Bem-Vinda(o)!

O CRP 01/DF está de cara nova!

Mas se você quiser ainda é possível acessar o site antigo no menu acima


CRP 01/DF ENTREVISTA: LUISA DE MARILLAC FALA SOBRE GARANTIA DE DIREITOS INFANTOJUVENIS NO BRASIL

CRP 01/DF ENTREVISTA: LUISA DE MARILLAC FALA SOBRE GARANTIA DE DIREITOS INFANTOJUVENIS NO BRASIL


| CRP 01/DF ENTREVISTA |

Luisa de Marillac fala sobre garantia de direitos infantojuvenis no Brasil

A promotora de justiça conversou com o CRP 01/DF sobre a importância do ECA, que completa 35 anos

No dia em que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 35 anos, o CRP 01/DF reforça o papel essencial da Psicologia na proteção integral da infância e da juventude no Brasil. Promulgado em 13 de julho de 1990, o ECA representou uma guinada histórica na atenção e proteção à população infantojuvenil. Ao reconhecer crianças e adolescentes como cidadãs e cidadãos plenos de direitos, o Estatuto consolidou uma nova perspectiva jurídica, social e ética, mas que segue em construção, especialmente diante dos desafios impostos pelas desigualdades e pelas violações sistemáticas de direitos.

Para falar sobre os avanços, os desafios persistentes e o papel da Psicologia na garantia desses direitos, o CRP 01/DF entrevistou Luisa de Marillac Xavier dos Passos, promotora de justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) desde 1996. Titular da 4ª Promotoria de Justiça Cível e de Defesa dos Interesses Individuais Indisponíveis, Difusos e Coletivos da Infância e da Juventude, Luisa também é mestra em Direito e desenvolve sua atuação a partir de uma perspectiva crítica, interdisciplinar e comprometida com os princípios da democracia, da escuta e do diálogo.

Em sua trajetória, a promotora tem se dedicado à construção de uma cultura de direitos humanos para a infância e a juventude, sendo referência na luta pela superação de práticas punitivistas e excludentes. Na entrevista, Luisa afirma que o trabalho interdisciplinar é "indispensável para dar conta das complexidades da proteção de crianças e adolescentes" e destaca o papel central da Psicologia nas decisões e estratégias de cuidado. Ela também aponta a urgência de fortalecer os serviços públicos, enfrentar desigualdades estruturais e criar novas formas de escuta e participação de crianças e adolescentes nas políticas públicas.

Confira a íntegra da entrevista:


1. O que representa o Estatuto da Criança e do Adolescente para a sociedade brasileira, especialmente no enfrentamento das desigualdades e na proteção de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade?
LUISA DE MARILLAC: O Estatuto da Criança e do Adolescente é uma lei que nasce a partir dos movimentos sociais na luta pelos direitos de crianças e adolescentes, pelo reconhecimento da condição das meninas e dos meninos do Brasil como sujeitos de direitos. Essa luta conseguiu implantar na nossa Constituição Federal de 1988 o artigo 227, que fundamenta o Estatuto da Criança e do Adolescente, promulgado em 13 de julho de 1990: há 35 anos. O Estatuto é uma lei para todas as meninas e meninos, de 0 até 18 anos incompletos, preocupada com todos os aspectos para seu desenvolvimento, para sua cidadania. Ele difere do anterior Código de Menores, que falava sobre “menores em situação irregular”. Ou seja, a legislação sobre infância e juventude, antes do Estatuto da Criança e do Adolescente, era uma legislação disciplinadora para algumas crianças e adolescentes que se encontrassem em situação irregular, que era tanto a situação de vulnerabilização, como o cometimento de ações contrárias à lei.  Quando o Estatuto propõe direitos para todas as crianças e adolescentes, estas e estes, que antes eram chamados menores, passam a poder ser vistos num patamar de igualdade, porque passam a ser titulares dos mesmos direitos que todas as demais pessoas. Essa não é, no entanto, uma chave que se vira somente com o estabelecimento de uma lei. São necessários anos de construção de uma nova cultura de direitos humanos para que o Estatuto se realize plenamente. Assim, comemorar seu aniversário é muito importante.

