| 29/1: DIA NACIONAL DA VISIBILIDADE TRANS |
Artigo: Saúde Mental LGBTI+ importa!
Por Jaqueline Gomes de Jesus*
De 23 a 25 de janeiro de 2025, o Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal (CRP 01/DF) abrigou o II Seminário da Pesquisa SMILE Brasil, parte de um estudo internacional sobre saúde mental e bem-estar de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Intersexo, e outras pessoas discriminadas em função da sua orientação sexual, identidade de gênero e/ou expressão de gênero (LGBTI+), em países de baixa e média renda, que objetiva alcançar 3.500 pessoas em nosso País, por meio de um questionário disponível no site: https://brasil.smilestudy.org.
Grupos historicamente discriminados em função de preconceito contra sua orientação sexual, identidade de gênero, expressão de gênero e/ou conformação corporal, por não se enquadrarem em padrões dominantes, constituindo-se como minorias sexuais e de gênero, são documentados em todo o mundo. Tradicionalmente, as pesquisas sobre a saúde LGBTI+ tenderam a se limitar à caracterização apenas por meio da atividade sexual, ignorando outras características, tais como o gênero e atração afetivo-sexual, racialidade, idade, classe social.
Outra questão foi a sua concentração no cuidado e prevenção do HIV/DSTs, com maior ênfase em homens que fazem sexo com homens e mulheres trans e travestis, inclusive com base em estereótipos e concepções enviesadas sobre corpo e identidade, desconsiderando, ainda, homens trans, pessoas transmasculinas, pessoas não-binárias, intersexo, mulheres que se atraem por mulheres e pessoas com atração bissexual. As pessoas podem sentir atração, mas não necessariamente são sexualmente ativas, o que vale também para as heterossexuais e cisgêneras (que se identificam com o gênero que lhes foi atribuído ao nascerem).
Embora haja relatórios regulares que demonstram a recorrência da violência LGBTfóbica, especialmente letal no Brasil, com os maiores registros de assassinatos em dados absolutos, pouco se sabe, a partir de pesquisas rigorosas, sobre a saúde mental desses grupos, e menos ainda acerca do desenvolvimento de tratamentos baseados em evidências, adequados a cada cultura. Há uma necessidade urgente de compreender os diferentes fatores que prejudicam a autoestima e contribuem para o desenvolvimento de danos à saúde mental, expressos como ansiedade, depressão, transtorno de estresse pós-traumático, ideação suicida e altos níveis de estresse, a fim de identificar oportunidades de intervenção. Estudos realizados em países desenvolvidos demonstraram níveis dramaticamente altos de depressão, ansiedade, e abuso de substâncias químicas, em comparação com a população geral.
Os dados pilotos do nosso estudo em países de baixa e média renda (El Salvador, Cambodja, Índia, Quênia, Vietnã e Brasil) indicaram que todos os grupos, independentemente da identidade de gênero, atração romântica e/ou sexual, ou mesmo da aparência, sofriam de uma saúde mental prejudicada, com sintomas mais agravados que os de veteranos de guerra; e que discriminação na família, abusos sofridos na comunidade e a influência perniciosa de políticas públicas inexistentes ou efetivamente discriminatórias prejudicam a saúde mental de pessoas LGBTI+.
Ambientes não especializados em saúde mental (por exemplo, grupos sociais e de apoio, recursos humanos ou programas de assistência aos trabalhadores, ambientes educacionais etc.) podem contribuir e apoiar a seleção, indicação, diagnóstico e tratamento ou prevenção de doenças mentais e comportamentos suicidas. Estimular a resiliência, promover o apoio social, eliminar microagressões, além de estimular o desenvolvimento de habilidades de planejamento e tomada de decisão, são fatores protetivos em saúde mental.
Investir na aceitação e no cuidado nas relações pessoais, familiares e na comunidade, demonstrando que a LGBTfobia afeta negativamente a saúde mental de familiares e amigos é de extrema importância para diminuir o risco de pensamentos e comportamentos suicidas entre pessoas LGBTI+, especialmente as mais jovens, independentemente da orientação sexual ou identidade de gênero.
Durante os três dias da segunda edição do nosso seminário no CRP 01/DF – a primeira ocorreu virtualmente em 2024 –, reunimos 13 especialistas e em torno de 80 participantes. Abordamos as questões supramencionadas com foco na formação de profissionais de saúde mental que não necessariamente compreendem aprofundadamente a sintomatologia abordada na pesquisa, promovendo práticas junto à população LGBTI+ mais efetivas para se lidar com trauma e transtorno de estresse pós-traumático, uso e abuso de substâncias, ansiedade, depressão e risco de suicídio, além de abordar os temas da autoestima e do apoio social de maneira propositiva. Encerramos as atividades debatendo os desafios para a educação e a comunicação em saúde LGBTI+ na contemporaneidade e considerando os diferentes contextos e situações regionais.
*Jaqueline Gomes de Jesus é professora de Psicologia do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ). Doutora em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações pela Universidade de Brasília (UnB), com pós-doutorado pela Escola Superior de Ciências Sociais e História da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV). Coordenadora da Pesquisa SMILE Brasil sobre saúde mental de minorias sexuais e de gênero.
#DescreviParaVocê: a imagem colorida conta com uma chamada para leitura do artigo, além da marca gráfica do CRP 01/DF e de uma fotografia da autora. Jaqueline Gomes de Jesus é uma mulher negra com cabelo black loiro, está de óculos e usando um vestido colorido e um casaco.