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SÉRIE "SAÚDE MENTAL NO TRABALHO": REPORTAGEM FINAL

SÉRIE "SAÚDE MENTAL NO TRABALHO": REPORTAGEM FINAL


Saúde mental no trabalho

Contribuições da Psicologia e o desafio brasileiro no cenário atual

Saúde do trabalhador: contribuições e possibilidades da Psicologia diante das novas configurações de relações de trabalho

Neste 1º de maio, Dia Mundial do Trabalho, o Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal (CRP 01/DF) veicula a última reportagem da série “Saúde mental no trabalho: contribuições da Psicologia e o desafio brasileiro no cenário atual”. Nos últimos dias, compartilhamos experiências, estudos e reflexões de diversos especialistas sobre promoção, vigilância e atenção à saúde no contexto do trabalho, com destaque às contribuições da Psicologia e aos desafios atualmente postos à sociedade brasileira diante do cenário nacional. Para o encerramento da série, convidamos as psicólogas Laila Melo e Carla Antloga para compartilharem suas reflexões a respeito da atuação de profissionais de Psicologia na promoção de saúde mental, considerando contribuições, desafios e possibilidades diante das novas configurações de relações de trabalho.

Voltada para o campo das subjetividades, a Psicologia empenha-se em observar os processos psíquicos que são apreendidos por meio de questões concretas da existência humana e, nesse sentido, como expressão da relação do ser com a natureza, o trabalho tem sido, cada vez mais, um objeto de estudo dessa ciência que passa a observá-lo como elemento constituinte dos sujeitos e das sociedades, por meio do qual se organizam diversos aspectos da vida.

“O trabalho consiste em uma das principais dimensões da vida, ambiente no qual se passa grande parte do tempo, no qual se estabelece relações, onde se edifica a identidade”, destaca a psicóloga Laila Melo, gerente de Articulação da Atenção à Saúde do Trabalhador do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES/DF). “Correspondente a um dos principais contextos de reprodução dos valores culturais, econômicos e sociais, é fator de produção de saúde e também de doença. Entretanto, seu reconhecimento como importante determinante social se mostra em segundo plano diante de outras problemáticas nos campos da saúde e do trabalho”, observa.

“Saúde mental e a dimensão do adoecimento no trabalho ainda são centrados no indivíduo, tanto na responsabilização do trabalhador por acidentes, na atribuição de estilo e hábitos de vida no estabelecimento de nexos causais, como também no foco em agravos/transtornos mentais acometidos como principais indicadores”, avalia a psicóloga. “As recomendações têm se centrado eminentemente na redução do estresse, na reabilitação e readaptação de sujeitos, sem que se atente para a organização e processos de trabalho como principais fatores desencadeantes de sofrimento patológico no trabalho”, completa.

A psicóloga chama atenção para dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) que mostram como a precarização das relações de trabalho reflete diretamente nos indicadores de saúde. “Os transtornos mentais menores atingiriam 30% dos trabalhadores economicamente ativos, sendo que as pessoas acometidas com transtornos mentais graves alcançariam 5 a 10% da população ocupada no Brasil”, ressalta.

“A discussão movida pela reforma trabalhista talvez tenha trazido a questão do trabalho à berlinda. Porém, os impactos causados à saúde pela flexibilização e precarização das condições e processos de trabalho do contexto contemporâneo perdem espaço na pauta para reforçamentos pouco eficientes quanto à necessidade de uso de EPIs, à responsabilização do trabalhador sobre os riscos ao qual está exposto e à primazia do capital sobre a mão de obra”, observa a psicóloga. “Discutir prevenção e proteção à saúde dos trabalhadores se mostra por vezes grande desafio justamente pela necessidade de regulação de modelos de produção face à exploração de mão de obra da classe trabalhadora, quer seja pela implementação de dispositivos de proteção coletiva (em detrimento do uso de EPI, barreira última e menos eficaz), pela eliminação de riscos, ou na produção de ambientes de trabalho saudáveis, aperfeiçoamento dos processos de comunicação e participação do trabalhador, sendo que, apesar de comprovadamente representarem economia aos empregadores e à sociedade, pode corresponder a grandes conflitos de interesses”, avalia.

Laila Melo sublinha o papel da vigilância em saúde como instância de monitoramento, análise, acompanhamento e de responsabilidade propositiva com a mudança dos ambientes e processos de trabalho geradores de sofrimento patológico. “Nesse âmbito, o profissional psicólogo pode contribuir de diversas maneiras. No contexto da atenção integral à saúde do trabalhador, quer esteja na assistência em um serviço de saúde da rede SUS (unidades de atenção básica, NASF, ambulatórios especializados, CAPS ou hospitais, por exemplo) ou em serviços especializados em engenharia de segurança e em Medicina do trabalho, o psicólogo pode imprimir em sua clínica o olhar acerca da subjetividade e das relações estabelecidas no ambiente laborativo, em associação à sua história e perspectivas de vida, aliada à compreensão ampliada acerca do adoecer no trabalho. Nossa formação nos permite reconhecer e dar voz à individualidade, porém em associação dialética ao sofrimento produzido pelas condições e organização do trabalho atuais”, enfatiza.