2. A partir da sua atuação no Ministério Público e nos espaços de controle social, como tem percebido os avanços e retrocessos na efetivação dos direitos garantidos pelo ECA?
LUISA DE MARILLAC: Existem avanços, muitos avanços, sem dúvida. Mas existem questões que têm sido muito difíceis de mudar na prática. Ainda hoje, vemos jurisprudências se referindo às crianças e adolescentes como “menores”; não temos conseguido implantar a prioridade absoluta no orçamento, nas políticas públicas e nos serviços. Crianças e adolescentes em situação de vulnerabilização são as mais afastadas de suas famílias, não havendo suficientes medidas e políticas para garantirem que elas cresçam e se desenvolvam na convivência familiar. Ainda lidamos com políticas públicas muito precarizadas, o que nega a igualdade de direitos na prática, porque o acesso a serviços de qualidade que garantam direitos fundamentais acabam sendo privilégio de crianças e adolescentes de famílias com melhor poder aquisitivo.

3. Quais são, hoje, os principais desafios enfrentados pelo sistema de justiça e pela rede de proteção para assegurar o cumprimento do Estatuto?
LUISA DE MARILLAC: São muitos desafios ainda e em muitas dimensões. De um lado temos todas as questões de direitos humanos. O racismo estrutural e o patriarcado, que fundamentam preconceitos e discriminações, afetam muito o exercício de direitos por crianças e adolescentes e precisam ser temas nas escolas, nas unidades básicas de saúde, nos serviços de convivência e fortalecimento de vínculos, nas unidades socioeducativas, nos serviços de aprendizagem profissional, nos esportes e, sobretudo, nas famílias. Proteger crianças e adolescentes das violências que sofrem, inclusive no âmbito doméstico, exige uma articulação de serviços que precisa ser melhor orquestrada, que precisa ser afinada. Nesse ponto, é importante incrementar os equipamentos do sistema de justiça para o enfrentamento da violência, tanto na perspectiva da responsabilização de autoras(es) de violência, como de proteção das crianças e adolescentes vítimas. Atualmente, no Distrito Federal, há uma vara específica para a violência doméstica contra crianças e adolescentes. É um avanço, mas que já nasce defasado por ser uma só. Os Conselhos Tutelares são órgãos importantíssimos, que estão nas comunidades, próximos às famílias, mas que precisam de capacitação e de suportes vários para funcionarem adequadamente. Por outro lado, falando de precariedade de serviços, existe um gargalo na garantia de saúde mental para crianças e adolescentes. A ausência de uma política melhor estruturada deixa sem atenção fatores de grande vulnerabilização como as desagregações familiares, o uso mais intenso de álcool e drogas e as violências. Não raro, situações de afastamento familiar poderiam ter sido evitadas com atendimentos de saúde mental adequados. Quando são afastadas de suas famílias e acabam atendidas(os/es) por serviços de acolhimento, por sua vez, as crianças e adolescentes não têm sido visibilizadas(os/es) nos serviços de saúde, educação e assistência social, que não observam a urgência da situação de afastamento familiar e suas peculiaridades. Então, é comum que essas crianças e adolescentes sejam discriminadas(os/es) nas escolas, não sejam bem atendidas(os/es) por equipamentos de saúde, e também que elas(es/us) e suas famílias não sejam atendidas(os/es) com a urgência necessária pelas equipes de assistência social. Na sequência, quando, depois do tempo de acolhimento, adolescentes atingem a maioridade e saem dos serviços, não há uma política engendrada para seu amparo. Muitas(os/es) acabam em situação de rua ou de grave vulnerabilização. É imenso o desafio decorrente das injustas desigualdades de acesso a direitos. A população em situação de rua, incluindo seus meninos e meninas, tem sido alvo de preconceitos e discriminações historicamente, sendo também um grande desafio sua inclusão social.

4. Em sua experiência, de que forma o trabalho interdisciplinar — especialmente com a Psicologia — tem contribuído na defesa dos direitos da infância e juventude?
LUISA DE MARILLAC: O trabalho interdisciplinar é indispensável para dar conta das complexidades da proteção de crianças e adolescentes. São demandados muitos campos de saber, desde a compreensão dos múltiplos fatores das violações de direitos até a organização das estratégias para dar efetividade à proteção. Psicologia, assistência social, direito, medicina, pedagogia, sociologia, antropologia, enfim, todas as ciências que lidam com o ser humano, se entrelaçam aqui. No trabalho cotidiano da rede de proteção de crianças e adolescentes, o mais corriqueiro é o diálogo entre Psicologia, assistência social, pedagogia e direito, até porque são profissionais dessas áreas que são exigidas(os/es) nos equipamentos de atendimento e do sistema de justiça. Quanto à Psicologia, o Estatuto da Criança e do Adolescente faz referência a sua necessidade em vários momentos, prevê estudos e atendimentos psicossociais nos processos de adoção e nos serviços destinados às crianças e adolescentes vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão; prevê cuidados psicológicos para adolescentes em regime de internação socioeducativa; prevê a requisição de tratamento psicológico como medida de proteção, tanto para crianças e adolescentes, como para os pais ou responsáveis; estabelece a obrigação ao Estado de prestar assistência psicológica à gestante e à mãe, no período pré e pós-natal, para prevenir e minorar as consequências do estado puerperal etc. Além disso, a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS prevê que as equipes técnicas dos serviços de acolhimento para crianças e adolescentes tenham profissionais de Psicologia em sua composição. As equipes interprofissionais das varas, promotorias e defensorias que atuam na área também têm psicólogas(os/es) em sua composição. Então é possível afirmar que o conhecimento psicológico é uma das bases para a construção de decisões e estratégias para a proteção de crianças e adolescentes.

