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SÉRIE "SAÚDE MENTAL NO TRABALHO": 1ª REPORTAGEM

SÉRIE "SAÚDE MENTAL NO TRABALHO": 1ª REPORTAGEM


Saúde mental no trabalho

 

Contribuições da Psicologia e o desafio brasileiro no cenário atual

O trabalhador no século XXI: da agilidade e da polivalência à flexibilização nas relações profissionais

Neste 28 de abril, Dia Mundial da Saúde e Segurança no Trabalho, o Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal (CRP 01/DF) lança a série de reportagens “Saúde mental no trabalho: contribuições da Psicologia e o desafio brasileiro no cenário atual”. Nos próximos dias, compartilharemos experiências, estudos e reflexões de diversos especialistas sobre promoção, vigilância e atenção à saúde no contexto do trabalho, com destaque às contribuições da Psicologia e aos desafios atualmente postos à sociedade brasileira diante de mudanças de cenário e da série de reformas em desenvolvimento no país. Falaremos sobre as ações cabíveis para prevenir e minimizar o sofrimento psíquico do trabalhador, abordaremos iniciativas de referência e refletiremos sobre como a Psicologia pode contribuir para a promoção de saúde diante das novas configurações das relações de trabalho.

Pressão para realização de atividades em tempo mínimo, jornadas exaustivas, cobranças e metas cada vez mais distantes da realidade. Foi em 2012, então com 25 anos, que a jornalista Ana Carolina Oliveira teve de lidar, pela primeira vez, com o adoecimento no trabalho. “Eu comecei a sentir um cansaço muito grande e passei a não ter vontade de ir trabalhar. Sentia taquicardia, uma sensação de perigo iminente e a impressão de que todas as coisas não dariam certo”, conta a profissional. “Era como se eu tivesse um pessimismo crônico e uma certeza constante de que não tinha feito tudo ou mesmo o melhor que podia”, desabafa.

O diagnóstico veio após algumas consultas a profissionais especializados: Transtorno de Ansiedade Generalizada e o agravamento de um quadro de hiperatividade. “Desde então, eu tomo um medicamento de uso contínuo e outro remédio para situações de crise”, conta a jornalista. “Outras pessoas da empresa apresentavam quadros de depressão, transtorno de ansiedade, Síndrome do Pânico e não houve qualquer ação por parte da empresa para sanar, amenizar a situação ou sequer entender os motivos de tanto adoecimento”, relata.

No Brasil, os transtornos mentais e comportamentais são a terceira maior causa de incapacidade para o trabalho, número que poderia ser maior se os casos não fossem subnotificados. De acordo com dados do 1º Boletim Quadrimestral sobre Benefícios por Incapacidade, divulgados pela Secretaria de Previdência do Ministério da Fazenda em 2017, esse tipo de adoecimento corresponde a 9% das concessões de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez no país.

O documento ressalta que, enquanto na concessão geral o auxílio-doença não relacionado ao trabalho responde por cerca de 80% da concessão total, na prestação por transtornos mentais e comportamentais, o benefício absorve quase 92% do total em análise. “Esta informação permite inferir que o agravo mental enseja de modo mais frequente o afastamento temporário e não relacionado oficialmente à atividade do trabalhador, quando observado o cenário geral de concessão de auxílios-doença e aposentadorias por invalidez”, destaca o boletim. “O motivo dessa constatação parece estar relacionado à intangibilidade do adoecimento mental. A decisão quanto à permanência deste adoecimento, assim como sobre sua relação com o trabalho, se mostra muito mais complexo do que aquele referente ao adoecimento físico, que pode se basear com maior frequência em lesões evidentes (visíveis) e exames conclusivos. Outro aspecto a ser considerado é a resistência ao reconhecimento da relação do trabalho com a doença mental: é sempre difícil para a direção de uma empresa, ou para o empregador, reconhecer que sua atividade tem sido disfuncional e levado os trabalhadores a desenvolverem agravos psíquicos”, observa o documento.

O boletim destaca ainda que “contribuem para o cenário de agravamento do adoecimento mental no âmbito do trabalho, as situações de banalização da violência, como o assédio moral institucionalizado, as relações interpessoais norteadas por autoritarismo e competitividade, a demanda constante por produtividade e a desvalorização das potencialidades e subjetividades dos trabalhadores.”

No relatório Workplace Stress: a Collective Challenge, publicado em 2016, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) sublinha o desafio enfrentado atualmente pelos trabalhadores de todo o mundo. A velocidade de trabalho é ditada por comunicações instantâneas e altos níveis de competição global e a situação econômica de boa parte dos países, aliada às escolhas políticas de alguns governos, tem intensificado o ritmo das mudanças nas relações de trabalho e reestruturações organizacionais, de forma que as pessoas estão experimentando cada vez mais trabalhos precarizados, medo da perda do emprego e preocupações quanto à sua estabilidade financeira, o que resulta em sérias consequências para a saúde mental e o bem-estar dos trabalhadores.

“Na verdade, o que vemos é o enfraquecimento das relações de trabalho e do contrato de trabalho em si porque essa competitividade tão defendida pelo neoliberalismo não se resume somente às empresas, mas também ao trabalhador, uma vez que ele já tem uma carga muito pesada de produzir o seu próprio sustento, ao mesmo tempo em que passa a enfrentar a falta de garantias e direitos que lhe confere o estatuto de trabalhador”, observa a assistente social e doutoranda em Psicologia, Adelina Moreira. “O trabalho tem atendido às ordens do capital pela flexibilização. Então o que se espera é o trabalhador adoecido, o trabalhador polivalente, é o trabalhador que, terceirizado, perde os seus direitos e é o trabalhador que vive hoje para o trabalho sem pensar muito na sua subjetividade”, alerta a pesquisadora que também é membra da Comissão Especial de Psicologia Organizacional e do Trabalho (CPOT) do CRP 01/DF.

Adelina expõe preocupação com as mudanças na legislação trabalhista brasileira, promovidas pela Lei nº 13.467, de 2017, que regulamentou o contrato intermitente, ampliou as possibilidades quanto à terceirização de atividades, sobrepôs o negociado sobre o legislado, além de outras mudanças que, para a pesquisadora, fragilizam ainda mais a situação dos trabalhadores no país.

“Essa flexibilização do trabalho com a reforma trabalhista e, agora, essa discussão da reforma previdenciária no Brasil mostram que querem que o trabalhador viva para o trabalho. No entanto, quando ele adoece, não há um Estado que garanta seus direitos”, destaca. “O trabalhador doente não produz, mas da forma como vem sendo realizado, o trabalho traz um dano muito grande aos trabalhadores, o que vemos, por exemplo, nas concessões de benefícios relacionados às doenças ocupacionais. Hoje em dia, as pessoas que adoecem no trabalho levam um tempo muito grande para serem atendidas pelo Instituto Nacional de Seguridade Social, o INSS. Quanto tempo ainda, depois de serem atendidas, elas não ficam na mão do Estado?”, indaga a assistente social, que é acompanhada, em suas reflexões, pela jornalista Ana Carolina Oliveira. “O trabalho foi, durante algum tempo, uma fonte de prazer, de realização pessoal e profissional. Após um tempo, passou a ser apenas uma fonte de sustento material e, ultimamente, após mudar de emprego, vejo uma possibilidade de que volte a ser uma fonte de realização”, compartilha a jornalista, ao defender a proteção do trabalhador como medida urgente e necessária dentro de um modelo de desenvolvimento que considere o valor das capacidades humanas e a promoção do bem-estar social como parte de um projeto sustentável.



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