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SÉRIE PSICOLOGIA E LUTA DOS POVOS INDÍGENAS: ENTREVISTA COM A PSICÓLOGA NATÁLIA TATANKA

SÉRIE PSICOLOGIA E LUTA DOS POVOS INDÍGENAS: ENTREVISTA COM A PSICÓLOGA NATÁLIA TATANKA


Confira

Em alusão ao Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas, o Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal (CRP 01/DF) publica esta semana uma série de entrevistas concedidas por profissionais indígenas que atuam como referência na área da saúde mental, garantia de direitos e promoção da diversidade em diversas regiões do País.

Nesta entrevista, convidamos a psicóloga Natália Tatanka (CRP 11/10112), indígena psicóloga, moradora da comunidade do Bom Jardim, conselheira no Conselho Regional de Psicologia do Ceará, coordenando a Comissão de Psicologia e Relações Étnico-Raciais, Povos Indígenas e Tradicionais. É pós-graduada em Musicoterapia e em Neuropsicodiagnóstico. É facilitadora de grupos, professora e palestrante, especialista em Abordagem Sistêmica Comunitária.

Confira:

1) Em 7 de fevereiro, celebramos o Dia Nacional de LUTA dos Povos Indígenas, palavra que acompanha os mais de 300 povos indígenas já reconhecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no Brasil, sobretudo quando consideramos o histórico de um Estado estruturado a partir de um modelo exploração predatória do meio ambiente e desigualdade social. Na sua avaliação, qual a importância dessa data para a Psicologia e qual a relevância de não limitar as reflexões propostas por ela somente ao dia 7 de fevereiro?

O Dia 7 de fevereiro é uma data de grande importância, uma oportunidade para reconhecer e valorizar a rica diversidade cultural dos povos indígenas. Mas não podemos nos limitar a um dia somente, pois temos mais 364 dias de luta. A Psicologia desempenha um papel fundamental junto aos povos indígenas, ao considerar as dimensões culturais, sociais e psicológicas dessas comunidades, afinal, se eu não sei de onde venho, não sei para onde vou! Essa data precisa reforçar o compromisso do Sistema Conselhos de Psicologia, apoiando e promovendo oportunidades de discussão e compartilhamento de novos saberes e práticas ancestrais, desde os mais novos àqueles que têm mais histórias para contar.

2) Estamos vivendo um contexto em que conquistas de direitos importantes estão sob ameaça diante do avanço de grupos supremacistas no Brasil e no mundo. Quando falamos de povos indígenas em nosso País, estamos falando de diferentes culturas, de mais de 270 línguas distribuídas por todo o território nacional e de uma diversidade de demandas e cosmovisões que não se encaixa em um padrão de ser humano único e universal ou em um modelo de sociedade que desconsidera as singularidades das pessoas e das coletividades. Qual o lugar da Psicologia nesse cenário?

Eu acredito muito em um processo de decolonização da Psicologia, revertendo as influências coloniais e eurocêntricas que moldaram a disciplina ao longo da história para reconhecermos e valorizarmos saberes, práticas e experiências que possam ser aplicadas a todas as culturas, especialmente aquelas que foram historicamente marginalizadas e silenciadas. É necessária uma Psicologia mais inclusiva e representativa, onde se mantenha a ética e a responsabilidade, principalmente no reconhecimento da história dos povos com os quais trabalhamos, para que as formas de intervenções sejam respeitosas, justas e equitativas. Ao chegar em um território, eu tenho que compreender que EU sei de muita coisa que aquele povo não sabe, mas ELES sabem de muita coisa que nós nem sequer imaginamos.

3) Um dos temas que vêm ganhando destaque no noticiário diante dos impactos das mudanças climáticas é o racismo ambiental e como diferentes grupos sociais estão mais ou menos vulneráveis a essa realidade. Como esse tema tem sido observado em seu trabalho junto a populações indígenas no Brasil, em sua região, e de que forma os desafios enfrentados pelos povos indígenas impactam a saúde mental dessas comunidades?

É nítido que o racismo ambiental impacta diretamente as comunidades racializadas, que enfrentam maior exposição a riscos ambientais impactando sua saúde mental. Muitos dos povos indígenas no Ceará vivem em áreas afetadas por poluição, contaminação de água e solo, desigualdade socioambiental e falta de acesso a serviços básicos. Áreas com a presença de indústrias poluentes, pedreiras, projetos turísticos em regiões litorâneas no Ceará que preveem mega-construções em áreas indígenas e outras instalações prejudiciais à saúde e à qualidade de vida desses povos.

