos e espancamentos de homossexuais, preconceito contra migrantes e violência nas comunidades indígenas e quilombolas.
Em 2015, na comunidade quilombola Kalunga, no município de Cavalcante em Goiás, aqui bem pertinho da capital federal, várias meninas entre 10 e 14 anos foram estupradas, ocasião em que foram apurados 57 nascimentos de crianças em que todas as mães eram menores de 15 anos. Os autores eram de profissionais liberais a políticos influentes. Os casos mais graves envolviam o ex-prefeito da cidade, vereadores e membros do judiciário.
Essas ocorrências resultaram em reportagens que foram veiculadas em vários canais de comunicação no Brasil e no mundo, inclusive uma da Rede Record que ganhou o prêmio nacional de jornalismo Vladimir Herzog. No entanto, nada foi feito efetivamente, além de uma condenação aqui e outra ali, em que os culpados continuaram exercendo cargos públicos e recebendo salários de um Estado que deveria proteger as vítimas do abuso.
Seguramente, o silêncio e o descaso em relação a esses e outros crimes praticados contra populações minoritárias ratifica um Estado omisso, conivente e complacente com as barbáries praticadas. Sob outra perspectiva, são os corpos negros que são constantemente violentados, recusados em espaços sociais e colocados na posição de menos-valia.
Cabe ainda mencionar a negligência em relação aos povos originários, pois recentemente a população brasileira assistiu estarrecida as reportagens sobre as condições de vida dos Yanomami: desnutrição causando mortes em adultos e crianças, malária, pneumonia, e fome, além da violência constante dos garimpeiros ilegais, culminando com uma situação de crise sanitária e humanitária sem precedentes.
A comitiva do Ministério dos Direitos Humanos recebeu informações de que trinta meninas e adolescentes estão grávidas de garimpeiros, além de seis adoções irregulares. Esses episódios mostram o descaso com que são tratadas as pessoas em vulnerabilidade nesse País.
O mundo como o conhecemos se funda na violência, e esse mundo precisa morrer a fim de que não haja mais opressão do branco sobre o negro, do homem sobre a mulher, do cis sobre o trans, do hétero sobre o homossexual, do rico sobre o pobre. Como bem assinalou o psicólogo Lucas Veiga, é tempo de decretarmos o fim do colonialismo.
Como minorias, vivemos a exaustão de não sucumbir seja aqui nos grandes centros urbanos, seja no campo e nas florestas, pois para nós não existem rotas fáceis nem saídas tranquilas, e o que se apresenta é um trabalho permanente de confronto com quem dita as regras e define em última instância quem deve nascer, viver e morrer.
Justiça social só ocorrerá quando todos tiverem direitos e deveres iguais em todos os aspectos da vida.
#DescreviParaVocê: além da chamada com retranca, título e subtítulo para a matéria, o card colorido apresenta duas fotos dos integrantes da mesa do seminário "Justiça social: caminhos para a interdisciplinaridade". Na parte inferior, aparecem ícones de curtir, comentar, salvar e compartilhar, além da marca gráfica do CRP 01/DF.