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SÉRIE "SAÚDE MENTAL NO TRABALHO": 3ª REPORTAGEM

SÉRIE "SAÚDE MENTAL NO TRABALHO": 3ª REPORTAGEM


Saúde mental no trabalho

 

Contribuições da Psicologia e o desafio brasileiro no cenário atual

Trabalhando a prevenção: da concepção institucional às experiências de programas de saúde e bem-estar nas organizações

Relatório divulgado pela organização Global Healthy Workplace em 2017 aponta o Brasil como um dos países com maiores perdas econômicas em decorrência de absenteísmo (faltas ao trabalho), presenteísmo (presença com pouca produtividade) e aposentadoria precoce devido a problemas de saúde. O impacto econômico foi estimado em 7,6% do Produto Interno Bruto (PIB) de 2015 e deverá aumentar para 8,7% em 2030, mostrando que “o investimento na saúde de funcionários deve ser uma prioridade nacional para impulsionar a competitividade e a produtividade”, aponta o documento.

Essa foi a postura adotada pela Rede Sabin Medicina Diagnóstica, explica a presidente executiva, Lídia Abdalla. “Somos uma empresa de saúde e se cuidamos dos nossos clientes, temos que cuidar também dos nossos colaboradores. Muito mais do que benefícios que a gente possa oferecer com remuneração ou mesmo educação e desenvolvimento de carreira, a gente entende que o cuidado com a saúde e a qualidade de vida é extremamente importante. Isso torna as pessoas mais produtivas, traz engajamento, traz melhor desempenho também para a organização”, avalia.

A Rede Sabin possui equipe especializada composta por médicos, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros e outros profissionais que participam de todas as etapas do programa de qualidade de vida da organização, desde a avaliação diagnóstica até o planejamento de ações e avaliação de resultados. Além da oferta de plano de saúde e acompanhamento médico e psicológico dentro da empresa, a saúde do trabalhador é promovida por meio de campanhas informativas e de sensibilização ao longo do ano, incentivo à prática de ginástica laboral e atividades físicas diversas por meio de academias, grupos de corrida e outros espaços, bem como monitoramento de epidemiologia entre os colaboradores. “Quando a gente fala de cuidar da saúde, estamos falando de saúde total, ou seja, saúde física e também a saúde emocional, a saúde social”, explica Lídia Abdalla.“Nós monitoramos nossos indicadores, acompanhamos o uso do plano de saúde, buscamos entender o motivo de casos repetitivos, se é possível fazer algo preventivo ao invés de só tratar as doenças”, expõe a gestora.

“Quando eu tenho o investimento em todos esses programas, eu tenho primeiro todas essas pessoas mais produtivas, mais dispostas, mais felizes. As pessoas reconhecem o investimento que a empresa faz nelas e isso mantém elas mais engajadas e mais dedicadas ao trabalho. Os indicadores de absenteísmo são um bom exemplo. Enquanto o nosso setor tem em torno de 4 ou 4,5% de absenteísmo, o nosso indicador é em torno de 1% ao ano. Então a gente sente o resultado vinculado diretamente à presença do trabalhador dentro da sua área de trabalho, engajado, motivado, entendendo que a empresa investe nele e ele dá esse retorno para a empresa com toda a dedicação. Nosso índice de turnover [rotatividade de funcionários] também é muito baixo. Nosso setor tem entre 20 e 25% e nós fechamos o ano em torno de 6,8% de turnover. São os indicadores que mais mostram o quanto os colaboradores reconhecem e valorizam todo o cuidado da empresa com sua saúde e qualidade de vida”, analisa a presidente executiva da Rede Sabin.

“Há também uma questão relacionada à saúde que envolve respeito, confiança, um ambiente saudável dentro da empresa. É um modelo de gestão que se preocupa com a vida de cada uma das pessoas, querendo que elas encontrem nesse ambiente de trabalho um espaço de transparência, de respeito, de confiança. Porque isso também evita que as pessoas venham a desenvolver problemas emocionais. Queremos que o trabalhador se sinta ouvido, que possa colocar a sua criatividade em prática, que ele seja valorizado, que seu esforço seja reconhecido e recompensado”, observa Abdalla.