O racismo ambiental se manifesta na luta pelo acesso à terra e aos seus recursos naturais. Comunidades indígenas e outros grupos têm, frequentemente, seus direitos à terra ignorados, resultando em deslocamento e perda de suas fontes de subsistência e o mais grave: perda de sua história com a perda de sua terra ancestral. É necessário justiça ambiental, e mais uma vez a Psicologia deve ser uma aliada a essas problemáticas, trazendo contribuições significativas para a compreensão e a conscientização para a construção de uma sociedade mais justa.

4) Como a Psicologia pode ser utilizada como ferramenta para fortalecer as identidades culturais indígenas e promover o bem-estar?

É fundamental que os profissionais de Psicologia respeitem e compreendam as especificidades culturais dos povos indígenas. Isso é o básico, é o conhecer nossa história, honrar a história dos nossos ancestrais, o conhecimento das partes que formam o todo. Isso inclui a valorização da dimensão biopsicossocioespiritual dos povos. Realizar intervenções que envolvam a comunidade e consideram a coletividade são geralmente mais eficazes do que abordagens individualistas. Trago o exemplo da OSC Movimento Saúde Mental, instituição idealizada pelo psiquiatra Rino Bonvini e que colaboro há 17 anos, na periferia de Fortaleza no Ceará e comunidades indígenas. Desenvolvemos uma tecnologia socioterapêutica de múltiplo impacto chamada Abordagem Sistêmica Comunitária, certificada como eficaz e replicável pela Fundação Banco do Brasil e reconhecida como inovadora em saúde mental pela Mental Health Innovation Network (MHIN), vinculada à Organização Mundial da Saúde (OMS).

Essa abordagem desenvolve ações que identificam as potências das pessoas, promovendo o fortalecimento da autoestima e das bases familiares e comunitárias, contribuindo para o enfrentamento das problemáticas existentes na comunidade e promovendo o bem-estar. Segue link para baixarem a cartilha:
https://movimentosaudemental.org/wp-content/uploads/2023/06/Cartilha-ASC-Portugues.pdf 

Outra referência apresentada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) é o documento “Referências Técnicas para atuação de Psicólogas(os) junto aos Povos Indígenas”, produzido no âmbito do Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP). O documento cita iniciativas de aproximação da Psicologia enquanto ciência e profissão com os povos originários dentro e fora de seus territórios. 

Segue link para baixarem a referência: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2024/09/crepop_indigenas_revisada_2024_09_20.pdf 

5) Como ser uma psicóloga indígena influencia sua abordagem profissional? Há algum momento marcante em sua vivência como psicóloga indígena que ilustre a força e a resiliência de seu povo?

Ser a primeira psicóloga indígena a integrar o Conselho Regional de Psicologia (CRP) me traz um sentimento de “eu preciso fazer algo”, “tudo aquilo que eu percebo que falta em acolhida e apoio a saúde mental dos povos indígenas, eu preciso contribuir”. E assim é. Sou sempre a que fala mais, que ensina mais, que pede mais. [Risos] Mas tenho que ser uma agente de transformação, sou parte do problema e parte da solução.

Tem três momentos bonitos que gostaria de partilhar: Primeiro, o meu primeiro atendimento clínico com o encantado Pajé Barbosa, eu ansiosa para entrar em ação, ele me convida para atender uma jovem com ele, mas naquele dia eu só assisti e contemplei aquele grande terapeuta e sua condução ética, empática e assertiva. A colaboração entre o saber popular e o acadêmico podem sim enriquecer as intervenções psicológicas.

O segundo momento foi quando reunimos mais de 10 psicólogos voluntários para irem a minha Aldeia Anacé da Japuara para um mutirão de escuta em pleno cenário de retomada, onde as lideranças estavam tensas, sofridas, ansiosas e sem esperança, pois é assim que nos sentimos sem casa, com medo de sermos retirados de nosso terreiro sagrado, nos sentimos desprotegidos, vulneráveis e até perdidos, não tem como ter saúde mental dessa forma. Foi um dia inteiro de escuta embaixo das árvores, à beira do riacho, um bem distante do outro porque falar já era tão difícil, tinha choro, raiva e desespero, mas tinha também acolhida, escuta, empatia e respeito a tudo que falavam, na espiritualidade que acreditavam, no canto que cantavam. E depois do canto, que era reza, as coisas até melhoravam.

E a terceira foi a criação da primeira comissão temática no CRP 11, intitulada como Psicologia e Relações Étnico-Raciais, Povos Indígenas e Tradicionais. O nome é grande, mas é porque nenhum povo poderia ficar de fora dessa roda. Eu acho que contribui em algumas coisas, e o que me dizem é que eu inspiro estudantes a quererem ser o que elas merecem ser, já tem um monte de parente fazendo a diferença no mundo por aí.

#DescreviParaVocê: card colorido no qual aparece uma foto da psicóloga, a marca gráfica do CRP 01/DF e uma chamada para leitura da entrevista completa.



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