A psicóloga pontua que o olhar do psicólogo pode conferir atenção à subjetividade e ao sofrer/adoecer no trabalho “a partir da produção de informação na identificação, análise e monitoramento de determinantes, de fatores de risco e contextos geradores de adoecimento produzidos tanto por fatores objetivos, como cargas e ritmos de trabalho ou exposição à substâncias tóxicas, quanto fatores mais sutis, como controle, exigências excessivas, acesso à informação, grau de tomada de decisão e os sentidos produzidos (ou não) com o trabalho, por exemplo, em qualquer contexto de trabalho no qual se proponha intervenção, em atuação articulada interdisciplinar e intersetorialmente”, expõe. “O profissional psicólogo pode colaborar no empoderamento do trabalhador, quer seja na apropriação de seu processo saúde-doença-trabalho, quer seja em seu reconhecimento como figura central, com seus conhecimentos e experiência validados (evitando estigmatização e culpabilização), sendo ele visto de fato como componente central na produção de ambientes de trabalho saudáveis e seguros”, defende.

Para a psicóloga Carla Antloga, o papel do trabalho é central quando se pensa em saúde integral. “Nunca antes tivemos tantos adoecimentos psicológicos relacionados ao trabalho como a gente tem hoje. As pessoas estão adoecendo, se matando por causa do trabalho, e esses dados são invisibilizados porque as pessoas não conseguem estabelecer um nexo causal de que essas situações são causadas pelo trabalho. Se a gente parte do pressuposto de que o trabalho é estruturante na vida, e é, pois a sua vida gira em torno do seu trabalho e o que você faz é o que sobra desse tempo, a importância dele não pode ser minimizada”, observa a doutora em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações.

Pesquisadora com influências da ergonomia da atividade e da psicodinâmica do trabalho, a professora destaca as inúmeras contribuições da Psicologia ao tema. “A ideia da ergonomia da atividade, por exemplo, é avaliar o contexto de trabalho para analisar quais aspectos existem ali para a saúde física, mental e emocional dos trabalhadores para então, a partir desse diagnóstico, trabalhar o desenvolvimento de programas de qualidade de vida no trabalho. Hoje o meu trabalho é mais voltado para a psicodinâmica do trabalho feminino, buscando estudar prazer e sofrimento no trabalho e estratégias de mediação que são voltadas aos trabalhadores para lidar com as situações de sofrimento no trabalho. Então a gente analisa muito mais as relações profissionais, que é onde está mais centrado esse trabalho”, explica.

“O que a gente vê é que a maior parte das estratégias, dos programas e das iniciativas que aparecem são falaciosas porque elas vendem a ideia de que a saúde do trabalhador, a felicidade e o prazer no trabalho dependem exclusivamente do trabalhador. Nós não temos olhado para quanto os ambientes organizacionais têm sido tóxicos para a saúde do trabalhador. O que a gente diz é que a pessoa tem que dar conta, quer fazendo meditação, clube de corrida, mas se você está em um ambiente tóxico, carregado de competitividade e de cinismo, de situações que demandam um tipo de comportamento, mas o que vai ser avaliado é outra coisa, fica difícil você se proteger o tempo inteiro”, reflete a pesquisadora. “Um exemplo clássico disso é as organizações dizerem que as pessoas precisam trabalhar em equipe, mas a avaliação de desempenho é individual. Existe uma concepção muito clara do que seja saúde, que é a pessoa dar conta de tudo que está sendo posto para ela, mas na maior parte dos casos isso é humanamente impossível porque você pede para a pessoa dar conta de se manter saudável, mas o que ela precisa fazer é adoecer junto com aquele ambiente de trabalho para dar conta da demanda. Ela não vai permanecer naquela organização se não entrar naquele esquema de loucura da organização. As exigências são contraditórias nesse nível”, acrescenta.

“O que eu percebo como trabalhadora é que essas mudanças na legislação trabalhista são uma grande máscara para explorar mais ainda os trabalhadores. Quando você diz que prevalece o negociado sobre o legislado, eu me pergunto que capacidade de negociação tem uma pessoa que, muitas vezes, é semianalfabeta, porque a gente sabe quem são os trabalhadores que serão mais atingidos. Se estamos falando de uma flexibilização que é para um lado só, eu, do ponto de vista científico, não vejo como isso pode ser bom”, avalia Carla Antloga.

A pesquisadora compartilha suas reflexões sobre possibilidades e habilidades a serem desenvolvidas pelos profissionais de Psicologia que atuam no contexto do trabalho. “Para além da estrutura de funcionamento do sistema capitalista nos ambientes organizacionais, ou seja, quem paga o seu salário e pode te demitir ou não, não é tudo que você vai poder apontar e fazer como psicólogo. Esse é um dado real. Mas um outro ponto é a formação do psicólogo no Brasil, que não é pensada para lidar com o adoecimento no trabalho. O adoecimento no trabalho ainda é muito invisibilizado e, se a gente fala de mulher, é mais invisibilizado ainda porque lidamos com questões de gênero, o estereótipo de que mulher é mais sensível. Os cursos no geral tratam Psicologia organizacional como Psicologia do Trabalho e elas não são a mesma coisa e o estudante ainda vê muito pouco sobre isso. O que existe é uma imensa fragilidade nos currículos para lidar com as questões do adoecimento no trabalho, o que é muito curioso, pois trabalhar toma a maior parte da vida adulta, não é mesmo?”, provoca a professora.

Se você tem interesse no tema e quer contribuir com as ações do CRP 01/DF pela qualificação dos serviços psicológicos na área, entre em contato com a nossa Comissão Especial de Psicologia Organizacional e do Trabalho (CPOT) pelo e-mail: comissaopot01@gmail.com

Acesse as demais reportagens da série “Saúde mental no trabalho: contribuições da Psicologia e o desafio brasileiro no cenário atual”

O trabalhador no século XXI: da agilidade e da polivalência à flexibilização nas relações profissionais

Atuação do poder público e ações cabíveis contra o adoecimento no meio ambiente de trabalho

Trabalhando a prevenção: da concepção institucional às experiências de programas de saúde e bem-estar nas organizações



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