A experiência é aprovada pela agente de recepção Silvana Passos, que atua há 10 anos como colaboradora na Rede Sabin e participa das ações de promoção de saúde propostas pela organização, como o clube de corrida onde está há 8 anos. “Só tenho notado benefícios a minha saúde, ao meu bem-estar e até a minha produção durante o dia. Estou mais ativa no trabalho, na vida pessoal e nos estudos. Tenho, inclusive, a motivação de incentivar outras pessoas a cuidar da saúde delas, praticando atividade física, por exemplo”, compartilha. A profissional ressalta, no entanto, que ainda não observa concepção institucional semelhante quanto à saúde dos funcionários em outras empresas, um cenário que também espera estar em processo de mudança no país.

O Programa “De bem com a vida”, lançado pelo Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) em 2016 é o outra iniciativa que oferece referências em promoção de saúde no trabalho. Conforme explica a psicóloga Angela Ferreira, o programa foi concebido de maneira a oferecer um amplo espectro de projetos e ações baseados em três eixos estruturais e transversais: promoção de saúde (desenvolvendo atividades e projetos que busquem promover o desenvolvimento de hábitos saudáveis de vida e a prevenção dos agravos à saúde); integração e desenvolvimento sociocultural (propondo ações coletivas que promovam bem-estar, integração e otimização dos espaços de convivência no trabalho); e valorização e desenvolvimento profissional (propiciando, no ambiente de trabalho, ações educativas a fim de adotar práticas que promovam a melhoria contínua do clima organizacional).

“Programas de qualidade de vida no trabalho são fundamentais para a promoção da saúde mental no trabalho, principalmente, por tornarem o trabalhador protagonista no cenário organizacional”, avalia a psicóloga. “No caso da CGU, além da base normativa, a experiência prática da equipe responsável pelo Programa foi fundamental para que ele conquistasse em apenas 18 meses de atividade alguns avanços. Também se diferencia na concepção de nosso Programa o apoio e suporte oferecido pela alta gestão para o desenvolvimento das atividades”, expõe.

Angela acredita que o estabelecimento da Política de Atenção à Saúde e Segurança do Trabalho do Servidor Público Federal (PASS), instituída por decreto em 2009, trouxe avanços significativos à compreensão do servidor público enquanto trabalhador e aos papéis da Administração Pública Federal, dos órgãos e do próprio servidor para a manutenção da saúde nos ambientes de trabalho. “No âmbito da PASS, a promoção da saúde não pode estar dissociada da prevenção aos agravos. Para nós, a promoção da saúde implica também na realização de ações de vigilância nos ambientes de trabalho que devem prever os levantamentos dos riscos ambientais através de avaliações “in loco”; o uso de questionários; a busca de dados bibliográficos; a investigação dos acidentes de trabalho; a realização de programas e campanhas preventivas de doenças e agravos à saúde; a criação de grupos de apoio e a orientação em saúde mental e dependência química”, observa. “Dessa forma, o grande desafio para o psicólogo do trabalho é se antecipar às situações que possam oferecer riscos ao trabalhador, em especial, riscos a sua saúde mental”, acrescenta.

“A base inicial para qualquer trabalho preventivo é a disseminação de informações qualificadas relacionadas ao processo de saúde-adoecimento. Digo informação qualificada porque em plena era das redes sociais, acesso à informação não significa qualidade nessa informação”, explica a psicóloga.  “Contudo, a informação qualificada por si só não surte efeito na mudança de comportamento do trabalhador e da gestão. É importante, como já apontado em 2010 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que os profissionais de saúde busquem alternativas diferenciadas para disseminar a cultura da prevenção nos ambientes de trabalho, tais como oficinas interventivas e cursos. Outro ponto importante é tornar o trabalhador um agente ativo neste processo assegurando a ele o direito de participação em todas as etapas do processo de atenção à saúde, valorizando o seu saber sobre o trabalho”, salienta.