5. Por fim, qual mensagem você deixaria a profissionais da Psicologia que atuam na promoção de direitos de crianças e adolescentes, especialmente neste momento em que o ECA completa 35 anos?
LUISA DE MARILLAC: A todos que trabalhamos para a garantia de direitos de crianças e adolescentes, eu diria que nosso compromisso e união são fundamentais para que vivamos melhores dias no futuro. Os desafios presentes nos revelam que ainda não fomos tão fundo, que precisamos mergulhar mais nas condições que levam às violações, de modo a compreender melhor as marcas da violência estrutural. Além disso, precisamos ter coragem para transformar nossos fazeres, para entender as crianças e adolescentes como nossos oráculos, no sentido de serem elas e eles a nos dizerem se estamos no caminho certo. Para isso, precisamos nos desafiar em novas e melhores formas de escuta e participação de crianças e adolescentes nas políticas públicas e nos serviços. Para profissionais da Psicologia, especialmente, deixo essa mensagem, que convida a construir essas novas formas de escuta e participação que ampliem a dimensão de ser sujeito para crianças e adolescentes.

 

DE PSI PARA PSI
Confira algumas publicações e referências técnicas para orientar a atuação de profissionais de Psicologia na atenção a crianças e adolescentes:

- Referências Técnicas para Atuação de Psicólogas(os) na Rede de Proteção às Crianças e Adolescentes em Situação de Violência Sexual (CREPOP, 2020): https://crepop.cfp.org.br/publicacoes/referencias-tecnicas-para-atuacao-de-psicologasos-na-rede-de-protecao-as-criancas-e-adolescentes-em-situacao-de-violencia-sexual/ 

- Referências Técnicas para atuação de psicólogas(os) na educação básica (CREPOP, 2019): https://crepop.cfp.org.br/publicacoes/referencias-tecnicas-para-atuacao-de-psicologasos-na-educacao-basica/ 

- Relatório "Seminário Regional Alienação Parental" (CRP 01/DF, 2021): https://crp-01.org.br/rails/active_storage/blobs/eyJfcmFpbHMiOnsibWVzc2FnZSI6IkJBaHBBbTRkIiwiZXhwIjpudWxsLCJwdXIiOiJibG9iX2lkIn19--c690852396522757dd85906a1acbb4ddd1ea6c0a/Relato%CC%81rio%20Semina%CC%81rio%20Regional%20DF%20-%20Alienac%CC%A7a%CC%83o%20Parental.pdf 

- CRP 01/DF ORIENTA: Cuidados a serem adotados em intervenções psicológicas com crianças e adolescentes no contexto escolar: https://crp-01.org.br/page_3977/ 

- RESOLUÇÃO Nº 13, DE 15 DE JUNHO DE 2022, Dispõe sobre diretrizes e deveres para o exercício da psicoterapia por psicóloga e por psicólogo - Seção III: Do Serviço Psicológico Psicoterapêutico Prestado à Criança e ao Adolescente: https://atosoficiais.com.br/cfp/resolucao-do-exercicio-profissional-n-13-2022-dispoe-sobre-diretrizes-e-deveres-para-o-exercicio-da-psicoterapia-por-psicologa-e-por-psicologo#?origin=instituicao 


#DescreviParaVocê: As imagens coloridas contam com parte do conteúdo textual acima, com a fotografia de rosto da entrevistada, com uma fotografia ilustrativa onde se vê três crianças abraçadas se divertindo ao ar livre, além da marca gráfica do CRP 01/DF.

 



<< Ver Anterior Ver Próximo >>