Última entrevista da série especial
25 de maio - Dia Nacional da Adoção
Entrevista com João Nogueira, pedagogo e pai do Eduardo, da Yasmin, da Ana Clara, da Maria Luiza, da Mariana e da Eduarda
Fotos: Arquivo pessoal
A cumplicidade estampada nas fotos da família Nogueira ainda é, para muitos brasileiros e brasileiras, um ponto distante de um longo caminho até a formalização de um processo de adoção.
De acordo com levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), não é o número de casais habilitados e nem a burocracia o que mais separa o desejo da construção de um vínculo familiar.
Segundo dados do Cadastro Nacional de Adoção, do total de 33,6 mil pretendentes à condição de pai e/ou mãe no País, somente 35,6% aceitam adotar crianças e adolescentes com mais de 3 anos de idade; menos de 21,5% consideram adotar irmãos e 46,5% são indiferentes à raça da criança. Essa realidade já era conhecida por João Nogueira e a esposa, Thamara, quando decidiram adotar seis filhos, uma experiência que João compartilha nesta entrevista.
Como foi a decisão da família e o processo para adotar as crianças?
Em 2013, eu comecei a trabalhar em um abrigo com adolescentes e lá eu conheci a Eduarda, minha filha mais velha, e o Eduardo, meu outro filho. Eu e minha esposa já pensávamos em adoção e nunca comungamos dessa ideia, que nós até entendemos por parte de outros casais, de optar pela adoção de bebês brancos, sem histórico de doenças, situação de rua ou drogadição na família. Nós sempre sonhamos e queríamos uma criança maior porque nós sabíamos que elas eram preteridas em relação aos bebês e crianças de até 2 anos. Nós queríamos adotar crianças que estivessem fora desse "perfil desejado", fora desse padrão de beleza e estética eurocêntrica.
A partir desse trabalho no abrigo, com produção de imagem e reflexão de significação do espaço, em muitas imagens e vídeos o Eduardo e a Eduarda apareciam. Eu fui conversando com a minha esposa \?Olha só esses irmãos aqui, são um grupo de seis irmãos para adoção\? e falava sobre a expectativa muito baixa desse grupo ser adotado.
No dia das crianças, eu e minha esposa visitamos o abrigo levando alguns presentes. A partir desse dia, nós nos tornamos uma espécie de padrinhos afetivos, visitávamos, presenteávamos, passeávamos, levávamos para cortar o cabelo, entre outras coisas. Esse amor, esse sentimento de carinho foi só aumentando e se consolidando em uma vontade de ser mais que padrinhos afetivos.
Em dezembro, o abrigo tinha o costume de que os acolhidos passassem as festas de fim de ano na casa dos seus padrinhos afetivos para ter uma referência de família, de afetividade e dessas comemorações. As seis crianças foram passar esses 21 dias conosco e foi uma experiência muito bacana. Nesse período nós tomamos a decisão de entrar com o processo para adoção das cinco meninas e do Eduardo.
Que importância teve o curso de preparação para você e para sua esposa?
O curso de preparação foi muito importante. Ele nos traz alguns dados e promove a socialização dos casais e dos vários tipos de perfis diferentes. Então você tem contato com essa diversidade. Além disso, o curso desmistifica muito a questão da adoção, faz a gente entender melhor o processo, os caminhos pelos quais nós vamos passar, as dificuldades esperadas porque tem algumas coisas que são muito específicas do processo de adoção e vinculação familiar voltada para a adoção. Então o curso veio ao encontro da nossa necessidade, acalmou um pouco as nossas angústias em relação ao processo do Ministério Público, da Vara da Infância, da Defensoria Pública também. E também no contato com as demais famílias tivemos mais certeza do processo, uma visão mais madura, mais sóbria e menos romântica a respeito da adoção também.
Qual foi (ou tem sido) o maior desafio e a maior dádiva nesse processo e como tem sido a experiência familiar?
Tivemos muitos desafios. O primeiro foi a questão da adaptação com o novo lar, da relação de significar pai e mãe para as crianças e de eles significarem filhos para nós. Esse tornar-se pai e tornar-se filho foi talvez o maior desafio. Hoje já conseguimos perceber que existe essa relação de cumplicidade, de fidelidade em relação a esse sentimento. O maior desafio no caso de serem seis crianças foi ter uma escuta sensível, ter uma percepção de escutar quando uma das crianças está mais fechadinha e não quer falar tanto, de você perceber essas especificidades e conseguir lidar com cada uma. E com certeza a maior dádiva é essa troca de amor, ter esse sentimento de amor das crianças, que é uma relação maravilhosa. Não conseguiria imaginar viver sem essa relação de ser pai, de ser uma influência positiva e de estar construindo a cada dia essa relação familiar.
Se você pudesse dar um conselho às pessoas que têm esse desejo de adotar, o que você diria?
Se eu tenho competência para dar um conselho aos casais que pretendem adotar, eu diria que tentem conciliar ao máximo o sonho com a realidade. Eu reconheço a legitimidade do sonho de cada requerente, mas tentem conciliar isso com a realidade. Reflitam sobre a sua prática, sobre a sua construção social, sobre os preconceitos. Tentem superá-los antes de acolher uma criança. Saiam um pouco desse mundo de fantasia, do romantismo, da ideia de caridade, de estar dando uma oportunidade porque a grande oportunidade é nossa, de sermos amados e vivermos coisas maravilhosas. Nós estamos falando de uma relação familiar e essa é uma relação de interdependência, de dar e receber amor, carinho, afeto. Não é uma relação messiânica, não é uma relação de salvação, nem de caridade. É uma relação de amor. E ela tem de ser pensada com muita maturidade para que os passos sejam dados com firmeza, com clareza, entendendo as dificuldades. É importante ler muito sobre adoção, sobre abandono, sobre institucionalização. É importante ouvir a história da criança, sabendo que a criança tem voz, que ela tem desejos, que ela tem expectativas que, acredito que na maioria das vezes, são muito maiores do que as nossas, muito mais profundas, uma vez que já vêm de um contexto de abandono e de expectativa de sair desse estado de abandono. É importante conhecer e ouvir. Ouvir bastante.