“A PASS trouxe para a Administração Pública Federal modelo semelhante à iniciativa privada: a Comissão Interna de Saúde do Servidor Público – CISSP (equivalente a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – CIPA) que deve, entre outros objetivos, propor ações voltadas à promoção da saúde e à humanização do trabalho, em especial a melhoria das condições de trabalho, prevenção de acidentes, de agravos à saúde e de doenças relacionadas ao trabalho”, expõe Angela Ferreira. “Com relação à atuação para lidar com o adoecimento já instalado, a Política prevê que as ações de promoção da saúde devem ter como objetivo também a detecção precoce, o tratamento de doenças, a reabilitação da saúde do servidor e a intervenção nos processos de adoecimento do servidor, tanto no aspecto individual quanto nas relações coletivas no ambiente de trabalho”, pontua.

A psicóloga acredita que, quanto à base normativa, tanto o trabalhador da iniciativa privada como o servidor público federal, possuem amplas garantias relacionadas à saúde e segurança no trabalho (SST). “Existem diferenças pontuais em como uma equipe pode e deve atuar na iniciativa privada e como pode e deve atuar na Administração Pública Federal. Contudo, percebo três grandes desafios em ambas as esferas para que as empresas/órgãos concretizem uma atuação séria, ética e coerente nesta temática. O primeiro diz respeito a possuírem equipes qualificadas em saúde e segurança no trabalho. Para isso, é importante que empresas e órgãos invistam em capacitação de seus agentes de SST e que as instituições de ensino superior aproximem sua prática à realidade organizacional encontrada nos ambientes de trabalho. No meu caso, fui buscar capacitação formal nesta temática por meio de especialização e mestrado em uma universidade pública federal, pois minha formação básica na Psicologia foi insuficiente para lidar com os desafios existentes no dia a dia de trabalho nas organizações”, conta Angela Ferreira. “Um segundo desafio diz respeito à participação dos trabalhadores/servidores em todas as etapas do processo de atenção à saúde e à segurança nas organizações de trabalho. Infelizmente, o nosso país não possui a cultura da prevenção. Devemos lembrar que a manutenção das condições de saúde e segurança nos ambientes de trabalho é tarefa e responsabilidade de todos. Por fim, e creio que seja o desafio mais polêmico, não se atua em saúde e segurança no trabalho sem o apoio incondicional da alta gestão. É preciso que nós, profissionais de SST, qualifiquemos nosso discurso para convencermos a gestão sobre os benefícios infinitamente maiores que os investimentos em prevenção à saúde trazem, comparados aos prejuízos econômicos, sociais e psíquicos que os afastamentos relacionados à saúde trazem para o contexto de trabalho, para o trabalhador e para o Brasil”, destaca.

“A Psicologia precisa se antecipar aos novos cenários organizacionais a fim de que possamos antecipar nossa atuação aos desafios que serão apresentados. Precisamos de profissionais cada vez mais ativos neste processo de construção. No caso da Administração Pública Federal, as novas modalidades de trabalho, tais como o home office, tem se apresentado como a realidade de um futuro muito próximo. Precisamos nos antecipar para participar dessas discussões desde o planejamento à execução dos projetos pilotos. Ou nos antecipamos, ou vamos apenas colher os frutos (muitas vezes amargos) das consequências dessas mudanças na saúde e segurança dos trabalhadores”, provoca a psicóloga.

Acesse as demais reportagens da série “Saúde mental no trabalho: contribuições da Psicologia e o desafio brasileiro no cenário atual”

O trabalhador no século XXI: da agilidade e da polivalência à flexibilização nas relações profissionais

Atuação do poder público e ações cabíveis contra o adoecimento no meio ambiente de trabalho



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